O rotundo fracasso da esquerda argentina e a incógnita Milei

  • Luis Dufaur

O resultado oficial do recente pleito na Argentina ainda não havia sido divulgado quando o candidato do “comunismo rosa”, o peronista Sergio Massa, apresentou-se em seu comitê eleitoral e anunciou a seus seguidores desalentados que reconhecia a vitória do adversário Javier Milei. Já havia inclusive lhe telefonado, felicitando-o pelo triunfo.

Os observadores legalmente autorizados no centro de contagem dos votos tinham comunicado que, pelo resultado das “mesas-teste”, não havia mais nenhuma chance para o candidato do atual presidente argentino, o esquerdista Alberto Fernández.

No domingo, 19 de novembro, o desalento da esquerda foi geral, não apenas na Argentina, mas em todo o mundo, inclusive em Santa Marta, no Vaticano.

Mais um candidato da articulação esquerdista latino-americana, que desde 2019 reencarna o falido Foro de São Paulo — com a fachada de Grupo de Puebla — sofreu fragorosa derrota eleitoral.

A quase totalidade dos institutos de pesquisas errou grosseiramente, pois calculou um empate técnico. Entretanto, o candidato Milei acabou vencendo com muita folga, apesar do empenho de chefes de estado de extrema-esquerda, como Lula da Silva, Pedro Sánchez (Espanha), López Obrador (México), Gustavo Petro (Colômbia), e do próprio Papa Francisco, do episcopado, do clero da “Teologia da Libertação” e de organismos internacionais.

Milei venceu por mais de 11 pontos percentuais (55,69% a 44,30%). Conquistou 21 das 23 Províncias (estados) e a capital federal, distrito autônomo. Foi uma derrota acachapante para a esquerda e seus companheiros de viagem.

O fiasco do cabo eleitoral Lula

Como cabo eleitoral Lula não foi de muita valia para o esquerdista Massa

No Brasil, o presidente Lula rezou pela vitória de seu candidato, que ele identificava com “a democracia”, enquanto vituperava o futuro vencedor como “o perigo”. E repetiu: “Peço a Deus que a democracia prevaleça e vença a democracia”.1Não ficou só nas palavras, mas emprestou mais de um bilhão de dólares, tirados das arcas brasileiras, para que seu candidato argentino pudesse saldar compromissos com o FMI e este lhe passar assim mais cinco bilhões de dólares para, na prática, esbanjar em compra de votos. Lula também enviou uma equipe de marqueteiros que lhe havia servido para seduzir o povo brasileiro.

Não lhe faltavam pretextos, pois Milei afirmara repetidas vezes: “Não vou fazer negócios com nenhum comunista. Sou defensor da liberdade, de paz e da democracia. Comunistas não entram aí. Chineses, Putin, Lula não entram aí”.2

O Papa Francisco

A mídia portenha reconheceu que havia décadas — quiçá desde o tempo da eleição do ditador Perón, em 1946 — que a Igreja Católica, através de suas autoridades, não se engajava tanto por um candidato quanto agora. Milei denunciou a posição do Papa Francisco, até aqueles dias empenhado insistentemente na “sinodalização” e na exaltação da “voz do povo” na igreja:

         “O Papa demonstrou grande afinidade com ditadores como Castro e Maduro, está do lado de ditaduras sangrentas”, disse Milei. E quando o entrevistador o interrogou: “O senhor diz que o Papa tem afinidade com Raul Castro?”, o candidato replicou: “Tem afinidade com os comunistas assassinos, de fato não os condena, é bastante condescendente com eles. Com a ditadura venezuelana. É condescendente com todos os que são de esquerda, ainda que sejam verdadeiros criminosos. Além do mais, ele considera a justiça social como um elemento central quando ela hoje consiste em roubar o fruto do trabalho de uma pessoa e entregá-lo a outrem. É um roubo contrário aos 10 mandamentos. Justificar a justiça social é justificar o roubo. O Papa deve dar explicações de por que defende organizações econômicas que conduzem à pobreza, à miséria, à violência, à decadência que, impunes, seriam capazes de destruir o mundo”.3

