
BRASIL — Perigo do cerceamento da opinião conservadora. Impressionante resiliência da opinião pública frente ao “divórcio” entre Estado e Nação.
- Frederico Viotti
- Fonte: Catolicismo, Nº 865, Janeiro/2023
O ano de 2022 poderá ficar conhecido como aquele que dividiu o Brasil em dois. No mesmo dia em que o TSE anunciava o vencedor do segundo turno, incontáveis brasileiros saíram às ruas para manifestar sua inconformidade com o resultado eleitoral.
Essa inconformidade tem múltiplas causas e ainda precisará ser aprofundada em estudos sérios e objetivos.
Por enquanto, para efeitos deste artigo, basta relembrar sumariamente algumas dessas causas e o perigo que se apresenta neste momento ao Brasil: o cerceamento da opinião conservadora.
Operação Lava-Jato e o Projeto de Poder do PT
A Operação Lava-jato mostrou um Brasil disposto a enfrentar a corrupção e a sua ligação com os meios políticos mais influentes.
Uma nova geração de procuradores não se intimidou e deu início a investigações amplas e fundamentadas que demonstraram o uso de empresas estatais e privadas para financiar um projeto ideológico de esquerda.
Mais do que a simples corrupção, havia um projeto de Poder.
Escândalos como o do Mensalão e do Petrolão foram desmascarados e envolveram várias das “campeãs nacionais”, como eram chamadas algumas empresas privadas escolhidas pelo governo do PT para serem abastecidas de recursos públicos. O BNDES, ligado diretamente ao governo, injetou, entre 2007 e 2013, “aproximadamente R$ 18 bilhões em um grupo bastante restrito de empresas, segundo dados do próprio governo”[i].
Embora com amplo apoio na opinião pública e confirmada em várias instâncias do Poder Judiciário, essas operações contra a corrupção foram sendo esvaziadas por decisões do Supremo Tribunal Federal, que as consideraram parciais.
Como se isso não bastasse, pouco depois o ex-presidente Lula era solto da prisão e habilitado a concorrer à Presidência da República.
Soltura de Lula pelo STF, cuja maioria foi escolhida pelo PT
O ex-presidente Lula havia sido preso como resultado de um processo iniciado em Curitiba sob a égide do Juiz Sérgio Moro.
Após a condenação em 1º. Instância, Lula recorreu ao Tribunal Regional Federal. Por decisão unânime, os desembargadores federais confirmaram na íntegra a decisão de Curitiba.
Mesmo assim, o STF considerou Sérgio Moro parcial e anulou o julgamento realizado em 1ª Instância.
Diante de uma ponderável parcela de brasileiros, restou um gosto amargo e aumentou ainda mais a desconfiança em relação à mais alta corte do País.
Uma corte de justiça cuja maioria havia sido indicada pelo próprio Lula e pela ex-presidente Dilma Rousseff, ambos do Partido dos Trabalhadores.
Voto impresso e transparência eleitoral

Essas decisões apenas aumentaram a desconfiança de uma grande parcela de brasileiros em relação ao Supremo Tribunal Federal.
Nos últimos 20 anos, a “novela” do voto impresso se perpetua no Brasil. Desde 2002, pelo menos, há projetos que pedem a impressão, junto à urna eletrônica, de um mecanismo visível de controle do voto eletrônico.
Em janeiro de 2002, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) sancionou a lei 10.408, estabelecendo que as urnas eletrônicas deveriam ter um mecanismo que permitisse ‘a impressão do voto, sua conferência visual e depósito automático, sem contato manual, em local previamente lacrado’[ii].
Após essa experiência com algumas urnas, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) desaconselhou a prática e o presidente eleito, Lula, editou uma nova lei mantendo apenas o voto eletrônico.
Em junho de 2009, deputados do PT, PP, PSDB, DEM, PDT, PSB e PCdoB apresentaram na Câmara um projeto de lei de minirreforma eleitoral que, entre outras normas, previa a implementação do voto impresso a partir de 2014. A proposta foi aprovada no plenário e sancionada por Lula em setembro daquele ano (lei 12.034). A mudança, porém, foi suspensa pelo STF em 2011 e derrubada em 2013[iii].
Em setembro de 2015, um veto da então presidente Dilma Rousseff (PT) contra as urnas eletrônicas foi derrubado pelo Congresso, que determinou a implementação do voto impresso a partir das eleições de 2018. O STF derrubou a proposta em junho de 2018, três meses antes do pleito[iv].
