
Cardeal–bispo de Óstia, Doutor da Igreja, um dos mais importantes santos da Idade Média, apesar de recluso trabalhou incansavelmente para a reforma e progresso da Igreja numa época muito conturbada em que antipapas disputavam o trono pontifício. Sua festividade litúrgica é celebrada no dia 21 deste mês.
- Plinio Maria Solimeo
No último artigo sobre Santo Odilon mencionamos de passagem São Pedro Damião como tendo sido seu biógrafo. Hoje vamos falar desse grande santo, defensor impertérrito dos direitos e da pureza da Igreja em seu tempo.
Os primeiros anos de Pedro Damião foram cercados pelos maiores sofrimentos. Ele nasceu em Ravena, na Itália, no ano de 1007, de pais nobres caídos na pobreza. Quando veio ao mundo, seu irmão mais velho fez áspera reclamação à sua mãe, dizendo que a família já era muito grande e muito pobre para ter mais uma boca. A senhora ficou tão abalada, que abandonou o recém-nascido à sua própria sorte, recusando-se mesmo a amamentá-lo. Foi uma mulher de fora que, vendo a criança morrer à míngua, teve pena dela e tomou-a sob os seus cuidados.
Quando era um pouco maior, ficando órfão do pai, um irmão — talvez o mesmo que reclamou com a mãe — tomou-o consigo, mais como servo do que irmão, fazendo-o guardador de porcos.
Entretanto, apesar das circunstâncias mais desfavoráveis, o pequeno Pedro não era um revoltado; não se sentia um “injustiçado” ou “oprimido”, mas contentava-se com a partilha que recebera das mãos de Deus. Um dia, no campo, encontrou uma moeda de algum valor. Pensou logo em comprar algo que pudesse saciar a sua contínua fome. Mas depois, refletindo um pouco, viu que isso lhe daria apenas um prazer muito passageiro. Resolveu então usar o dinheiro para mandar celebrar uma Missa pela alma do falecido pai.
Foi então que outro irmão, Damião, arcipreste (título honorífico que, em alguns países europeus, se confere a um pároco) em Ravena, compadecido da sorte do caçula, levou-o consigo. Vendo as grandes qualidades do menino, o pôs para estudar e cuidou dele com desvelo paterno. Mais tarde, agradecido, Pedro quis acrescentar ao seu nome o desse benfeitor.
Professor afamado
Graças aos seus extraordinários dotes intelectuais, o jovem pastorzinho logo recuperou o tempo perdido para o estudo, fazendo tão grandes progressos, que o irmão o fez estudar depois nas escolas de Ravena, Faença e Parma. Quando Pedro Damião tinha apenas 25 anos, já era afamado professor na última cidade.
Mas não eram as glórias do mundo que ele procurava. Quanto mais popular se tornava, sentia a atração pelo claustro. O jovem professor já levava uma vida muito virtuosa, procurando domar suas paixões e as submeter às leis da razão e da graça. Jejuava frequentemente, usava cilício, e sobretudo recorria com frequência à oração.
Todos os dias dava de comer a vários pobres, servindo-os ele mesmo e socorrendo os demais necessitados de acordo com suas posses.
Eremita camaldulense

Num dia do ano 1035 Pedro Damião encontrou-se com dois eremitas camaldulenses de Fonte Avelana, cuja regra, muito restrita, fora escrita por São Romualdo. Ficou tão encantado com a espiritualidade e o desapego do mundo desses eremitas, que logo pensou em ser um deles. Dois meses depois apresentava-se a esse mosteiro, aos pés dos montes Apeninos, e pedia admissão.
O prior, que já conhecia sua reputação de varão íntegro e piedoso, ordenou-lhe vestir a cógula beneditina sem passar pelo tempo de postulantado prescrito pela regra. Pedro Damião entregou-se com tal fervor à nova vida, que até mesmo eremitas já avançados em anos e virtude o tomavam como exemplo.
Segundo a regra, esses eremitas jejuavam ordinariamente quatro dias por semana a pão e água. E os outros dias juntavam a isso apenas um pouco de legumes cozidos. Por penitência andavam sempre descalços, tinham prolongada oração e se flagelavam em alguns dias da semana.
Pedro Damião entregou-se com tal afinco ao estudo das Sagradas Escrituras e da doutrina da Igreja, que pouco depois o Superior ordenou-lhe que pregasse aos religiosos da comunidade. Como o sucesso foi grande, a notícia espalhou-se por outros mosteiros vizinhos, e todos pediam ao prior que lhes mandasse Frei Pedro Damião para pregar também para eles.
Vendo a prudência, a competência e o bom senso de Pedro Damião, o prior nomeou-o ecônomo do mosteiro e seu sucessor. Quando faleceu, em 1043, o santo teve que arcar com essa responsabilidade.