A Santa Sé logo negou que o Papa fosse “comunista”, alegando que ele apenas cumpria os Evangelhos. São os argumentos habituais que a “Teologia da Libertação” explora nestes casos, interpretando tendenciosamente São Mateus (cap. 25). E foi a oportunidade para desencadear o ativismo político da esquerda eclesiástica. Todo um setor da Igreja Católica na Argentina, ante o êxito de Milei nas primárias, entrou em estado de choque. O bispo Gustavo Carrara, responsável pela pastoral das favelas, celebrou uma missa para desagravar o Papa Francisco. Na ocasião, o padre “Pepe” pregou uma homilia incendiaria contra Milei. O sacerdote salesiano Pe. Carlos Morena pôs em dúvida a estabilidade emocional de Milei e sua capacidade para exercer a Presidência.

O exemplo impulsionou análogas “missas selvagens” de rua, que se repetiram numa ambientação em que a sacralidade inerente a uma Missa desapareceu, sendo substituída por um clima de revolução evocativa dos tempos bolchevistas de 1917, porém com mirrado apoio popular.

Para espanto dos padres ativistas da versão da “Teologia da Libertação” — ou da “Teologia do Povo”, adotada pelo Papa Francisco —, uma sondagem nas favelas da Grande Buenos Aires, feita pelo padre jesuíta Rodrigo Zarazaga, detectou que os jovens de menos de 25 anos tinham quase tanta simpatia por Milei quanto pelo esquerdista Massa. Nos bairros populares, fazia sucesso a pregação de que a abusada “justiça social é pouco menos que um delito”. Milei atraía os moradores dos bairros mais pobres da periferia urbana como La Matanza e Merlo. Assim se compreende o porquê da desistência de Massa antes mesmo de receber o resultado oficial.

Padres ativistas “villeros” organizaram uma ‘Missa de desagravo’ ao Papa por causa de afirmações de Javier Milei contra ele

Subversivos viram “devotos”

         O chefe peronista dos magotes invasores de propriedades urbanas e rurais, equivalentes ao MST e MTST no Brasil, mostrou-se carregando um andor com a Virgem de Luján, Padroeira da Argentina.

 Estes exemplos do decidido apoio do clero ao candidato peronista foram completados pela pregação do novo arcebispo de Buenos Aires na Missa dominical na catedral, no dia da votação. Com alusões e indiretas, ele convocou os fiéis a votarem por Massa, procurando afastar todo o temor pela desastrosa condução econômica estatizante que ele realizara como ministro da Economia nos últimos anos.

Seria extremadamente longo descrever aqui a cruzada religiosa —com sinal menos na frente — e tudo o que ela pôs a nu nesta campanha eleitoral. Cabe concluir que, de modo contrário ao estilo exaltado, frequentemente adotado pelo presidente eleito Javier Milei, sua vitória não foi acompanhada com manifestações populares no mesmo tom e, menos ainda, com relevância numérica.

Líder invasor, Juan Grabois (centro), banca o devoto para a eleição

         Uma das coisas mais importantes queavitória de Milei trouxe à tona foi a constatação de que a tentativa da esquerda peronista de eliminar a classe conservadora argentina não foi inteiramente coroada de êxito. São tantas as reservas morais de raiz católica tradicional dessa classe, que apesar das inúmeras tentativas de matá-la, ela não morreu. Eis o grande problema sobre o qual o novo presidente precisará se definir com atos concretos de governo, muito além das problemáticas meramente econômicas, que deixam a grande mídia obcecada.

A Argentina profunda e conservadora sobrevive. Os fatos e a História julgarão o novo governo, ao qual auguramos que evite com sabedoria e medidas certeiras o naufrágio do país, e o conduza a porto bom e seguro.

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Notas:

  1. Clarín, 2-8-23. http://surl.li/nixrz
  2. Clarín, 14-9-23. http://surl.li/njgnb
  3. Clarín, 14/9-23. id.ibid.