Democracia sem hipocrisia e cegueira

Hipocritamente, pessoas que se dizem defensoras da “democracia” promovem Lula da Silva que, entretanto, flerta com tiranos. Na foto, apenas um exemplo, Lula com os dois últimos ditadores de Cuba (nada democrática e muito miserável), Raúl Castro e Miguel Días.
  • Péricles Capanema

Avalanche publicitária acachapante. Nas últimas semanas o Brasil assistiu a enorme avalanche publicitária em apoio da democracia — entrevistas sem conta e alguns manifestos, sobressaindo-se a “carta às brasileiras e brasileiros” lida em 11 de agosto nas Arcadas. Nesse clima, o Datafolha constatou o maior índice histórico de brasileiros a seu favor: 75% (democracia é sempre melhor). Em fevereiro de 1992, segundo o mesmo instituto, o índice patinava em 43%. Nada tenho contra a defesa das liberdades naturais, a limpidez na votação e o respeito ao resultado das urnas. Sou a favor, sempre fui, reitero-o agora. hoje está cada vez mais necessário enfatizar o óbvio.

Fuga do efeito manada. Não gosto, contudo, de chover no molhado; de diferente ângulo, praticar a adesão fácil, que pode levar ao efeito de manada mental. E, todos viram, houve adesão fácil ao movimento, tinha ficado bonito e muitos baixaram a guarda. O que me faria tendente — razão circunstancial, não determinante — a não me juntar ao bando que então se manifestava. São águas passadas. Aponto agora ponto relevante da questão.

Veracidade e lucidez, pré-condições de arena pública saudável. A avalanche virou enxurrada, está se transformando em filete. “Flopou”. Por quê? Faltou autenticidade. Ficou notório, o movimento era inautêntico no miolo, eivado de contradições: de fato, tinha rumo, favorecia a candidatura petista. Marco Aurélio Mello, ministro aposentado do STF, ecoando sentimento generalizado, declarou à CNN: “Se soubesse que o manifesto seria usado como instrumento político para fustigar o atual governo e apoiar um candidato de oposição, no caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eu não o teria assinado. Se arrependimento matasse, vocês estariam encomendando a minha missa de sétimo dia”. Embeiçado pelo palavreado sedutor, foi na onda. Pulou fora do retrocesso que até então patrocinava. Com ele, incontáveis. Desvelada a falsidade, recuaram; com a lucidez recobrada, deram as costas para o logro.

Inautenticidade e contradições. Ponto fundamental da autenticidade é a ausência de contradições; coerência, enfim. A apologia da hoje tão celebrada democracia precisa ser ampla, geral e irrestrita. Ser a favor dela aqui e com sinceridade também defendê-la lá fora. Não foi o que aconteceu. Um sem número de políticos e pessoas com presença nos meios de divulgação, partidários notórios da ditadura na Rússia, China, Venezuela, Nicarágua e Cuba, apresentaram-se e foram aceitos como lídimos paladinos da democracia. Esta incoerência logo que melhor percebida, esvaziou o entusiasmo da ala que recusava a inautenticidade. A duplicidade (dos simpatizantes de ditaduras) estava intoxicando o ambiente.

Ilustração amarga. Deixo aqui apenas um exemplo, sintoma relevante de posições de efeitos nefastos para o futuro brasileiro, infelizmente bastante generalizadas. A ex-presidente Dilma Rousseff foi palmeada por ter firmado a carta lida em 11 de agosto nas Arcadas. Por aqueles dias deu declarações turibulárias sobre a ditadura comunista chinesa, onde o PCC oprime centenas de milhões de pessoas. A China, afirma ela, é “modelo admirável”. Modelo para quem? Certamente para o Brasil, chamado para babar de admiração pelos dirigentes do Partido Comunista que a aplicam. “Representa uma luz nessa situação de absoluta decadência e escuridão que é atravessada pelas sociedades ocidentais”. Sendo assim, as sociedades ocidentais, trevosas, são ofuscadas pelo fulgor da política aplicada pelo Partido Comunista da China. Contradições assim, aberrantes e ovantes, eliminam a seriedade na assinatura de qualquer manifesto a favor da democracia. Quem as aceita, evidencia cegueira. Quem as pratica, como poderá evitar o epíteto de conduta hipócrita, que nasce natural, impulsionado de forma incoercível pela força da lógica?Conluio da cegueira com a hipocrisia. Aliança mistificadora, ainda que inconfessada e até despercebida, mais comum do que se costuma pensar, esteada no romantismo e na superficialidade, sempre prenhe de catástrofes. Entre outros efeitos, leva a opinião nacional a se acostumar com o engodo e a dissimulação. À vera, é caldo de cultura para miséria material e moral, fortalecendo condições para perpetuação de governos ditatoriais. Em especial nesse clima eleitoral, a opinião nacional estará sujeita a mistificações que ofuscarão seus olhos e farão os ouvidos mais abertos à hipocrisia. Quando não à mentira descarada.