Em 2021, em meio a embates entre o presidente Bolsonaro e o TSE, a PEC 135/2019, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que previa o voto impresso, foi derrotada na Câmara dos Deputados.
Mais uma vez, para parcela ponderável da opinião pública brasileira, o STF e o TSE pareciam ter tomado uma posição política, atuando como agentes políticos, e não como meros intérpretes da lei.
Mais do que a questão de evitar ou não a fraude, o voto impresso envolve o princípio fundamental da transparência. Foi com esse argumento que o Tribunal Constitucional da Alemanha considerou as urnas eletrônicas inconstitucionais. “Para a corte máxima alemã, um ‘evento público’ como uma eleição implica que qualquer cidadão possa dispor de meios para averiguar a contagem de votos, bem como a regularidade do decorrer do pleito, sem possuir, para isso, conhecimentos especiais[v].
Impressão de parcialidade do processo eleitoral
Durante toda a campanha eleitoral, a posição da grande impressa pesava fortemente para um lado, mas a censura, em nome do combate às fake news, pesava para o outro.
Canais conservadores foram sendo silenciados. Vídeos, como um documentário do Brasil Paralelo, retirados do ar, mesmo com informações verdadeiras. O argumento dos juízes eleitorais era o conceito novo (não previsto em lei) de “desordem informacional”.
Editorial do Jornal “Gazeta do Povo” chegou a chamar de “Desordem Judicial” esse “novo” conceito que levou à censura de um vídeo contendo informações verdadeiras.[vi]
Também do Brasil Paralelo foi suspensa a exibição de um novo documentário, que deveria sair antes do 2º. Turno Eleitoral, sobre o atentado contra a vida do candidato Jair Bolsonaro, ocorrido quatro anos antes. Mesmo sem ter sido visto ou analisado, o vídeo foi censurado previamente…
Por fatos como esses, o articulista J.R. Guzzo, também na “Gazeta do Povo”, escreveu: “A ditadura do judiciário elegeu Lula”. Diz ele, em determinado momento de seu artigo: “É a primeira vez, enfim, que o TSE tem um candidato — no caso, o candidato que ganhou, justamente ele[vii].”
Democracia – palavra talismã que nos transforma em Venezuela?
Em 1966, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira alertou para a manobra de mudar o conceito de uma palavra e usá-la para fins ideológicos espúrios.
Em seu famoso livro Baldeação Ideológica Inadvertida e Diálogo ele cunhou a expressão “palavra-talismã”.
Uma “palavra-talismã” “suscita toda uma constelação de fobias e de simpatias, de emoções contraditórias”. E possui ressonância publicitária. Diz mais do que o mesmo expresso com clareza e é muito apta a levantar dúvidas infundadas[viii].
No Brasil de hoje, a palavra democracia está sendo usada como a palavra socialismo era usada em alguns regimes totalitários comunistas (e ainda continua sendo em vários países). Atentar contra o socialismo, naqueles regimes, leva à prisão. Atos “antidemocráticos” também podem levar à prisão, mesmo que sejam meras opiniões.
Combate às fake news e cerceamento da opinião
Fake news, como o nome indica, são notícias falsas. Jamais as opiniões de alguém sobre algum fato podem ser classificadas como tais.
A Constituição do Brasil garante a liberdade de opinião, de expressão, de reunião, de associação etc. Trata-se de um direito fundamental, sobre o qual nem mesmo o legislador atual pode dispor em sentido contrário. Para alterar essa liberdade, seria necessária uma nova Constituição.
Carlos Alberto Di Franco escreve em 28-11-22, no jornal “Estado de S. Paulo”, o artigo “Desconstrução da liberdade de expressão[ix]”, no qual, após comentar um editorial da “Gazeta do Povo” mostrando a grave situação em que se encontra o Brasil, afirma:
“Não se combatem fake news com censura, limitações à liberdade de expressão e prisões arbitrárias e ilegais. Quem vai dizer o que podemos ou não consumir? Quem vai definir o que é ou não fake news? O Estado? O ministro Moraes? Transferir para o Estado a tutela da liberdade é muito perigoso. […] Estamos assistindo à desconstrução da liberdade de expressão. Atualmente, qualquer ofensa, real ou imaginária, passa a ser resolvida em clima de rito sumário. O ministro ‘ofendido’, como se não fizesse parte de um Poder democrático, assume o papel de polícia, promotor e juiz da própria causa. É exatamente isso que, atônitos, estamos vendo no chamado inquérito das fake news.”
