
De uma família de cavaleiros, foi notável canonista e grande patrono das letras. Fundou universidades, combateu a corrupção e a simonia, convocou sínodos e pregou cruzada.
- Plinio Maria Solimeo
Nascido no ano de 1310 em Grisac, no Languedoc, França, numa família de cavaleiros, Guilherme de Grimoard era o segundo filho de Guillaume de Grimoard, senhor de Bellegarde, e de Amphélise de Montferrand. Educou-se em Montpelier e Toulouse, depois ingressou no mosteiro beneditino de Chirac, que dependia da antiga Abadia de São Victor, nos arredores de Marselha, onde fez seu noviciado e proferiu os votos monásticos. Mas foi em Chirac que recebeu a ordenação sacerdotal, em 1334.
Homem de penitência, obediente ao regime monástico até a morte, o amor pela Ordem de São Bento cresceu nele de tal maneira, que mesmo depois de Papa continuou usando o hábito beneditino e se filiou ao famoso Mosteiro de Cluny.
Obteve o doutorado em Direito Canônico na Universidade de Toulouse e se tornou um renomado canonista, ensinando depois em Montpellier, Paris e Avignon.

Vigário geral, abade e diplomata
A essa altura, o bispo de Clermont, Dom Pierre de Aigrefeuille, nomeou-o vigário geral. E ao ser transferido para Uzès, levou-o consigo para exercer o mesmo cargo naquela diocese.
O Papa Clemente VI — que o tinha em grande apreço, tanto pela virtude quanto pelas habilidades administrativas —, promoveu-o a abade de Notre-Dame du Pré, na diocese de Auxerre, e depois, em 1352, como abade de Saint-Germain de Auxerre.
A partir de então, o mesmo Pontífice o destinou para várias missões diplomáticas. A primeira foi obter a submissão de Giovanni Visconti, Arcebispo e déspota de Milão. Incumbiu-o depois de outros assuntos da Santa Sé, também na Itália. Em 1361 foi eleito superior da Abadia de São Vitor, em Marselha.
Durante uma de suas viagens à Itália ele visitou a famosa Abadia de Monte Cassino. Como bom beneditino, ficou muito penalizado ao ver o triste estado a que estava reduzida, tanto física quanto organizacionalmente, devido a terremotos e à negligência episcopal, pois ela estava dependendo do bispo.
Quando se tornou Papa, em 1367, aboliu a diocese de Cassino e devolveu ao abade do mosteiro o controle total da abadia.
Os papas em Avignon

Em 1286 subira ao trono francês o príncipe Felipe, que viria a ser conhecido como Felipe o Belo. Muito fogoso e controvertido, procurava por todos os meios fortalecer a monarquia sobrepondo-se à Igreja, com a qual teve indevidamente vários atritos. Por isso, em 1300, o Papa Bonifácio VIII publicou a bula Unam Sanctam, na qual declarava a superioridade do poder espiritual sobre o temporal. Felipe sentiu que o documento era contra ele, e respondeu proibindo a remessa de dinheiro francês aos Estados Pontifícios. Convocou também, em Paris, uma assembleia de bispos, nobres e grandes burgueses para se oporem ao Papa, a fim de legitimar sua luta. Bonifácio ameaçou-o de excomunhão e interdição sobre o reino da França. Legalistas franceses falsificaram a bula para torná-la injuriosa ao poder civil e à França. Com forte apoio no seu reino, o monarca enviou a Roma seu fiel conselheiro Guilherme de Nogaret para prender o Pontífice, que excomungou ambos.
Secundado por Sciarra Colonna, inimigo figadal do Papa, Nogaret surpreendeu Bonifácio em Anagni, e quiseram obrigá-lo a renunciar.
Segundo a tradição, como o Pontífice se mantivesse firme, Colonna lhe desferiu uma bofetada com a luva da armadura e depois prendeu-o. Libertado três dias depois pelos habitantes de Anagni, o Papa faleceu de pesar no dia 11 de outubro desse ano de 1303.
Seu sucessor, o francês Clemente V, foi eleito por influência de Felipe, que o persuadiu a transferir a Sé Apostólica para Avignon, na França, onde ela ficaria até o ano de 1377.
Aplainando o terreno para a volta a Roma

