São Pedro de Tarantésia, bispo e confessor

São Pedro de Tarantésia promove a distribuição, entre os pobres, do pão de maio, em frente à catedral de Moutiers.

Próximo de São Bernardo de Claraval, foi monge cisterciense, abade, fundador, arcebispo, conselheiro de papas e reis. Defendeu Alexandre III contra o antipapa Vitor IV, obtendo para o Papa a obediência das 700 abadias da Ordem Cisterciense. Sua festividade é celebrada no dia 8 de maio.

  • Plinio Maria Solimeo

Pedro nasceu em Viena do Delfinado, na França, pelo ano de 1102. Seu pai também se chamava Pedro e por sua piedade era tratado nos anais de Cister de “o Bem-aventurado Pedro”. De origem modesta e vida austera, ele e sua piedosa esposa deram aos filhos a maior riqueza que se pode aspirar na Terra: a verdadeira religião católica bem observada e vivida.

         Apesar da estreiteza pecuniária em que viviam, os pais de Pedro transformaram sua casa em albergue para os peregrinos mais pobres que eles, que naquela época abundavam, bem como aos religiosos de passagem, que pagavam generosamente a hospitalidade com santas instruções, orações e bons exemplos.

         O futuro santo tinha dois irmãos e uma irmã. Mais tarde, ao se tornar abade de Bonnevaux, como outro São Bernardo atrairá para esse mosteiro seu pai, os irmãos Lamberto e André, e mais 17 varões. Sua mãe e sua irmã também se tornaram religiosas cistercienses na abadia de São Paulo de Izeaux. De maneira que a família inteira se consagrou a Deus.

Monge, fundador

         Pedro filho era um menino tão piedoso, que rezava o Saltério enquanto vigiava o rebanho da família.

         Sua profunda piedade atraiu a atenção do abade do mosteiro de Bonnevaux, cerca de Poitiers, que frequentava sua devota casa. Este então pediu aos pais do menino que o deixassem levar consigo, para que Pedro completasse sua formação religiosa no mosteiro.

         A abadia de Bonnevaux era a sétima filha de Cister, que por sua vez fora fundada em 1117 por São Bernardo. Pedro nela viveu durante 10 anos, edificando a todos por sua piedade.

Passado esse tempo, seu superior concluiu que sendo ele muito obediente, saberia também mandar. Assim, em 1133 encarregou-o de fundar uma abadia em Tamié, diocese de Tarentaise. Essa abadia estava localizada nas gargantas dos Alpes, entre as montanhas que separam Genebra da Savóia. Como passagem principal da Suíça para a Itália, era cruzada por pobres viajantes e peregrinos que tinham de atravessar esse desfiladeiro.

         Embora o início desse mosteiro tivesse sido muito duro, vivendo os monges praticamente a pão e água e algumas hortaliças temperadas com sal, dedicavam todos os seus esforços no cuidado dos pobres, peregrinos e viajantes.

Tal era a fama do abade Pedro, que Amadeu III, conde da Savóia, vinha frequentemente receber suas instruções.

Arcebispo de Tarentaise

Quando, em 1138, vagou a arquidiocese de Tarentaise, por ter sido deposto seu indigno arcebispo por mau uso dos bens de sua igreja, o abade Pedro foi escolhido para o substituir. O santo não quis aceitar tal honra, mas o Capítulo Geral de Cister, e em particular São Bernardo, lhe disseram que era seu dever sujeitar-se à vontade de Deus. São Pedro Tarentaise foi o primeiro monge cisterciense a ser elevado ao episcopado.

O novo bispo encontrou o clero da catedral pouco disciplinado e muito negligente. Substituiu-o então por cônegos regulares de Santo Agostinho. Obrigou também os padres que tinham usurpado bens de suas igrejas, que os restituíssem, e proveu-as do necessário para a beleza e dignidade do culto divino. Fundou um hospital para os pobres e enfermos, estabeleceu e dotou o Pequeno São Bernardo para atender os que se extraviavam nas montanhas.

