200 anos de revolução cultural rumo ao caos

A valsa: rodopios frenéticos e descontrolados extenuam os dançarinos, mas eles não conseguem parar. Algo similar aos efeitos do ópio os mantém girando!
  • Paulo Henrique Américo de Araújo

Estamos em Viena, no início do século XIX. Apesar de sua aparente inocência, uma revolução havia começado nos salões palacianos e nas festas populares com a valsa, a dança que domina os ambientes e os corações. Os rodopios frenéticos e descontrolados extenuam os dançarinos, mas eles não conseguem parar. Algo similar aos efeitos do ópio os mantém girando!

Muitos consideram hoje a valsa como algo tradicional, mas a história comprova o caráter revolucionário da nova dança. No interessante livro “Viena no tempo de Mozart e de Schubert”, o autor, Marcel Brion, comenta: “O viver para dançar e morrer de tanto dançar tinham cativado inteiramente os vienenses, que não pensavam em outra coisa”.

E mais adiante, o autor se pergunta o que era a dança para os vienenses: “Era um narcótico? Ou, pelo contrário, um estimulante? Nós ignoramos. Era um fruto singular, carregado de doçura e demonismo, de loucura e nobre leveza, […] o aparecimento da valsa transformou o amor vienense pela dança numa paixão desordenada. A valsa (do latim volvere, rodar) pode ser encarada como uma dança revolucionária. Rodar sobre si mesmo, participando de uma revolução coletiva… A vivacidade dessa revolução e a liberdade que se toma apertando a parceira contra o corpo fizeram com que a valsa fosse considerada licenciosa (imoral)”.1

O cinema foi parte importante na grande transformação dos costumes antes da 2a. Guerra Mundial.

Revolução do sentimentalismo e da irracionalidade

O processo corre lento e de maneira quase imperceptível, mas quais serão as consequências dessa revolução? Os comportamentos e as mentalidades caminham para o desregramento cada vez maior, o desejo de quebrar as barreiras tradicionais, de viver o agora e de gozar a vida.2Só o recuo de 200 anos nos dá ocasião de compreender esse mecanismo de instauração do caos.

É de se notar a conexão íntima da valsa com o romantismo exacerbado do século XIX. Plinio Corrêa de Oliveira constata que “de um certo ângulo, o erro do romântico consistia em fazer do sentimento o ápice e o termo de toda a vida mental. Erro, sem dúvida, e erro grave, que produziu na história da cultura ocidental funestas consequências”.3

Dizem que os vienenses, e em geral todos no Ocidente, dançaram valsa até explodir a 1ª Guerra mundial. O conflito — que trazia os sinais de um castigo — gerou uma espécie de desilusão com aquele brilhantismo dos salões de dança. Mas os corações tinham afundado na revolução do sentimentalismo e da irracionalidade, intimamente relacionados com os ritmos aliciantes da valsa. E continuaram ladeira abaixo…

Elvis Presley, nos anos 50, ídolo máximo da revolução do Rock and Roll

Revolta contra as antigas maneiras da sociedade

A decadência anterior foi suplantada por outra ainda mais insana. Após a grande guerra, vieram os “roaring twenties”, isto é, os loucos anos vinte, que acarretaram mudanças significativas no estilo de vida e na cultura da época4. Não é difícil observar que tais transformações rumam sempre para a desordem das paixões e dos sentidos. A intemperança e o desequilíbrio se revoltam contra as antigas maneiras da sociedade e da cultura, e vão assumindo as mentalidades e todos os aspectos da vida.

A depressão econômica de 1929 acabou com a festa dos loucos anos 20. Logo depois, a Segunda Guerra Mundial parece ter vindo como novo castigo àqueles desregramentos, resultando em mais de 70 milhões de mortos, instituições e sociedades desmoronadas e relações internacionais postas às avessas. Com o fim da guerra, os homens continuaram a marcha da revolta e afundaram ainda mais na loucura, agora já bem próxima da barbárie.

Nos anos 50, a revolução do Rock and Roll desponta na América e se espraia mundo afora. O maior símbolo desta onda é Elvis Presley: “No porte, no gesto, na fisionomia deste pobre jovem, tudo indica o desencadeamento total da sensibilidade, subjugando inteiramente a vontade, e determinando movimentos em que absolutamente não se notam o equilíbrio, o bom senso, a compostura inerentes, ação rectrix da inteligência. Os nervos doentios e superexcitados […] vibram sem outra razão, sem outro ponto de partida e sem outro objetivo senão o prazer mórbido de vibrar, e cujo frenesi pede por sua vez vibrações sempre maiores. Por onde se chega rapidamente às manifestações extremas: ritmos delirantes, gestos desordenados, expressões fisionômicas contorcidas, um conjunto de desmandos, enfim, típicos dos que […] perderam a luz do intelecto”.5

Os ativistas pro-LGBT, no fundo, gritam palavras de ordem, xingatórios e fazem gestos obscenos

Ninguém pode negar os efeitos do rock e dos seus congêneres culturais em gerações inteiras de jovens. Tal caotização nos modos comportamentais, tal negação da virtude, do respeito, do bom-senso, da lei natural, enfim, de tudo que torna o homem a imagem e semelhança de Deus, só pode ter um ponto terminal. Este não será simplesmente um novo estilo de dança, mais selvagem ou animalesco. Não. O fim é a destruição de toda sociedade humana. Como?

