D. Inácio Maloyan, mártir durante o genocídio armênio

As seis províncias armênias do Império Otomano
  • Plinio Maria Solimeo

País muito sofrido durante quase toda sua história, a Armênia foi invadida e dominada pelos turcos durante cerca de nove séculos, e vítima de seu ódio ao cristianismo no início do século XX.

Segundo a tradição, o cristianismo chegou à Armênia levado pelos apóstolos São Judas Tadeu e São Bartolomeu, que lá foram martirizados. Embora grande parte de sua população fosse pagã e praticasse o zoroastrismo, houve muitas conversões ao cristianismo. De tal modo que, no ano 301 — doze anos antes de Constantino dar liberdade de culto à Igreja —, ela se tornou a primeira nação oficialmente cristã, com a conversão do rei Tiridates III por São Gregório, o Iluminador.

No ano 451, parte dessa cristandade separou-se infelizmente da Igreja Católica, por não aceitar as declarações do Concílio de Calcedônia de que em Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, havia duas naturezas, a humana e a divina. Essa parte insubmissa tornou-se monofisista, afirmando que Ele tem somente uma natureza (mono), e não duas, como prega a Igreja Católica.

Nasceu assim a Igreja Apostólica Armênia ou Igreja Ortodoxa da Armênia, hoje majoritária, rompida com a Igreja Católica, Apostólica, Romana.

Em 1740, com a conversão do patriarca ortodoxo Abraham Petros Ardzivian ao catolicismo, o Papa Bento XIV criou formalmente, dois anos depois, a Igreja Católica Armênia, encabeçada por ele. Em 1749 sua sede foi transferida para Bzoummar, no Líbano.

Em 1895, para afogar o renascimento de uma consciência nacional entre os armênios, um sultão turco voltou-se especialmente contra os cristãos, destruindo centenas de igrejas e conventos, e martirizando centenas de milhares de fiéis. Em 1909, os turcos também massacraram mais 20 mil cristãos.

Contudo, foi em 1915 que os otomanos promoveram o verdadeiro genocídio dos armênios: massacraram, segundo se estima, entre 800 mil a 1,8 milhão.

Dentre os mártires que deram então suas vidas por Cristo, destacam-se seis bispos, um dos quais foi D. Inácio Maloyan.

Após esse cruel genocídio, tendo os armênios remanescentes conseguido em 1918 uma efêmera independência da Turquia, em 1920 seu país foi anexado pela União Soviética, sob o pretexto de protegê-lo de possível ataque turco. A partir de 2 de dezembro desse ano, formou-se a República Socialista Soviética da Armênia.

A Armênia só obteria novamente sua independência em novembro de 1991.

Primeiros anos e sacerdócio

Shoukr Allah Maloyan — nome de batismo do futuro mártir — nasceu no ano de 1869, em Mardin. Era o quarto de oito irmãos. Conquanto se situasse na Armênia, Mardin pertencia à província sudoeste da Turquia.

Ele fez seus estudos eclesiásticos no instituto de formação religiosa de rito armênio, no Líbano, por cinco anos. Porém, foi obrigado a abandonar por três anos os estudos, após ser acometido por uma forte asma. Passado esse período, foi ordenado sacerdote em 1896, adotando o nome de Inácio, por devoção a Santo Inácio de Antioquia.

Enviado em 1897 a Alexandria e ao Cairo, adquiriu no Egito fama de sacerdote exemplar e de excelente pregador de retiros espirituais, tanto em árabe quanto em turco. Fazia apostolado com os cismáticos coptas, visando convertê-los à Religião Católica. Nas horas livres de seu múnus sacerdotal, dedicava-se ao estudo da Sagrada Escritura e de línguas.

Por suas excepcionais qualidades, o Patriarca dos armênios católicos, residente em Constantinopla, nomeou-o seu secretário.

Arcebispo

O Pe. Maloyan fora enviado a Mardin como bispo auxiliar, pois a idade muito avançada do arcebispo local não lhe permitia administrar sua arquidiocese. No sínodo dos bispos armênios realizado em Roma em 1911, o Pe. Inácio foi elevado a arcebispo de Mardin.

Apesar de sua instável saúde, D. Maloyan dedicou-se com valentia e determinação à formação do clero e, sobretudo, dos seminaristas, pois queria que fossem sacerdotes zelosos.

No entanto, logo surgiram os atritos com o governo, que lhe negou permissão deviajar à Europa e à América em busca de fundos para a sua pobre diocese.

Tendo aumentado a perseguição do governo turco, ele encoraja seus dirigidos a não perderem o ânimo. Assim, escreve ao Superior de Bzommar: “Seja forte, padre. Pode estar seguro de que Deus lhe concederá todas as graças de que necessita”.