São Pedro continuou a levar, quanto lhe era possível, uma vida monástica, observando os momentos de oração e recolhimento, e trazendo sob as vestes episcopais o hábito cisterciense. Era muito frugal em suas refeições, comendo só pão e ervas; dormia pouco, e dedicava grande parte da noite a orações e penitências.

         Seguindo a tradição em sua família, a casa episcopal estava sempre aberta aos pobres, com quem compartilhava as refeições. Muitos milagres lhe foram atribuídos quando atendia aos necessitados. Seu administrador dizia que ele dava muito, mesmo demasiado, e quando não tinha mais dinheiro, sempre encontrava aqueles que o ajudassem na prática da caridade. De maneira que sua casa se tornou um asilo no qual eram recebidos toda sorte de indigentes, estrangeiros e enfermos.

         Contudo, deve-se ressaltar que o santo arcebispo não ficava apenas na esmola temporal, mas sobretudo na espiritual, procurando sempre orientar e organizar a vida dos pobres para que pudessem sair da pobreza, ou para que a suportassem com espírito sobrenatural.

         Como bispo zeloso, passou a visitar frequentemente todas as paróquias de sua diocese.

Conselheiro e árbitro

         Naqueles idos tempos, os nobres e os bispos partilhavam a propriedade das terras e a administração das populações, pois com a queda do Império Romano, toda a jurisprudência desaparecera. De modo que, quando surgia um conflito de interesses, não havia instituição para resolver as disputas. Então se apelava para as pessoas gradas. Tal era a fama de sabedoria e santidade do bispo de Tarentaise, que os condes, bispos e até o Papa a ele recorriam quando era necessário conciliar as contendas.

São Pedro sentia falta do silêncio do claustro. Por isso, refugiava-se algumas vezes na Grande Cartuxa para se entregar ao silêncio e à solidão, favoráveis à meditação, à oração e ao estudo, que ele nunca renunciou.

Desse modo, um dia em que mais sentia o apelo do silêncio, resolveu trocar suas vestes com um mendigo, para passar despercebido de seus diocesanos e poder se dirigir anonimamente a um remoto convento de sua Ordem no fundo da Alemanha. Como não se sabia quem ele era, foi recebido como simples irmão leigo.

Após cerca de um ano, os monges finalmente descobriram sua identidade e alertaram sua diocese. Obrigado a voltar, ele foi recebido com muito entusiasmo e alegria pelos seus súditos.

Lá o esperava um papel importantíssimo: combater o cisma provocado pelos partidários do Imperador Frederico Barba-Roxa.

Submissão de Frederico Barbarossa ao Papa Alexandre III durante a assinatura do Tratado de Veneza – Francesco de’ Rossi “Cecchino” c.1563. Palácio Apostólico, Vaticano

Combatendo o cisma

         Quando o Papa Adriano IV faleceu, em 1159, foi eleito em seu lugar o cardeal Rolando Bandinelli, que tomou o nome de Alexandre III. Acontece que um pequeno grupo de cardeais pró-Imperador, não contente com essa eleição, elegeu um outro papa, o antipapa Vítor IV. Iniciou-se assim um cisma que duraria 20 anos.

O arcebispo de Tarentaise foi um dos únicos súditos do Império que se declarou pelo Papa legítimo, levando consigo a Ordem de Cister em peso.

O triste cisma só terminaria em 1179, quando, derrotado na Itália, o Imperador Barba-Roxa acabou por reconhecer Alexandre III como Papa legítimo, rompendo com o antipapa.

Alexandre III convocou então o Terceiro Concílio de Latrão, que encerrou definitivamente o cisma.

Abadia de Tamié, fundada pelo santo, onde se conserva a sua mais importante relíquia (foto abaixo

Uma cena medieval

Alexandre III chamou São Pedro Tarentaise a Roma em 1170, encarregando-o de reconciliar o rei Henrique II da Inglaterra com Luís VII da França.

