
Fundador da Ordem dos Camaldulenses, arrastou atrás de si nobres e pobres, povoando mosteiros e solidões. Um Santo para ser admirado, mais do que imitado, devido à sua extrema austeridade. Celebramos sua festividade no dia 19 de junho.
- Plinio Maria Solimeo
“Parece-nos que o glorioso anacoreta Romualdo, por tantos títulos ilustre, deve ser tido entre os mais avantajados santos: por sua pátria, por sua linhagem, por sua virtude, pela contemplação tão alta que teve das coisas divinas, e por haver fundado a Ordem dos Camaldulenses. […] Pôde tanto a força de seu exemplo, que a muitos príncipes, reis e pessoas insignes fez deixar as cortes e as galas, trocando-as por penitências e ásperas roupagens” (Clemente VIII, bula de 9 de julho de 1595, fixando sua festa).[i]
Descendente da família ducal dos Honesti, Romualdo nasceu em Ravena, Itália, provavelmente no ano 950. Como seus pais eram mais amigos do mundo que de Deus, sua infância e juventude foram sem preocupação religiosa, como um rapaz nobre comum de seu tempo, vivendo em meio a festas e torneios. Mas a contemplação da imensidão dos campos e do firmamento, enquanto se dedicava à caça (o esporte predileto da nobreza), despertava nele o desejo das coisas eternas e da solidão, e de só pensar em Deus.
Um episódio veio ao encontro desse anseio. Seu pai, o duque Sérgio, havia desafiado um parente ao duelo, por questões de terras, e obrigou o filho a assisti-lo como testemunha, sob pena de ser deserdado. Romualdo, então com 20 anos, encheu-se de horror quando viu o pai matar seu adversário. Julgando-se também culpado pelo crime, quis expiá-lo por meio de rigorosa penitência, durante 40 dias, no mosteiro de Santo Apolinário, perto de Ravena. Quando findava o período penitencial, teve duas visões do mártir Santo Apolinário,[ii] que o levaram à resolução de ingressar em seu mosteiro.

À procura de radicalidade
Em seu desejo insaciável de perfeição, Romualdo começou uma vida de penitência tão austera, que monges mais antigos não podiam acompanhar seu exemplo. Em decorrência disso, depois de dois anos ele abandonou o mosteiro, indo viver com um eremita de nome Marino, compartilhando ambos uma existência de espantosa austeridade.
Os dois solitários costumavam caminhar pelos ermos, rezando salmos. Romualdo não sabia o saltério de cor, e cometia muitos erros; e cada vez que errava, Marino implacavelmente lhe dava um golpe na orelha esquerda com um bastão. O santo recebia com muita humildade e paciência essa repreensão, mas com o passar do tempo notou que as contínuas pancadas o estavam levando à perda da audição nesse ouvido; e pediu a Marino que lhe batesse no outro… Percebendo a virtude imensa do discípulo, o eremita começou a tratá-lo com mais consideração.
Quando o ex-doge de Veneza Pedro Urseolo, despojando-se de sua dignidade ducal, decidiu entrar como simples religioso no mosteiro de São Miguel de Cusan, na diocese de Perpignan,[iii] os dois solitários o acompanharam até a França. Os monges desse mosteiro tanto insistiram, que Romualdo ficou entre eles. Nos quatro anos que lá passou, o abade Guarino lhe ensinou a ler e escrever, deu-lhe a conhecer os escritos dos Santos Padres e o pôs em contato com a observância religiosa do mosteiro de Cluny, uma das glórias da Idade Média, que estava então em seu apogeu.
Reformador e formador de santos
Deus inspirou então a Romualdo o pensamento de reformar os mosteiros relaxados da Ordem de São Bento. Durante anos reformou os de Veneza e Toscana, na Itália, e muitos na França, além de construir 100 novos mosteiros dessa Ordem. Ao mesmo tempo, povoou com eremitérios muitos lugares solitários.
Muito rigoroso consigo mesmo, ele o era também com seus súditos. Por exemplo, “cochilar durante a oração era para ele uma falta tão notável, que não permitia ao faltoso celebrar o Santo Sacrifício, por causa do pouco respeito que assim manifestava diante do Senhor”.[iv]
Romualdo tinha uma resistência incrível para as penitências, porque “era de uma natureza excepcional,
[e]
porque havia em torno dele um poder misterioso, que o preservava. Tinha o dom de arrastar, mas não sabia fazer-se querer”. Seus subordinados acabavam achando excessivas suas penitências, e queriam ver-se livres dele, por isso “os atentados o puseram em perigo muitas vezes. […] Mas Deus velava sobre sua vida e o livrava sempre”.[v]
Havia também os que abraçavam generosamente esse gênero de vida, e se santificaram. Por exemplo, São Bruno de Querfurt (970-1009), conhecido também pelo nome de Bonifácio, que alguns dizem ser parente do rei da Polônia e do Imperador Oto. Esse santo “tinha talentos superiores para a música e outras belas artes, e viveu muito tempo sob a direção de São Romualdo. Foi depois ordenado bispo e enviado pelo Papa para pregar o Evangelho na Rússia”,[vi] onde foi martirizado. Vários outros discípulos do santo foram martirizados na Eslavônia, para onde o Papa os tinha enviado.
Incentivado pelo exemplo do filho, e arrependendo-se de sua vida tão mundana, o duque Sérgio quis também expiar suas faltas em um mosteiro, e alguns afirmam que acabou morrendo em odor de santidade.

