São Toríbio de Mongrovejo, Apóstolo do Peru

Grande Inquisidor de Granada, Arcebispo de Lima e missionário, consolidou a Religião Católica em grande parte do continente sul-americano. Sua festividade é celebrada nesse dia 23 de março.

  • Plinio Maria Solimeo

A Religião católica entrou no Peru, no século XVI, com os próprios conquistadores. Com efeito: “Embora seja verdade o fato de que pode ter sido o ouro o objeto mais alto nas mentes dos conquistadores espanhóis do Novo Mundo, é lugar comum na história que nesta conquista, dos confins mais ao norte do México ao extremo sul do Chile, a religião sempre jogou a parte mais importante; e que a marcha triunfante da bandeira de Castela foi também o glorioso avanço do sinal do Salvador. […] A sanção dada a eles pelo Supremo Pontífice; o tropel de devotados missionários que seguiram os passos dos conquistadores para salvar as almas dos conquistados; as reiteradas instruções da Coroa, cujo grande propósito era o da conversão dos nativos; e dos atos dos próprios soldados”.(1) Os cinco frades dominicanos que acompanharam Pizarro na conquista foram os primeiros a evangelizar os povos conquistados.

Nomeado por Felipe II como Inquisidor-Mor

         Toríbio nasceu de pais nobres na cidade de Mayorga, na Província de León (Espanha), em 16 de novembro de 1538. Seu pai era Senhor de Mongrovejo.

         Desde pequeno votava terna devoção à Santíssima Virgem, recitando diariamente seu Ofício e o Rosário. Estudou em Valladolid e Salamanca.

         O rei Felipe II nomeou-o Inquisidor Mor de Granada aos 30 anos. “É o momento em que D. João d’Áustria acaba de apaziguar a insurreição dos mouriscos. Os vencidos encontram no inquisidor um pai, um conselheiro, um protetor”.(2)

         São Toríbio exerceu esse cargo durante cinco anos com uma integridade, uma prudência e uma virtude tais que lhe granjearam a estima geral.

Arcebispo de Lima e Metropolitano do Peru

         Em 1575 havia falecido em Lima seu primeiro bispo. Era preciso mandar um substituto, pois a situação na Cidade dos Reis — nome que Pizarro deu à capital do Peru —, era muito delicada. A riqueza das novas terras havia atraído para a colônia muitos aventureiros gananciosos que viviam sem lei nem Deus. Era por isso necessário um pastor de virtude comprovada e pulso firme. Felipe II então, servindo-se de um privilégio que tinham os reis naquele tempo, nomeou Toríbio de Mongrovejo Arcebispo de Lima e Metropolitano do Peru.

         Toríbio ficou perplexo com esse ato. Julgava que não tinha preparação alguma para tal cargo. Era leigo, nunca havia recebido nenhuma das ordens eclesiásticas nem estudado teologia. Escreveu então ao conselho do rei mostrando com cores muito fortes sua incapacidade para o cargo, e alegando sobretudo os cânones da Igreja, que proibiam expressamente nomear leigos para o episcopado.

         Nada disso teve efeito. O rei permaneceu inamovível e Toríbio teve que ceder, consolando-se com o pensamento de colher a coroa do martírio no meio dos selvagens do Novo Mundo.

         O santo quis então receber as quatro ordens menores que encaminham para o sacerdócio em quatro domingos diferentes, a fim de ter tempo de se preparar para cada uma. Recebeu depois as ordens maiores, foi ordenado sacerdote e sagrado bispo, embarcando para o Novo Mundo. Ele tinha então 43 anos de idade.

         “Se ele não derramou seu sangue como tantos outros evangelizadores das terras novamente descobertas, teve a glória de ser o maior dos missionários americanos. Foi um grande missionário e um grande prelado: resumiu em sua pessoa de maneira integral os rasgos vigorosos de Carlos Borromeu e de Francisco Xavier”.(3)

Lima, capital do império espanhol na América do Sul, fora fundada pelo conquistador Francisco Pizarro em 1535. Em 1546 foi elevada a bispado, sendo seu primeiro bispo o dominicano Jerônimo de Loayza, que faleceu em 1575.