Recrudescimento da perseguição, omissão da Europa

         Em agosto de 1914, início da Primeira Guerra Mundial, a Turquia aliou-se à Alemanha e à Áustria contra a Rússia, a França e a Inglaterra. Em outubro, o governo turco ordenou aos líderes religiosos armênios que se encarregassem da comida dos soldados. Era pretexto para buscar cristãos desertores, e a polícia começou a invadir casas e conventos, maltratando as mulheres e confiscando os objetos de valor.

Para dissimular a perseguição, o governo outorgou a Ordem Imperial a D. Maloyan. Mas este não se deixou iludir, pois soube que o governador de Diarbekir dissera aos militantes muçulmanos: “É hora de liberar a Turquia desses inimigos internos, quero dizer, dos cristãos. Estamos seguros de que as nações europeias não porão objeção alguma e não nos imporão sanções, porque a Alemanha está do nosso lado e nos ajudará”. Um dos enviados do governo turco também afirmara: “Não perdoem a vida a nenhum cristão”. Em consequência, as casas dos cristãos e igrejas voltaram a ser saqueadasimpunemente.

O genocídio

Armênios escoltados por soldados otomanos marchando da cidade de Harput (atual Elazığ) para um campo de prisioneiros, abril de 1915

No início de 1915 os policiais e soldados cristãos foram desarmados, e aqueles dentre eles que trabalhavam para o Estado, demitidos. Constituiu-se então uma milícia armada para encarcerar e matar os cristãos e vender suas mulheres como escravas.

Em abril desse ano, o ministrodo Interior anuncia o início da eliminação dos armênios, sob o pretexto de traição. Soldados turcos rodeiam a catedral e o arcebispado de Mardin, alegando serem depósitos de armas.

À vista disso, D. Maloyan reúne seus sacerdotes no mês de maio, e os encoraja com estas palavras de fogo: “Eu vos animo profundamente a que fortifiqueis vossa fé. Depositai vossa esperança na Santa Cruz fundada na pedra de São Pedro. Nosso Senhor Jesus Cristo edificou sua Igreja sobre essa pedra e sobre o sangue dos mártires. […] que nosso sangue se mescle com o dos puros e santos mártires. Sempre demonstrei total submissão ao chefe da Igreja de Deus, o Sumo Pontífice de Roma. Meu firme desejo é que meu clero e meu rebanho sigam meu exemplo, e permaneçam sempre obedientes à Santa Sé”.

D. Maloyan recusa-se a fugir, e comenta num sermão a frase de Nosso Senhor: “Quem quiser salvar sua vida, a perderá; mas quem perder sua vida por amor de mim, a encontrará”.

Na tarde do mesmo dia ele foi levado à prisão juntamente com 50 membros de sua comunidade. Nos dias seguintes, centenas de cristãos e uma quinzena de sacerdotes foram também encarcerados.

Sua defesa diante do tribunal irritou o comissário de polícia, que o golpeou no rosto com a parte traseira de sua pistola. Incitado depois a se perverter ao islamismo, ele diz: “Ainda que me corteis em diminutos pedaços, jamais renegarei a minha fé. Tende-o por certo”.

Seus verdugos continuaram a maltratá-lo em sua cela: golpeavam-no com bastões e lhe arrancaramas unhas dos artelhos, cuspindo-as em seu rosto.

Sentindo que se aproximavaa sua hora, D. Maloyan grita, no auge da dor: “Se alguém me ouve, me dê a última absolvição”. Um sacerdote, também prisioneiro, lh’a dá então.

Restos de armênios massacrados em Erzinjan

Decorridos alguns dias, cerca de 1.600 cristãos de Mardin foram condenados à morte por traição. Os que se fizessem muçulmanos, seriam libertados. D. Maloyan responde por todos: “Estamos em vossas mãos. Mas morreremos por Jesus Cristo”. E anima os futuros mártires a se confessarem com os sacerdotes presentes. Depois, pegando um pedaço de pão, o abençoou e pronunciou sobre ele a fórmula da consagração. As sagradas espécies foram depois distribuídas entre os prisioneiros.

Um soldado que, apesar de muçulmano, não estava de acordo com a barbaridade que se cometia, relatou como testemunha ocular: “A essa hora vi uma nuvem que cobria os prisioneiros, e de todos os lados se emitia um aroma perfumado. Havia um olhar de alegria e serenidade em seus rostos”.

Os prisioneiros foram depois barbaramente assassinados, e seus corpos lançados em poços. D. Maloyan foi executado com um tiro no pescoço, murmurando: “Meu Deus, tende piedade de mim. Em tuas mãos encomendo meu espírito”. Ele tinha apenas 46 anos de idade.

D. Inácio Maloyan foi beatificado pelo Papa João Paulo II no dia 7 de outubro de 2001. Sua festa se celebra no dia 11 de junho.

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Fontes:

https://www.clairval.com/index.php/pt/carta-pt/?id=4181006

(http://es.catholic.net/op/articulos/36122/ignacio-maloyan-beato.html#modal )