Com o Imperador Oto III
Quando Romualdo já completara 80 anos, faleceu o abade da abadia de Classe, perto de Ravena. O Imperador Oto III devia indicar o sucessor, e deixou a escolha a critério dos monges. Oto ficou tão satisfeito com a indicação de Romualdo, que decidiu visitá-lo no lugar ermo onde morava, para convencê-lo a aceitar o cargo. Ficou como que hipnotizado quando o viu; e tão cativado com a conversa do contemplativo, que não se deu conta do tempo, tornando-se muito tarde para voltar à cidade. Num desses fatos comuns na Idade Média, Romualdo lhe ofereceu sua pobre enxerga para passar a noite, e Oto aceitou com muita gratidão e devoção.
Quando a cidade de Tivoli revoltou-se contra o governo imperial, matando seu representante, o Imperador condenou-a à invasão e pilhagem. O santo intercedeu, obtendo para ela o perdão; e o indulto para o cabecilha da revolta, o senador Crescêncio. Mas depois Oto decidiu executá-lo, apesar de sua promessa de indulto. Por insistência de São Romualdo, consentiu depois em expiar esse crime com um período de penitência num mosteiro.
Mais tarde o Imperador Henrique II, ouvindo as maravilhas que se contavam a respeito de Romualdo, quis também vê-lo, e convidou-o ao seu palácio. O santo, já muito idoso e alquebrado, foi visitar o Imperador. “Os magnatas ficaram pasmos diante daquele ancião definhado e desalinhado, que havia visto extinguir-se dinastias e suceder-se tantos acontecimentos, […mas] ainda sabia dirigir, sem adulação, sua voz potente aos soberanos do mundo”.[vii]
A Ordem dos Camaldulenses

Já muito idoso, São Romualdo quis retirar-se em lugar solitário, para melhor se entreter com Deus, e foi para junto dos Apeninos. Ali se recostou perto de uma fonte, e adormeceu. Teve então um sonho misterioso, no qual via nesse local uma escada como a de Jacó, na qual subiam monges de hábito branco indo para o Céu. Obteve então do proprietário dessa terra, o conde Máldulo, que lhe doasse aquele terreno para nele erguer ermidas. O local era conhecido por Campo de Máldulo, daí a Ordem ali fundada chamar-se Camáldula.
“Muitos grandes personagens seculares, eclesiásticos e regulares abraçaram esse instituto, e se tornaram filhos de São Romualdo. O santo adotou a Regra de São Bento, mas lhe juntou outras observâncias, e quis que seus discípulos fossem ao mesmo tempo eremitas e cenobitas”, isto é, que vivessem isolados ou com alguns atos em comunidade.[viii] Isso porque “São Romualdo não queria claustro nos desertos. Como dele disse São Pedro Damião [seu discípulo e biógrafo], não considerava o mosteiro como destino, mas como lugar de passagem para principiantes e débeis, destinado a ser substituído pela solidão. Havia eremitas que permaneciam definitivamente na solidão, e outros que se juntavam para a reza do Ofício; uns que estavam obrigados a não falar durante 40 dias, e outros por 100; […] além das Horas Canônicas, os eremitas camaldulenses tinham de rezar duas vezes por dia o saltério, ler, meditar e trabalhar, fazendo redes, cestos ou coisas parecidas. Vestiam um cilício de peles; jejuavam toda a semana, menos aos sábados e domingos; na quaresma, a pão e água somente”.[ix]
O santo morreu no dia 19 de junho de 1027. Imediatamente após a sua morte, começaram a ocorrer inúmeros milagres em seu túmulo, de maneira que, apenas cinco anos depois, seus monges obtiveram da Santa Sé a permissão de erguer um altar sobre os seus restos mortais, o que equivalia, na época, a uma canonização. Quando Clemente VIII fixou sua festa em 1595, seu corpo estava ainda incorrupto. Entretanto, tendo sido roubado por mãos sacrílegas, reduziu-se a pó.
Sua festa, originariamente fixada para o
dia 7 de fevereiro, foi transferida para 19 de junho, dia de sua morte.
[i] Pedro de Ribadeneira, Flos Sanctorum, in Leyenda de Oro, L. González y Compañia Editores, Barcelona, 1896, tomo I, p. 401.
[ii] “Em Ravena, comemora-se em 23 de julho o natalício do bispo Santo Apolinário, que o apóstolo Pedro sagrou em Roma e enviou a Ravena, onde sofreu várias e múltiplas provações pela fé de Cristo. Mais tarde pregou o Evangelho na Emília, demovendo muitos do culto aos ídolos. De volta a Ravena, foi gloriosamente martirizado sob o imperador Vespasiano” (Martirológio).
[iii] Pedro Urseolo “foi um presente a seus irmãos espirituais como modelo de humildade, zelo pela oração e caridade. […] Já no século XI a veneração a Pedro Urseolo como santo foi aprovada pelo bispo de Elne. Em 1731 Clemente XII ratificou esse culto, e fixou o dia 14 de janeiro como sua festa” (J.P.Kirsch, St. Peter Urseolus, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition).
[iv] Pe. Paul Guérin, Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo II, p. 363.
[v] Frei Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madri, 1945, tomo I, p. 249.
[vi] Bollandistes, op.cit., p. 366.
[vii] Urbel, op.cit. p. 253.
[viii] Bollandistes, op.cit., p. 270.
[ix] Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, tomo II, p. 269.