Decorrido certo tempo, alguns Papas, principalmente Inocêncio VI, começaram a pensar em voltar para Roma, incentivados sobretudo por Santa Brígida da Suécia. O abade Guilherme desenvolvia grande atividade diplomática na Itália nesse sentido.
Mas havia vários problemas. Um deles era que, durante a longa estadia dos papas na França, seus territórios na Itália, conquanto estivessem nominalmente sob a autoridade da Igreja, de fato estavam nas mãos de diversos senhores locais, o que criava um estado de completa anarquia na Península.
Visando preparar seu possível retorno à Cidade Eterna, Inocêncio VI encarregou o competente cardeal espanhol Egídio d’Albornoz — ex-arcebispo de Toledo, enérgico, combativo e prudente, que deixou seu país por desavenças com o rei — de restaurar a autoridade papal nos territórios da Igreja na Itália.
O enérgico cardeal pôs-se em campanha com muito sucesso, utilizando todos os poderes concedidos pelo Papa.
Eleição de Grimoard ao papado
Entretanto, Inocêncio morreu em 12 de setembro de 1362. No Conclave realizado no Palácio Apostólico em Avignon para eleger seu sucessor, 18 dos 21 cardeais presentes eram de origem francesa. Mas sua influência diminuíra desde que parte de sua terra natal se sujeitara à ocupação inglesa, assustando alguns cardeais.
O cardeal Albornoz — o único que permanecera em seu posto, na Itália — recusou a tiara que lhe foi ofertada. Elegeram então o abade Grimoard, que soube de sua eleição quando estava em Nápoles numa embaixada junto à rainha Joana I.
Por que um abade e não um cardeal, como de praxe, foi eleito Papa? Não foi escolhido um cardeal porque, devido à inveja existente entre os membros do corpo cardinalício, quiseram escolher um não cardeal. Aliás, Grimoard era conhecido por sua virtude e saber, e sobretudo pela habilidade nos negócios práticos de governo e da diplomacia. Por isso houve uma satisfação geral com a sua eleição.
Reformador e patrono da educação

