
De uma época muito conturbada da História, este Papa viu a queda do Império Romano do Ocidente, combateu tenazmente a heresia monofisista e a tendência separatista dos patriarcas do Oriente, defendendo zelosamente a supremacia da Igreja em difíceis circunstâncias
- Plinio Maria Solimeo
Segundo o Liber Pontificalis — Livro dos Pontífices, que contém as biografias dos Papas, de São Pedro até Estevão V, no século XV —, Simplício era filho de Castinus, cidadão de Tívoli, na província de Roma, região do Lácio, tendo nascido naquela cidade em ano incerto. Fazia parte do clero de Roma e tinha larga escala no serviço social e pastoral da Igreja. Conviveu com São Leão Magno (Papa de 440 a 461), que foi sucedido pelo Papa Santo Hilário (461-468), em cujo pontificado de seis anos lutou pelos direitos da Igreja no I Concílio de Éfeso, estabeleceu que para se tornar sacerdote era preciso possuir uma profunda cultura, e que os pontífices e bispos não podiam designar seus sucessores.1
Quando esse santo Pontífice faleceu, em 468, Simplício foi eleito para suceder-lhe.
Fim do Império Romano do Ocidente
São Simplício viveu numa época muito conturbada da História. Muito resumidamente, o grande imperador Teodósio I havia dividido seu imenso Império entre seus dois filhos, Arcádio e Honório, tendo o primeiro ficado com o Oriente e o segundo com o Ocidente. Honório governou até o ano de 423, sendo sucedido por Valentiniano III, que reinou até 455 e teve como sucessor Petrônio Máximo.
Este havia reinado apenas dois meses e meio quando Genserico, rei dos vândalos e alanos de 428 a 447, considerando rompido o tratado de paz firmado com Valentiniano, marchou sobre Roma, cuja população rebelou-se contra o novo imperador e o matou. Atendendo aos apelos do Papa São Leão I, Genserico evitou que seus bárbaros provocassem incêndios, torturas e assassinatos na cidade conquistada.
Após o saque de Roma e o assassinato de Petrônio Máximo houve uma série de imperadores com reinados efêmeros, até chegar a Flávio Júlio Nepos, imperador de 474 a 480.
Foi durante o pontificado de São Simplício que, chefiados por Odoacro, os Hérulos — povo bárbaro de origem germânica — invadiram a Itália. Odoacro matou o general romano Orestes, depôs o imperador Rômulo Augusto, mas devido à sua juventude, poupou-o da morte, dando-lhe uma pensão para viver no exílio.
Em 4 de setembro de 476, durante o reinado de Júlio Nepos, Odoacro autoproclamou-se rei da Itália.

São Severino de Nórica
Odoacro era ariano, mas não interferiu nas questões religiosas, deixando ao Papa Simplício todo o poder nessa matéria.
Assim que se tornou rei, o chefe bárbaro lembrou-se de São Severino, a quem conhecera anteriormente, e enviou-lhe uma carta amigável contando o seu sucesso.
São Severino nasceu no ano de 410 na cidade de Roma. De família nobre, era muito polido e falava latim com perfeição. Dele fala o Martirológio Romano no dia 8 de janeiro: “Em Nórica [região da Áustria] São Severino, abade, chamado Apóstolo dos nóricos porque pregou o Evangelho entre esse povo. Seu corpo foi levado milagrosamente para Luculano, perto de Nápoles, na Campânia. Mais tarde trasladaram-no de lá para o mosteiro São Severino”.
Esse Santo se tornara tão popular, que um grupo de Hérulos, entre os quais estava Odoacro, o visitara para serem abençoados por ele. São Severino notou então esse jovem alto e mal vestido, e profetizou que ele teria um futuro grandioso.
Odoacro como rei de Roma
Embora fosse herege ariano e favorecesse seus correligionários, Odoacro tratou a verdadeira Igreja com muito respeito. Também manteve a maior parte da organização administrativa de Roma, deixando aos romanos a possibilidade de manter o exercício de cargos menores e o livre exercício do Cristianismo, conservando assim, substancialmente intacta, a estrutura organizacional precedente. Isso fez com que a mudança de governo não produzisse grandes diferenças, também porque o chefe bárbaro deixara a cidade firmemente nas mãos de São Simplício. Com isso, assegurou a fidelidade da aristocracia, do Senado e da Igreja.
Odoacro reinou por 13 anos. Em 493, Teodorico, o Grande, rei dos ostrogodos, invadiu a península italiana e o derrotou. Num banquete entre vencedor e vencido para assinarem um acordo de paz, Teodorico matou Odoacro com suas próprias mãos.2
Contra a heresia monofisista…
Como Papa, São Simplício teve de empregar toda a sua energia na controvérsia com a seita monofisita — heresia suscitada por Dióscoro, patriarca de Alexandria do Egito, e propagada pelo monge Eutiques. Esse heresiarca defendia que as naturezas humana e divina de Nosso Senhor Jesus Cristo estavam fundidas em uma nova natureza única (mono). De maneira que sua natureza humana ter-se-ia “dissolvido como uma gota de mel no mar”. Embora Eutiques tenha sido excomungado em 448 e o Concílio de Calcedônia tivesse reafirmado a verdadeira doutrina católica em 451, a doutrina do heresiarca não morreria, continuando a dividir o mundo cristão.