E conclui: “O fato é que, objetivamente, o nível de repressão à liberdade de expressão adotado antes, durante e depois do período eleitoral — censura, censura prévia, desmonetização, proibição de criação de perfis, proibição de fatos sabidamente verdadeiros — nos colocou mais perto das nações autocráticas que das nações livres. Opiniões perfeitamente legítimas num regime de liberdade foram banidas pelo aparato judicial brasileiro.[x]”
Essa situação de combate às fake news, sem claro embasamento legal sobre o que elas são, levou até mesmo a OEA (Organização dos Estados Americanos) a recomendar ao Brasil que estabeleça uma legislação para tratar do tema[xi].

Brasil, Nicarágua e Teologia da Libertação
No último dia 27 de outubro, a Nicarágua, cujo governante é filho espiritual da chamada “esquerda católica” (teologia da libertação), aprovou um projeto de lei para regular o que pode ser publicado nas redes sociais e nos meios de comunicação.
Afirma a CNN: “De acordo com a chamada lei de crimes cibernéticos, penas de prisão de até 4 anos podem ser aplicadas a qualquer pessoa considerada culpada de publicar notícias falsas nas redes sociais ou em veículos de notícias. Quem revelar informações ‘não autorizadas’ pelo governo pode ser condenado de 4 a 6 anos de prisão[xii]”
Lula da Silva, outro discípulo da “teologia da libertação”, declarou em inúmeras oportunidades ser favorável a “regular” as redes sociais e a mídia.
Em pelo menos nove ocasiões, ele voltou a defender esse tema, segundo o jornal “Poder 360”: “Desde que foi solto, em novembro de 2019, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já falou publicamente ao menos nove vezes sobre regular os meios de comunicação — seja os tradicionais, seja a internet[xiii].”
Vigilância e regulamentação da Internet
Não foi por acaso que o articulista Marcelo Coelho, da “Folha de S. Paulo”, não teve receio de afirmar que é necessário regular as redes sociais.
O título de seu artigo já deixa entrever o que pensa: “Só conciliação sem punição não basta para evitar a volta de Bolsonaro”. Diz ele: “Falar só em ‘esquecer as divisões’ não adianta. É preciso enfrentar de uma vez a causa dessas divisões — e cada dia que se perder nisso tornará mais difícil a tarefa. Diferenças de opinião e preferência partidária sempre existiram. O que não existia, pelo menos nas últimas décadas, é uma indústria ideológica voltada a criar racismo, homofobia, fanatismo político-religioso, violência e autoritarismo. O mero apoio à liberdade de expressão não dá conta do que acontece. Se não gostarem da palavra ‘controle’, posso inventar outra. Mas uma clara vigilância e regulação do que se passa nas redes sociais é, a meu ver, incontornável. Não é só durante as eleições que providências como as do TSE são necessárias”[xiv].
Para ele, ser contra o homossexualismo constitui inaceitável homofobia e equivale a uma “indústria ideológica voltada a criar racismo” e “fanatismo político-religioso”.
Fica evidente que a doutrina católica, a respeito de temas morais, vai sendo colocada na ilegalidade.
Aliás, Plinio Corrêa de Oliveira advertiu que esse dia chegaria e que, diante da questão do homossexualismo (portanto, englobando a ideologia de gênero), se daria uma das maiores divisões ideológicas no mundo contemporâneo.
Dizia também que ser católico tornar-se-ia inconstitucional. Parece que esse dia se aproxima.
Divórcio entre o Estado e a Nação
Em seu livro Projeto de Constituição angustia o País, publicado em 1987, ele alertou para o perigo do divórcio entre o Estado e a Nação que se começa a verificar nas ruas do Brasil.
Após analisar o perigo de uma constituinte esvaziada de representatividade —como no caso de um governo que se dirija para a esquerda em um país conservador —, o grande líder católico brasileiro observou:
“Convém insistir em que o divórcio entre o País legal e o País real será inevitável. Criar-se-á então uma daquelas situações históricas dramáticas, nas quais a massa da Nação sai de dentro do Estado, e o Estado vive (se é que para ele isto é viver) vazio de conteúdo autenticamente nacional. Em outros termos, quando as leis fundamentais que modelam as estruturas e regem a vida de um Estado e de uma sociedade, deixam de ter uma sincronia profunda e vital com os ideais, os anelos e os modos de ser da nação, tudo caminha nesta para o imprevisto. Até para a violência, em circunstâncias inopinadas e catastróficas, sempre possíveis em situações de desacordo, de paixão e de confusão”.[xv]
O Brasil de hoje não é o Brasil de 2003, quando Lula assumiu pela primeira vez. Há um Brasil reativo, unido, muito mais explicitamente anticomunista.