Tendo que percorrer parte da França, o santo arcebispo o fez pregando por onde passava, acompanhando a pregação com muitos milagres.

Chegando à cidade real galo-romana de Corbeil, distante 29 quilômetros de Paris, nela se encontrou com Luís VII, que ali estava com seu genro, filho de Henrique II da Inglaterra e Leonor de Aquitânia. Com o mesmo nome que o pai, o jovem príncipe era cognominado ‘Henrique, o Jovem’ (1155-1183), e era casado com Margarida de França.

Ocorreu então uma cena só possível na Idade Média: ao ver o Arcebispo, cuja fama de santidade conhecia, o jovem príncipe saltou do cavalo, curvou-se diante do santo e beijou-lhe os pés. E então, quase à força, agarrou o casaco velho e rasgado que lhe cobria os ombros. Os cortesãos riram discretamente: “Vocês não ririam”, disse-lhes o príncipe, “se conhecessem todos os milagres que um de seus cintos que possuo fez”.

Morte e glorificação

Catedral de São Pedro, em Tarantésia

Finalmente, em 1174 São Pedro de Tarantésia se dirigia por ordem do Papa para a abadia cisterciense de Bellevaux, no então Franche-Comté, a fim de resolver alguns assuntos delicados, sendo lá esperado com impaciência pelos monges. Fundada em 1120, essa abadia foi extinta no início da Revolução Francesa e sua igreja demolida.

São Pedro foi então acometido por dolorosa indisposição que o obrigou a descansar à margem da estrada, junto a uma fonte. Ali entrou em agonia.

Transportado para a abadia, lá faleceu no dia 8 de maio de 1174, três anos depois de sua consagração ao episcopado.

Devido à sua fama de santidade, seu processo de canonização iniciou-se logo, baseado na sua vida, escrita na época pelo abade da Abadia Real de Hautecombe, a qual foi fundada em 1125 pelo conde Amadeu III de Savóia e entregue aos monges cistercienses da Abadia de Cister. Essa biografia foi incorporada ao processo oficial de canonização do bispo de Tarentaise.

Ocorreu então que, no início do ano de 1191, subiu ao trono pontifício Celestino III (1106-1198), da poderosa família dos Orsini, que num dos primeiros atos de seu pontificado canonizou Pedro de Tarentaise nesse mesmo ano de 1191. Esse santo foi dos primeiros a serem canonizados seguindo as novas normas de canonização.

Anteriormente os santos eram proclamados por vox populi, ou seja, por aclamação popular. Mas a fim de evitar abusos que às vezes ocorriam nesse sistema, a Igreja estabeleceu um minucioso processo para se declarar que uma pessoa fora santa. Os bispos das respectivas dioceses em que o candidato vivera, passaram a assumir a responsabilidade de iniciar o processo com uma investigação sobre a vida dos candidatos.

No túmulo de São Pedro de Tarantésia podia-se ler: “Maravilha do mundo”.

Desse santo, registra o Martirológio Romano no dia 8 de maio: “No mosteiro de Bellevaux, na região de Besançon, em 1176, a morte de São Pedro, bispo. Primeiro monge da abadia cisterciense de Bonnevaux, depois fundador e primeiro abade de Tamié, foi eleito para a sé episcopal de Tarentaise e conduziu a sua Igreja com zelo ardente, vivendo como monge e procurando restabelecer a harmonia entre os povos”.

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Fontes:

– Saint Pierre de Tarentaise (cef.fr), nominis.cef.fr/contenus/saint/1119/Saint-Pierre-de-Tarantaise.html

– laviedessaints.com/saint-pierre-de-tarantaise/

– ICONOGRAPHIE CHRÉTIENNE: Saint PIERRE II de TARENTAISE, abbécistercien, fondateur, évêque et confesseur (har22201.blogspot.com)

– Pierre II de Tarentaise — f.Wikipédia

– Peter II of Tarentaise – en.Wikipedia