… e a tendência cesaropapista dos Patriarcas de Bizâncio
O santo Pontífice defendeu também vigorosamente a independência da Igreja e a autoridade da Sé Apostólica em questão de Fé, contra a tendência cesaropapista dos Patriarcas de Bizâncio, segundo os quais a Igreja de Constantinopla teria os mesmos privilégios honoríficos de que gozava o Bispo de Roma. O imperador bizantino Leão II procurou obter de São Simplício a confirmação desses privilégios, mas ele rejeitou seu pedido, que tinha também como consequência limitar os direitos dos antigos patriarcados orientais.
Essa controvérsia não parou aí. Em 476 o general Basílico apossou-se do trono bizantino com o apoio do exército e dos monofisitas. Arvorando-se em autoridade suprema, esse usurpador estabeleceu, por edito, que apenas os três primeiros sínodos ecumênicos deveriam ser aceitos. Rejeitava desse modo o Sínodo de Calcedônia e a carta do Papa São Leão sobre a autoridade da Igreja de Roma.
Ora, praticamente todos os bispos da arquidiocese bizantina, por fraqueza ou por oportunismo, assinaram o edito. Porém, o bispo de Constantinopla, Acácio, que ainda vacilava e estava prestes a aderir ao edito, quando viu a firme oposição da população, influenciada por monges genuinamente católicos, foi movido a se opor ao Imperador e a defender a fé ameaçada.
Os abades e os sacerdotes de Constantinopla uniram-se então ao Papa Simplício, que envidou todos os esforços para manter o dogma católico e as definições do Concílio de Calcedônia.
Quando, em 477, Zenão expulsou o usurpador e reconquistou o trono, enviou ao Papa uma profissão de fé genuinamente católica. Em resposta, no dia 9 de outubro do mesmo ano, após parabenizá-lo por sua restauração no poder, o Papa santo exortou-o a atribuir sua vitória a Deus, que desejava desta forma restaurar a liberdade da Igreja.
Entretanto, alguns séculos mais tarde, essa tendência cesaropapista dos imperadores de Constantinopla os levaria ao irremediável cisma com a Igreja, que perdura até hoje.
São Simplício estendeu seu zeloso cuidado pastoral por toda a Europa Ocidental, apesar das difíceis circunstâncias da Igreja. Assim, decidindo em questões eclesiásticas, nomeou o bispo Zenão, de Sevilha, vigário papal na Espanha, para que as prerrogativas da Santa Sé pudessem ser exercidas no próprio país em benefício da administração eclesiástica.
Quando, em 482, o bispo João de Ravena reivindicou Mutina, atual Módena, como diocese sufragânea de sua Sé metropolitana e consagrou o bispo Jorge para essa diocese, o enérgico Pontífice opôs-se vigorosamente, salvaguardando os direitos da Sé papal.

Reformas administrativas
São Simplício estabeleceu quatro novas igrejas em Roma. E a fim de garantir a realização regular dos serviços religiosos, da administração do batismo e da disciplina da penitência nas grandes igrejas das catacumbas fora dos muros da cidade, ordenou que, nomeadamente na igreja de São Pedro no Vaticano, São Paulo na Via Ostiensis, e São Lourenço na Via Tiburtina, seu clero deveria, em ordem estabelecida, encarregar-se das funções religiosas das igrejas das catacumbas.
Além da defesa da genuína doutrina cristã, São Simplício foi meritório por ter restaurado e dedicado algumas igrejas romanas, como Santo Estêvão Rotondo e Santa Bibiana. Ele também se mostrou respeitoso de toda arte válida, ao ordenar, por exemplo, que fossem salvos da destruição os mosaicos pagãos da igreja de Santo Andrea.
De acordo com o liturgista carolíngio Amalário de Metz, São Simplício foi o primeiro Papa a realizar consagrações em qualquer outra época do ano, e não só em dezembro, antes do Natal.
Morte e sepultura
Esse Papa, muito amado pelo povo católico, respeitado e temido pelos hereges, faleceu no dia 10 de março de 483, sendo sepultado na Basílica de São Pedro, no Vaticano, segundo o Liber Pontificalis. Porém, historiadores afirmam que provavelmente essa data deve ser lida como 2 de março, dia em que ele atualmente é comemorado.
Dele diz o Martirológio Romano Monástico nesse dia: “Em Roma, no ano do Senhor de 488, os funerais do Bem-aventurado Simplício, papa. Testemunha da queda do Império Romano do Ocidente, defendeu corajosamente a causa da Igreja, e fez prevalecer a doutrina do Concílio de Calcedônia sobre Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem”.
____________
Notas:
Outras fontes consultadas:
– Kirsch, J.P. (1912). Pope St. Simplicius. In The Catholic Encyclopedia, www.newAdvent.org
– Santiebeati.san.simplicio.papa
– https://en.wikipedia.org/wiki/Pope_Simplicius
– https://www.paulus.com.br/portal/santo/sao-simplicio-papa/