As cerimônias da Semana Santa, nas quais se recordam a Paixão e Morte dolorosíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo e a sua gloriosa Ressurreição, levam-nos a meditar na gravidade do pecado e na infinita justiça de Deus, assim como na sua infinita misericórdia.
Reparação à justiça de Deus ofendida

Com efeito, o pecado de nossos primeiros pais, pelo qual “entrou o pecado no mundo” (Romanos, 5,12), foi uma revolta contra Deus, uma desobediência gravíssima ao Criador e uma suma ingratidão para com o Benfeitor.
Sendo Deus infinito, a ofensa feita a Ele tem algo de infinito, pois, conforme Santo Tomás, “um pecado cometido contra Deus tem algo de infinito por causa da infinita majestade de Deus.”(1)
Portanto, a ofensa de Adão e as nossas ofensas a Deus exigem uma reparação que satisfaça a infinita justiça divina. Essa satisfação foi feita pela Encarnação, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. E nisso se manifestou a infinita misericórdia de Deus.
O amor infinito repara o infinito da ofensa
Pela sua justiça, Deus exigiu uma satisfação infinita, a qual foi cumprida pelo seu Filho Unigênito; por sua misericórdia, Ele consentiu nessa imolação para restabelecer a amizade com os homens e abrir-lhes as portas do Céu. Embora Deus pudesse satisfazer a sua justiça de outro modo, Ele quis usar aquela que nos tornasse evidente o seu infinito amor por nós.
Por isso, o pecado grave, sobretudo o estado de pecado (como viver em adultério), é uma ofensa ao mesmo tempo contra a justiça e a misericórdia de Deus. Misericórdia demonstrada sobretudo através da Encarnação, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A misericórdia tempera a justiça, não a destrói
Estas considerações são muito necessárias hoje em dia, quando se espalha uma noção de misericórdia sem justiça, ou se retoma o erro luterano da fé sem a necessidade das boas obras.
As Sagradas Escrituras e a Tradição da Igreja abundam em citações sobre a misericórdia divina. Mas também a respeito de sua justiça e do castigo pelo pecado.
Assim, adverte o Eclesiástico: “Não digas: A misericórdia do Senhor é grande, ele terá piedade da multidão dos meus pecados, pois piedade e cólera são nele igualmente rápidas, e o seu furor visa aos pecadores” (5,6-7).
A misericórdia é para aqueles que temem a Deus
Invocar a misericórdia divina como escusa para continuar a pecar é zombar de Deus. E São Paulo nos previne: “Não vos enganeis: de Deus não se zomba” (Gal 6,7).
Em seu canto de ação de graças, a Santíssima Virgem proclama que a misericórdia vem ligada ao temor de Deus: “Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os que o temem” (1,50).
Já no Antigo Testamento Deus afirmara a sua misericórdia em relação àqueles que O temem, louvam e guardam seus mandamentos (Salmo 102,17; Êxodo 20,6; Deuteronômio 5,10).
O temor de Deus, que “é o começo da sabedoria” (Salmo 110,10), é a filial reverência à infinita majestade da justiça divina, o desejo de não O ofender, de não se afastar de sua amizade. Em suma, o temor filial é fruto do verdadeiro amor a Deus, sem o qual não se adquire a sabedoria.
Doçura e severidade na Pastoral
Nosso Senhor procurou atrair a Si os pecadores. Perdoou a mulher adúltera contrita, converteu a samaritana, elogiou o amor da pecadora arrependida que O ungiu com o bálsamo aromático (S. João 8,1-11; 4,29; 7,47). A doçura de suas palavras percorrem as páginas do Evangelho. Mas, quando preciso, Ele não recuou ante o uso de expressões severas, como para fazer ver sua maldade aos fariseus endurecidos: “hipócritas”, “raça de víboras”, “sepulcros caiados”, “filhos do demônio”, etc. (S. Mateus 12,34; 23,27; S. João 8,44).
Foi também com palavras severas que o profeta Natã converteu o rei David, quando este caiu em adultério e foi o responsável pela morte do marido de Betsabé (2 Samuel 11-12). E o resultado foram os belíssimos Salmos penitenciais, mostrando a dor de uma alma arrependida.
Misericórdia e busca da perfeição
A prática da misericórdia não pode ser separada da busca da perfeição, como explica o Pe. Théodore Koehler:
“‘Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.’ (Lucas 6,36). Este convite a imitar a misericórdia divina corresponde a um outro apelo em Mateus 5,48: ‘Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito.’ A misericórdia aparece assim, desde os primórdios do cristianismo, como a realização do crescimento espiritual na perfeição pregada por Jesus.(2)
A verdadeira pastoral deve, pois, fazer uso dos meios psicológicos adequados, da doçura ou do rigor, para converter ou afervorar as pessoas. Mas tendo sempre em vista afastá-las do pecado, lembrando sempre a inevitabilidade dos Novíssimos: Morte, Juízo, Inferno, Paraíso. Com isso se evita cair em pecado, como ensina o Eclesiástico: “Em tudo o que fizeres, lembra-te de teu fim, e jamais pecarás” (7,40).
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Notas:
- Summa Theologica, 3, q.1, a.2, ad 2.
- Article « Miséricorde », in Dictionnaire de Spiritualité, Beauchesne, v. 10, col. 1313.
MAIS UM EXCELENTE ARTIGO.
PARABÉNS AOS AMIGOS DA ABIM!
GOSTARIA DE SABER COMO PODERIA ENVIAR UM ARTIGO PARA SUA AVALIAÇÃO.
SOU UM MILITAR REFORMADO, MAS ATUALMENTE ATUO COMO PROFESSOR DE LIDERANÇA DA ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS.
Belíssimo artigo. Palavras de conforto, de esperança…