         A extensão territorial da diocese de Lima equivalia então à metade da França, espalhando-se tanto pelas florestas quanto pela Cordilheira dos Andes, na qual havia numerosos assentamentos indígenas.

         Como ocorre em cidades onde o ouro corre fácil, Lima tinha atraído todo tipo de aventureiros e gente desclassificada. Para piorar, o clero estava relaxado e dava muito mau exemplo. É bem verdade que, a par disso, havia muitas almas virtuosas, pois na época de São Toríbio viveram, só em Lima, quatro grandes santos: São Francisco Solano, Santa Rosa de Lima e São Martinho de Porres – e, pouco depois, São João Macias.

Lima durante a época colonial

Lança excomunhões sobre os renitentes

         São Toríbio tinha em mente levar avante em sua arquidiocese as prescrições do Concílio de Trento, celebrando sínodos, reformando o clero, organizando missões, erigindo igrejas e evangelizando os índios. Para isso contava com uma prudência consumada e um zelo ativo e vigoroso. Sabia aonde levar o remédio e, se a chaga exigisse rigor, também empregá-lo.

Desse modo, lançou várias excomunhões onde se fez necessário: contra os sacerdotes que se desviavam de sua missão e se entregavam à boa vida ou ao comércio; contra o colonizador espanhol que maltratava e escravizava o índio entregue à sua custódia; e mesmo contra o vice-rei, que opunha obstáculos ao seu ministério.(4)

         Tudo isso com um espírito sobrenatural surpreendente, pois o novo arcebispo, antes de agir, jejuava e rezava para atrair a misericórdia divina sobre as almas confiadas a seus cuidados.

Conquistando o índio para a Igreja e para a Coroa

A maior parte dos índios de sua arquidiocese estava mergulhada nas mais infames desordens. A bebedeira só cessava quando não tinham mais nada para beber. E a indolência em que viviam era mãe de todos os vícios, alimentados por sua vez pela mais completa promiscuidade de vida.

         Para tornar mais efetivo seu apostolado entre os índios, São Toríbio, apesar da idade, estudou a língua quíchua tão cuidadosamente, que se tornou capaz de a falar correntemente. Procurava os silvícolas nas selvas, nas montanhas, enfrentando feras, neve, chuva e todos os outros inconvenientes para levar-lhes a palavra divina. Construía igrejas e colocava nelas sacerdotes de virtude comprovada para consolidar os frutos produzidos.

         São Toríbio estava disposto a sofrer toda sorte de injúrias dos ingratos índios, com seus arrebatamentos e seus caprichos. Muitas vezes teve que passar sereno em meio ao silvar de suas flechas envenenadas. Mas nada o detinha. Se havia uma alma a salvar, arriscava-se a tudo.

         O antigo doutor em leis havia se transformado em catequista. Falando a própria língua dos índios, penetrava em seus tugúrios, mostrava-lhes a vaidade de sua religião de adoradores do sol, lançava por terra seus ídolos e ensinava-lhes o fundamento da vida cristã, agrupando-os em torno da igreja, sob a direção de um sacerdote. Acostumava-os, enfim, à vida laboriosa.

Sua bondade e seu sorriso conquistavam para o império de Cristo e para a Espanha aqueles corações arredios. Confirmou milhares de índios em suas andanças apostólicas.

         A presença do arcebispo contribuía para impressionar aquela gente simples: seu porte era majestoso, o nariz adunco, testa larga e gestos nobres. No palácio episcopal, Dom Toríbio vivia com o rigor de um cenobita, mas quando aparecia em público, revestia-se de toda a magnificência de sua dignidade episcopal.

Maldição cumprida sobre a cidade de Quive

Os pecadores públicos, que antes ostentavam seus vícios pelas ruas da nova metrópole como em terreno conquistado, encontraram no arcebispo uma verdadeira barreira para seus desmandos. Cabia-lhes converter-se ou abandonar a cidade.

         Até a chegada do virtuoso vice-rei Francisco de Toledo, São Toríbio sofreu perseguição por parte dos governadores do Peru, que tudo sacrificavam para atender a seus próprios interesses.