Aliás, o jornal de esquerda, ‘Folha de S. Paulo”, publicou um editorial com o título: “A obsessão anticomunista, uma ameaça à democracia[xvi].”
A reclamação central é a de que parcela de brasileiros, hoje, considera o comunismo em um sentido muito mais amplo do que a mera tomada de Poder pelos bolcheviques, como foi na Rússia em 1917.
Para esses que estão nas ruas, o comunismo envolve a Revolução Cultural, os valores morais. E eles estão corretos.
A Grande Esperança

Durante décadas, uma das grandes dificuldades do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e das associações por ele criadas ou inspiradas foi mostrar a unicidade do processo de descristianização da sociedade.
Temas como o homossexualismo, aborto, invasão de propriedade, direito à legítima defesa, entre outros, embora tenham sua autonomia, dizem respeito ao que o homem tem de mais profundo: sua religião.
Um católico não pode viver, na vida concreta do dia a dia, como se fosse um pagão. A consequência da Fé Católica é a disposição de viver conforme os princípios que a pessoa professa.
Dr. Plinio deu um nome a esse processo de descristianização, chamando-o de Revolução[xvii].
Ao contrário do que se via antigamente, quando uma pessoa que lutava contra o aborto não entendia a questão do homossexualismo ou do direito de propriedade, hoje esses temas estão mais unidos do que nunca.
No combate ao comunismo está em germe o combate à Revolução entendida em seu sentido mais amplo, como esse grande processo de apostasia do Ocidente cristão rumo a uma sociedade igualitária e libertária.
É contra esse processo que o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, a Revista Catolicismo e uma miríade de movimentos inspirados por esse líder católico exercem, dia após dia, sua ação em defesa da civilização cristã.
Hoje, mais do que nunca, avizinha-se a hora em que os homens serão chamados a fazer a crucial escolha — amparados pela graça, que Deus nunca recusa, e pela intercessão da Santíssima Virgem — de qual futuro devem escolher.
Em seu “autorretrato filosófico”, o Prof. Plinio afirmou: “Não pretendo ser apenas um defensor do passado, mas um colaborador — com outras forças vivas — para influir no presente e preparar o futuro. Estou certo de que os princípios a que consagrei minha vida são hoje mais atuais do que nunca e apontam o caminho que o mundo seguirá nos próximos séculos. Os céticos poderão sorrir. Mas o sorriso dos céticos jamais conseguiu deter a marcha vitoriosa dos que têm Fé”.
Quanto mais se aproximam as perseguições, mais perto está a
vitória da Santíssima Virgem, e o triunfo, como prometido em Fátima, do seu
Imaculado Coração.
[i]https://maisretorno.com/portal/termos/c/campeas-nacionais
[ii]https://jovempan.com.br/noticias/politica/voto-impresso-ja-foi-sancionado-por-lula-aprovado-pela-camara-e-derrubado-no-stf-confira-trajetoria.html
[iii] Idem Ibidem
[iv] Idem Ibidem
[v]https://www.dw.com/pt-br/tribunal-alem%C3%A3o-considera-urnas-eletr%C3%B4nicas-inconstitucionais/a-4070568
[vi]https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/tse-censura-brasil-paralelo-desordem-informacional/
[vii]https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/jr-guzzo/a-ditadura-do-judiciario-elegeu-lula/
[viii]https://ipco.org.br/palavras-que-sao-talismas/
[ix]https://www.estadao.com.br/opiniao/carlos-alberto-di-franco/desconstrucao-da-liberdade-de-expressao/
[x] Idem Ibidem
[xi]https://www.conjur.com.br/2022-nov-12/oea-recomenda-brasil-defina-combate-desinformacao-lei
[xii]https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/nicaragua-passa-projeto-de-lei-que-criminaliza-o-que-governo-achar-noticia-falsa/
[xiii]https://www.poder360.com.br/midia/lula-falou-ao-menos-9-vezes-em-regular-midia-depois-de-solto/
[xiv]https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelocoelho/2022/11/so-conciliacao-sem-punicao-nao-basta-para-evitar-a-volta-de-bolsonaro.shtml
[xv]https://www.pliniocorreadeoliveira.info/Mult_871123_projeto_constituicao_angustia_brasil.htm#.Y5Ci933MJ_V
[xvi] Folha de S. Paulo, 30 de novembro de 2022
[xvii] Revolução e Contra-Revolucão, Catolicismo, 1959, inúmeras edições e várias línguas