
- Plinio Maria Solimeo
Dos sete Dons do Espírito Santo, um dos mais belos e excelentes é o da Piedade. O que vem a ser ele exatamente? Na linguagem popular, piedade é geralmente usada como sinônimo de “misericórdia”, “compaixão” pelo sofrimento de alguém.
Entretanto, em religião, piedade significa o amor e o culto que devemos prestar a Deus. E, por extensão, a tudo que se refere ao culto divino.
No Antigo Testamento, a palavra é usada quase sempre no sentido acima, de “ter compaixão, misericórdia”. Assim, no Salmo 50, o Real Profeta suplica: “Tem piedade de mim ó Deus, segundo tua grande misericórdia”. E o Profeta Zacarias (7, 9-10) nos alerta: “Assim falou o Senhor dos Exércitos, dizendo: Executai juízo verdadeiro, mostrai piedade e misericórdia cada um a seu irmão; não oprimais a viúva nem o órfão, nem o estrangeiro, nem o pobre, nem intente o mal cada um contra o seu irmão, no seu coração”.
Já no Novo Testamento, piedade é usada sobretudo no sentido da devoção que devemos ter a Deus e o respeito às coisas religiosas, como diz São Paulo a Timóteo (1Tm 6, 11): “Porém tu […] segue a justiça e a piedade, a fé e a caridade, a paciência, a mansidão”.
Popularmente se diz que uma pessoa é piedosa quando tem facilidade e gosto em rezar e se entreter com as coisas de Deus.
Nos homens, a piedade se manifesta em primeiro lugar pelo amor que devemos ter a nossos pais. Ora, como Deus é sobretudo o “Pai nosso que está nos Céus”, devemos ter em relação a Ele um amor filial sem limites, como filhos amorosos ao melhor dos pais. Se a virtude da Religião nos leva a amar a Deus como nosso Criador e Redentor, o dom da piedade nos leva a amá-Lo particularmente como nosso Pai.
O espírito filial que nos obtém o dom da piedade, “nos leva a conceber uma ideia consoladora de Deus, sublime e perfeitamente justa, mostrando-nos nele um Pai inefavelmente bom. […] Em breves termos, confiamos nele plenamente, nada nos parecerá difícil em seu serviço, tudo aceitaremos com paciência, amor, alegria, porque sabemos que nada sucede senão pela vontade ou permissão de um Pai sábio e infinitamente bom. É, então, que começamos realmente a viver para Ele e a trabalhar para a sua glória”[i].
Esse amor a Deus deve se estender não somente aos nossos pais terrenos, mas também aos nossos irmãos, parentes, próximos ou remotos, ecompatriotas — daí o amor à nossa Pátria —, por serem nossos irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo.
O dom da Piedade nos obterá um notável espírito de mansidão, bondade, doçura, benevolência, paz de alma e unção, que nascem da virtude teologal da caridade.
O amor filial a Deus leva-nos a ter também um respeito e amor inflamado à Santa Madre Igreja, por ser a nossa Mãe espiritual, às pessoas eclesiásticas e às práticas e objetos do culto e da religião. Quem possui o dom de Piedade nada estima tanto, depois de Deus, quanto a Igreja. É a Ela que devemos dedicar todo o nosso amor. Assim, as alegrias e os sofrimentos da Igreja devem ser as nossas alegrias e sofrimentos, dedicando-nos com santo ardor e todas as nossas forças à sua defesa e exaltação.
Às benditas almas que sofrem no Purgatório, por estarem já próximas de nosso Criador, devemos dirigir nossa honra, amor, compaixão e orações, principalmente às que se ligam a nós por parentesco ou amizade.
Os defeitos opostos à piedade são a falta de confiança filial em Deus Nosso Senhor, que “se manifesta pelo pouco atrativo e afeição à oração, que facilmente se descura, na resistência às disposições de Deus, que só se aceitam contra a vontade, na pouca devoção e seriedade com as coisas espirituais ou eclesiásticas e à Escritura Sagrada”. Isso tudo “é tratado [por essas pessoas] sem respeito e ligeiramente, com certa dureza de coração”. A consequência é a de as tornar “insensíveis às desgraças e padecimentos do próximo, que nos faz levar com azedume as suas faltas e defeitos, e só nos inspira para com ele afastamento e aspereza, ao passo que vivamente nos ressentimos do quanto nos toca”.
São Paulo já alertava seu discípulo predileto, Timóteo (2 Tm 3, 1-5): “Nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis, porque haverá homens egoístas, ambiciosos de dinheiro, vaidosos, soberbos, intrigantes, rebeldes aos pais, ingratos, ímpios, sem caridade, irreconciliáveis, caluniadores, dissolutos, grosseiros, inimigos de todo o bem, traidores, atrevidos, enfatuados, amadores dos prazeres mais do que de Deus, os quais apresentam uma aparência de piedade, na realidade estão longe dela”. Ou seja, estão imersos na impiedade.
Toda pessoa que deseja ardentemente progredir na vida espiritual e no amor a Deus Nosso Senhor, deve pedir ao Divino Espírito Santo o dom da Piedade. Ele nos obtém os efeitos mais consoladores: “Tranquiliza-nos acerca das culpas passadas de que já fizemos penitência. Com filial segurança na bondade e misericórdia de Deus, confiamos-lhe a temível decisão
[sobre elas]
. [Por isso], nossas faltas de todos os dias não nos perturbam nem desanimam; sabemos que Deus é cheio de longanimidade, que a sua ternura é a de pai, e o pai suporta as fraquezas dos filhos. Finalmente, este espírito filial é o melhor meio para evitar de futuro culpas graves: estamos tanto mais afastados de cometer o pecado quanto mais reina o amor em nosso coração”.
Concluímos
com as consoladoras palavras do Príncipe dos Apóstolos em sua segunda epístola:
“Pois
o seu divino poder nos outorgou todas as coisas concernentes à vida e à piedade,
mediante o conhecimento Daquele que nos chamou por sua própria glória e
virtude. Com isto nos foram dadas as mais preciosas e ricas promessas para que,
por elas, vos torneis participantes da natureza divina, fugindo da corrupção
que, pela concupiscência existe no mundo. Pela mesma razão deveis pôr todo
empenho em apresentar na vossa fé a virtude, na virtude o conhecimento, no
conhecimento a temperança, na temperança a paciência, na paciência a piedade,
na piedade a fraternidade, e na fraternidade a caridade” (2
Pd 3-7).
[i] Pe. Maurício Meschler, S.J., O Dom do Pentecostes – Meditações sobre o Divino Espírito Santo, tradução de Abraão de Santa Maria, O.F.M., Editora Vozes Ltda, Petrópolis, 1945, pp. 218 a 223. As citações entre aspas sem fonte são desta obra, na qual nos baseamos para o presente trabalho.