Urbano V trabalhou contra o absenteísmo, o pluralismo e a simonia, enquanto procurava melhorar os trabalhos na Cúria. Introduziu reformas consideráveis na administração da justiça e no aprendizado liberal. Fundou uma universidade na Hungria. Concedeu à Universidade de Pavia o status de Studium Generale e dotou a Faculdade de Teologia de Toulouse com direitos análogos aos da Universidade de Paris. Restaurou a escola de medicina de Montpellier e fundou o Colégio de São Bento, cuja igreja, decorada com inúmeras obras de arte, se tornou mais tarde a catedral da cidade. Fundou também uma igreja colegiada em Quézac, e construiu em Bédouès uma igreja junto ao castelo de Grisac para enterrar seus pais.
Cruzadas
Urbano V confirmou o cardeal d’Albornoz em suas operações militares, por ter sido o único a lidar com sucesso contra a agressão inescrupulosa do milanês Bernabò Visconti aos domínios papais. A obstinada resistência de Visconti foi o principal obstáculo à cruzada que Urbano pretendia fazer contra os turcos muçulmanos.
Quando todas as alternativas falharam, o Papa proclamou, na primavera de 1363, uma cruzada contra Bernabò, e o excomungou. O cardeal d’Albornoz alcançou brilhante vitória sobre o tirano, e sua completa submissão foi só uma questão de tempo.
Entretanto, a ideia da cruzada contra os muçulmanos estava muito radicada na mente do Papa.
Por isso, quando em março de 1363 o rei de Chipre e o titular de Jerusalém, Pedro de Lusignan, foram a Avignon pedir-lhe ajuda contra os turcos, o Papa — numa Sexta-Feira Santa, dia 31 de março — pregou uma cruzada e deu a cruz aos reis da França, Dinamarca e Chipre. Entretanto, este último, que comandava a cruzada, apesar de em outubro de 1365 ter capturado Alexandria, foi incapaz de mantê-la. Abandonou-a, fracassando assim o plano do Papa. Isso infelizmente mostra que o espírito de cruzada já estava praticamente amortecido na Europa.
Desgraça de Albornoz
Como vimos, o cardeal Albornoz cumprira a difícil tarefa que lhe fora confiada por Inocêncio VI e colocara mais uma vez todos os territórios pontifícios sob o controle papal, o que tornava possível Urbano V retornar a Roma.
Tudo pode acontecer neste vale de lágrimas: apesar de seus eminentes serviços, o cardeal não recebeu do Pontífice a gratidão que tanto merecia. Por ingenuidade — dando crédito aos inimigos do cardeal que o acusavam de se apropriar do dinheiro papal —, Urbano V o removeu da administração da Romagna e a confiou ao arcebispo de Ravena.
Como resultado, o cardeal injustiçado pediu para ser chamado de volta da Itália, e escreveu categórica carta ao Papa na qual prestava contas de sua gestão. Urbano V reconheceu então seu erro, e diante do inestimável serviço que o cardeal prestara ao papado, reconciliou-se com ele. E decidiu retornar a Sé Apostólica para a Cidade Eterna.
Retorno a Roma
Embora os cardeais da Cúria — quase todos eles franceses — fossem contrários ao retorno e ameaçassem abandonar o Papa caso este não mudasse de ideia, Urbano manteve-se firme e empreendeu a viagem para a Itália.
O Papa chegou à Roma em 16 de outubro de 1367, sendo o primeiro Pontífice a pôr os pés em sua própria diocese em 60 anos. Foi recebido com alegria pelo clero e pelo povo, mas teve a indizível tristeza de saber que seu grande servidor, o Cardeal Albornoz, que não guardara rancor, havia morrido. Ele conduziu seus restos mortais a Assis, onde foram enterrados na Basílica de São Francisco. Contudo, as Constituições para os Estados Papais do valoroso cardeal tiveram longa vida, pois permaneceram em vigor até o fim do ano de 1816.
O Papa fundou várias universidades, aprovou a Ordem das Brigitinas, de Santa Brígida, e a dos Jesualdos. Beatificou seu padrinho, Santo Elzéar, Conde de Ariano, governante, diplomata e líder militar, que seria canonizado depois, em 1371, por Gregório XI.

De novo em Avignon
Diversas circunstâncias levaram esse santo Papa a voltar para Avignon, apesar de ele ter sido alertado por Santa Brígida — que viajou de Roma a Montefiascone para isso — de que se o fizesse morreria em breve.
A morte do cardeal Albornoz, que viabilizara o regresso do Romano Pontífice à Itália, tinha sido uma grande perda. A inquietação voltou em várias cidades, tendo sido preciso o Papa esmagá-la pela força. Não era tampouco de estranhar o amor de todo francês pelo seu país, somado à insistência da comitiva papal francesa para que regressasse a Avignon. Enfim, tudo isso — além de uma nova eclosão da guerra entre a França e a Inglaterra — fez com que seu desejo de paz fortalecesse sua determinação de retornar a Avignon, o que aconteceu no dia 5 de setembro de 1370, depois de apenas três anos na Itália.
Contudo, como Santa Brígida predissera, ele morreu no dia 19 de dezembro desse mesmo ano.
Seus restos mortais foram transferidos em 31 de maio de 1371 para o mosteiro de Saint-Victor, em Marselha. Seu sucessor, Gregório XI, abriu sua causa de beatificação. Os milagres atribuídos à sua intercessão e sua fama de santidade foram então documentados.
Mas a causa parou em 1379. E, com o cisma do Ocidente, não mais andou. Sua beatificação se deu somente séculos mais tarde — em 10 de março de 1870, pelo Papa Pio IX. Sua festa é comemorada no dia 19 de dezembro.
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Fontes:
Raymund Webster, Urban V, The Catholic Encyclopedia, CD Room Edition.