O processo avança passo a passo, fazendo surgir novas manias e estilos de rebelião: “Todas as gerações que se sucederam foram assim: elas se inebriaram com o seu presente, mas sabiam que este presente era uma rejeição de um passado, e sabiam que a força que as tinha feito rejeitar o passado as levava, no dia seguinte a rejeitar aquilo, a caminho de algo que elas não sabiam bem o que era. Esse algo era cada vez mais próximo deste desfecho punk que nós estamos vendo”.6

O movimento punk representou mais uma explosão nas novidades contestatárias. Porém, ele é considerado pelas “tribos” atuais uma velharia do século XX. Não querem reconhecer nele um de seus progenitores, pois isso exigiria uma análise intelectual, a qual têm aversão. Mas os “selvagens” de hoje, quando negam ou procuram destruir os alicerces mais evidentes da sociedade, inevitavelmente manifestam sua filiação aos movimentos delirantes do passado.

A libertinagem não suporta a boa ordem na sociedade

Depois de 200 anos, voltamos a Viena. No dia 17 de junho de 2023, os descendentes dos dançarinos de valsa, dos roqueiros e dos punks, encontram-se nas ruas. O ritmo de sua dança, ou pajelança, ressoa a partir de batuques estridentes e agressivos. Por volta de 700 ou mais desses neo-bárbaros se aglomeram nas proximidades da Catedral de Santo Estevão, no centro da cidade. Presenciei pessoalmente esta cena dantesca. A anarquia e o delírio aumentam à medida que as hostes dos manifestantes engrossam. Gritos, palavras de ordem, xingatórios, gestos obscenos. Os trajes (ou a falta deles) denotam sua total adesão à libertinagem e à imoralidade. Crucifixos de cabeça para baixo, cartazes com chifres e outras alusões satânicas completam o quadro quase inimaginável.

E qual o objeto de tamanha revolta? Contra quem se dirige tanto ódio? Outro grupo menor tinha, um pouco antes, se aglomerado em frente à catedral vienense, ocupando um anel de proteção composto de grades de ferro e fileiras de policiais militares. Esse conjunto, constituído por aproximadamente duzentas pessoas, veio para a Marcha em defesa da família, realizada todos os anos no centro da capital austríaca.

Os manifestantes pró-família avançam a partir da catedral e percorrem as ruas, rezando o terço, cantando músicas em honra a Nossa Senhora e bradando slogans. Enquanto isso, os contra-manifestantes, mantidos a alguns metros de distância pela polícia, descarregam uma torrente de palavrões, obscenidades e blasfêmias por cima dos integrantes da marcha da família. Tornam-se ainda mais furiosos e alucinados quando veem desfilar — no meio dos homens de todas as idades que também participam da caminhada — dezenas de senhoras, mães com seus bebês, crianças e adolescentes, vários dos quais levam cartazes com os dizeres: “Família é igual a pai, mãe e filhos”. Eis o alvo dos anarquistas propugnadores da agenda LGBT, o objeto de sua ânsia de destruição: a própria base da sociedade.

Parece que chegamos ao fim do percurso de dois séculos de sentimentalismo desenfreado, frenesi, intemperança, imoralidade e revolta. O colapso completo deste mundo não pode tardar, pois ele mesmo está buscando sua ruína. Porém, depois deste como que suicídio virá outro castigo, aquele profetizado em Fátima. No meio dessa tormenta, para todos aqueles que acreditam na indestrutibilidade da Igreja Católica, brilha no horizonte a promessa da vitória da Mãe de Deus.

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Notas

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 872, Agosto/2023

  1. Marcel Brion, Viena no tempo de Mozart e de Schubert, editora Companhia das Letras, São Paulo, 1991, pp. 214-215.
  2. Para uma análise mais detalhada do processo revolucionário, ver a obra mestra de Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução.
  3. https://www.pliniocorreadeoliveira.info/ACC_1956_072_A_mocidade_foi_feita_para_o_heroismo.htm
  4. https://pt.wikipedia.org/wiki/Roaring_Twenties
  5. Idem, “www.pliniocorreadeoliveia.info…”
  6. Cfr. Conferência proferida por Plinio Corrêa de Oliveira, 26 de novembro de 1986. Sem revisão do autor.