Modelando santos
O governo de São Pedro Damião imprimiu no mosteiro uma era de prosperidade espiritual e material. A afluência de noviços foi tal, que ele se viu na necessidade de fundar outros mosteiros para recebê-los. Entre os discípulos que formou na sua escola, destacam-se São Rodolfo, depois bispo de Gubio, cuja festa comemora-se no dia 26 de junho; São Domingos Encouraçado, comemorado em 14 de outubro, e São João de Lodi, que escreveu sua vida, cuja festa se comemora no dia 7 de setembro.
Entre as práticas de piedade que São Pedro Damião estabeleceu nos mosteiros sob sua jurisdição estão a recitação do Ofício Parvo de Nossa Senhora, a dedicação das segundas-feiras às almas do Purgatório, das sextas-feiras à Paixão de Nosso Senhor, e dos sábados a Nossa Senhora. São Pedro Damião escreveu para seus monges o livro Do desprezo do mundo.
Mas era necessário que essa luz brilhasse também em toda a Igreja. Aquela época foi tão conturbada que, durante os 65 anos de vida do santo, nada menos que 16 Papas governaram a Igreja. Por outro lado, por abuso de poder, os príncipes distribuíam abadias e bispados entre seus favoritos sem ciência nem virtude, havendo assim inúmeros bispos e sacerdotes indignos, ignorantes e luxuriosos.
Em 1045 o indigno Papa Bento IX resignou ao supremo pontificado nas mãos do arcipreste João Graciano, que se tornou Gregório VI. São Pedro Damião viu essa mudança com alegria e escreveu ao novo pontífice urgindo-o tratar dos escândalos na Igreja. Mas o novo Papa, sentindo-se impotente para enfrentar tantos males, abdicou apenas um ano depois. Seus sucessores Clemente II e Damaso II apenas passaram pelo Sólio Pontifício. Estava reservado a São Leão IX, elevado ao papado no início de 1049, a missão de procurar remédio eficaz às desordens da Igreja. Para isso nomeou para seu conselheiro e sua destra o monge de Cluny, Hildebrando, futuro Papa Gregório VII, que se tornou uma das maiores glórias da Igreja.

Classes apodrecidas
Foi então que São Pedro Damião escreveu seu Livro de Gomorra, que dedicou ao Papa santo, no qual fustigava com vigor os desmandos da época, sobretudo dos eclesiásticos. Eis o que um santo muito intransigente no tocante à doutrina e aos costumes, diz daquela época, entretanto muitíssimo menos corrompida que a nossa: “Este mundo afunda-se a cada dia na corrupção, de tal modo que todas as classes sociais estão apodrecidas. Não há pudor nem decência, nem religião. O brilhante tropel das santas virtudes fugiu de nós. Todos buscam seu interesse; estão devorados pelo apetite insaciável dos bens da terra. O fim do mundo se aproxima e eles não cessam de pecar. Fervem as ondas furiosas do orgulho, e a luxúria levanta uma tempestade geral. A ordem do matrimônio está confundida, e os cristãos vivem como pagãos. Todos, grandes e pequenos, estão enredados na concupiscência; ninguém tem vergonha do sacrilégio, do perjúrio, da luxúria, e o mundo é um abismo de inveja e hediondez.”[i]
O livro provocou enorme ruído, e o próprio Pontífice, que o tinha antes elogiado, mostrou depois certa frieza, julgando que faltou ao outro santo certa moderação no expor os vícios do clero. A frieza do Papa provocou uma carta de protesto do fogoso Pedro Damião[ii].
Os dois Papas seguintes, Vitor II e Estevão IX, também entretiveram estreita amizade com Pedro Damião. O segundo, seguindo os conselhos do monge Hildebrando, nomeou o santo, em 1057, cardeal-bispo de Óstia. Confiou-lhe também a administração provisória da diocese de Gubio.
Entretanto, também esse Papa morreu prematuramente em 1058, e alguns membros da nobreza romana, com suborno e corrupção, elegeram para o seu lugar o bispo de Villetri com o nome de Bento X. São Pedro Damião, com os demais cardeais, protestaram contra essa intrusão, e denunciaram o antipapa como simoníaco, por ter comprado o cargo. Retornando de uma viagem à Alemanha, o monge Hildebrando obteve que se elegesse Nicolau II como legítimo Pontífice.
Foi no tempo desse Papa que São Pedro Damião foi enviado como legado a Milão, conturbada por grandes desordens: “Era coisa inteiramente pública e de uso comum comprar benefícios [eclesiásticos] a preço de prata. Não se tinha mais consideração pela capacidade nem pelos bons costumes, que são, entretanto, as únicas qualidades de que se deve ter em conta, segundo os santos cânones, na distribuição dos benefícios. Comprava-se até mesmo a ordenação sacerdotal. A outra desordem era a de que esses padres, calcando aos pés a santidade de seu estado e as leis eclesiásticas, ousavam contrair matrimônio, com tanta pompa e brilho quanto os seculares”[iii].
A situação nessa cidade era tal, que por pouco São Pedro Damião não foi martirizado. Mas enfim conseguiu, com palavras do próprio Santo Ambrósio, acalmar o tumulto insuflado pelos padres libidinosos, alcançando então seu objetivo. Seu principal cuidado, além de pôr término à desordem, foi de evitar sua repetição, mediante sábias providências. Deixou depois Milão, louvado e aclamado pelo povo.
À morte de Nicolau II houve novo cisma. Ao Papa Alexandre II, eleito por influência do futuro São Gregório VII, os simoníacos e escandalosos opuseram o bispo de Parma, Cadalo, com o nome de Honório II. São Pedro Damião lhe mandou então duas enérgicas cartas, repreendendo-o por sua ambição e ameaçando-o com os castigos divinos. Depois, às suas instâncias, congregou-se um Concílio em Mântua, em 1064, no qual se confirmou a destituição de Cadalo.
Muita coisa ainda fez o grande Santo em
prol da Igreja, mas infelizmente a falta de espaço não nos permite tratar. Ele
faleceu cerca de Faença, na véspera da festa da Cátedra de São Pedro, da qual
era muito devoto, em 22 de fevereiro de 1072, quando voltava de uma dessas
missões. Leão XII estendeu seu culto à Igreja universal em 1828, declarando-o
Doutor da Igreja.
Notas:
[i] In Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madri, 1945, tomo I, pp. 351-352.
[ii] Cfr. Leslie A. St. L. Toke, St. Peter Damian, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
[iii] Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo II, p. 634.