         Em 1597, fazendo uma visita pastoral, o santo arcebispo chegou ao povoado de Quive. Ninguém foi recebê-lo. Ao entrar na igreja, encontrou apenas dois meninos e uma menina para receberem o sacramento do crisma.

         Saindo de volta à rua, foi recebido com vaias. Alguns rapazes, com gestos provocativos, seguiram-no até seu alojamento, gritando:“Narigudo! Narigudo!”

         São Toríbio contentou-se em dizer: “Desgraçados! Não passareis de três”. E realmente sucedeu que em pouco tempo em Quive não restavam senão três casas.

Entretanto, sua viagem não foi inútil, pois a menina confirmada naquele dia veio a ser a grande Santa Rosa de Lima!

Funda o primeiro seminário da América Latina

Em 1591 São Toríbio fundou o primeiro seminário da América Latina, dotando-o de bons professores para formarem sacerdotes sábios e virtuosos.

Em pouco mais de 20 anos ele celebrou 15 sínodos diocesanos e em quatro ocasiões reuniu os bispos da América meridional. Visitou duas vezes todo o território sob a sua jurisdição, que na época compreendia grande parte do continente sul-americano. A primeira visita durou sete anos, a segunda cinco, e estava na terceira quando faleceu.

         Além do seminário, São Toríbio construiu igrejas e hospitais. Quando estava em Lima, visitava diariamente os doentes do hospital.

         Quando a peste atacou parte dos habitantes de sua diocese, o arcebispo recomendou orações e penitência como meio de aplacar a cólera divina. E ofereceu-se a Deus como vítima para a conservação de seu rebanho.

Encontro de quatro grandes santos

         São Toríbio crismou mais de meio milhão de pessoas, entre as quais o futuro São Martinho de Porres. Nascido em 1579, esse santo mulato depois operou maravilhas no convento de Nossa Senhora do Rosário, dos dominicanos, em Lima.

Como dissemos, o santo arcebispo crismou também aquela que seria a glória de seu país e padroeira secundária da América Latina, Santa Rosa de Lima. Oriunda de numerosa e honrada família (onze filhos) de mediana fortuna, nasceu a futura Santa no dia 20 de abril de 1586 e faleceu em 1617.

         Em 1590 chegou a Lima o franciscano espanhol Francisco Solano, o futuro “Taumaturgo do Novo Mundo”. São Toríbio encarregou-o de evangelizar os índios, o que ele fez durante 20 anos. Esse amável santo, que apaziguava os índios ao som do violino, não poupou fadigas nem sacrifícios para atrair os silvícolas ao seio da Igreja. Ele foi também o apóstolo da região de Tucumán, na atual Argentina, e do Paraguai.

         São Toríbio morreu numa Quinta-feira Santa, dia 23 de março de 1606. Estava fazendo sua terceira viagem pela sua extensa diocese quando adoeceu gravemente. Desejou ser transportado à igreja para receber o viático, pois não queria que Nosso Senhor fosse obrigado a ir até seu quarto. Mas teve que resignar-se a receber os últimos sacramentos em seu leito.

         Coisa curiosa: como o superior do convento agostiniano local sabia tocar harpa, São Toríbio pediu-lhe que a tocasse acompanhando o Salmo In te Domine speravi durante sua agonia. Assim, foi ao som da música sacral terrena que sua alma se elevou para o Céu onde ouve os cânticos dos anjos.(5)

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Notas:

  1. Cfr. Prescott, “Conquest of Peru”, II, iii, apud J. Moreno-Lacalle, Peru, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
  2. Frei Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madri, 1945, tomo I, p. 550.
  3. Id. p. 551.
  4. Cfr. Id. Ib.

5. Outras obras consultadas:

– Les Petits Bollandistes, Saint Toribio ou Turibe, Archevêque de Lima, Vies des Saints, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo III.

– Edward L. Ayme, Toribio Alfonso Mogrovejo, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.

– Pe. José Leite, S.J., S. Toríbio de Mongrovejo, Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1993, tomo I.