
Pergunta — Depois de assistir em vídeos alguns trechos do funeral do Papa Francisco e do novenário de missas pelo descanso de sua alma, chamou-me a atenção que a cor litúrgica não era o roxo, utilizado atualmente nos enterros nas paróquias. Também notei que o Papa foi enterrado com ornamentos vermelhos. Isso teria sido pedido por ele, ou é um costume tradicional da Igreja?
Padre David Francisquini
Fonte: Revista Catolicismo, 894, junho/2025
Resposta — Efetivamente, como observa o leitor, usam-se hoje, nas exéquias comuns, principalmente ornamentos de cor roxa, apesar de a Instrução Geral do Missal Romano indicar que “a cor preta pode-se usar, onde for costume, nas Missas de defuntos” (n° 346, e). Ora, quando dita Instrução Geral impôs o novo rito de Paulo VI, o costume geral na Igreja latina, e particularmente no Brasil, era usar ornamentos pretos, para expressar a dor e o luto pela perda do falecido. Porém, prevalendo-se do prescrito no item anterior da mesma Instrução —“Usa-se a cor roxa no Tempo do Advento e da Quaresma. Pode-se usar também nos Ofícios e Missas de defuntos” (ibidem, d) —, como por arte de magia, quase todas as paróquias deixaram os ornamentos pretos acumularem poeira no fundo dos armários ou simplesmente os jogaram no lixo.
Aliás, note-se que, em ambos os casos, trata-se de uma permissão e não de uma imposição, o que serve de pretexto a alguns padres mais “avançados” para canonizar o morto celebrando a missa com ornamentos brancos, como se fazia antigamente nos enterros das crianças batizadas que não chegaram ao uso da razão e das quais há segurança de que estão no Céu pela impossibilidade de terem cometido um pecado mortal.
Essa é a regra sobre as cores litúrgicas dos funerais. Ela vale não somente para as celebrações dos padres do rito latino, mas também para as dos bispos e outros prelados. Porém, por causa de uma tradição que vem da Roma antiga, na liturgia dos ritos exequiais dos Papas usam-se ornamentos vermelhos. E isso não somente para o enterro e o novenário de missas pelo pontífice defunto, mas também quando o próprio Papa celebra o funeral ou a missa pelo eterno descanso de um cardeal. É um privilégio pessoal do Papa, que não se estende fora de seu caso.

Vermelho a fim de ressaltar a posição suprema do Papa
Antigamente, durante as exéquias do Papa, seu corpo era revestido de ornamentos vermelhos, como ainda é feito hoje, mas os cardeais usavam ornamentos pretos. Foi somente depois do Concílio Vaticano II que esses últimos passaram também a se revestir de vermelho para a cerimônia litúrgica (Ordo Exsequiarum Romani Pontificis n° 102). Mas o uso do vermelho é limitado às exéquias papais (que incluem o novenário de missas), não se estendendo a outras missas celebradas pelo eterno descanso de um pontífice, como seria, por exemplo, nos aniversários de seu falecimento.
É comum ouvir dizer que essa tradição de usar ornamentos vermelhos para os enterros dos Papas proviria do fato de a grande maioria dos primeiros Papas, ainda sob o Império Romano, ter morrido como mártires, e sendo o vermelho a cor litúrgica dos mártires, teria essa cor permanecido como costume, mesmo quando eram enterrados pontífices não mártires. Embora seja bonita, a explicação não é historicamente exata.
Na realidade, o uso provém do fato de que, na tradição bizantina e nos antigos costumes romanos, o vermelho era a cor dos imperadores e dos altos dignitários. E, naturalmente, essa cor era respeitada também nos funerais.Nas suas Histórias (VI, 53, 6-8), Políbio, famoso geógrafo e historiador grego que passou muito tempo em Roma, narra que no cortejo rumo ao lugar da incineração de um grande personagem, um grupo de homens de altura e constituição física semelhantes às do falecido, avançavam portando máscaras de seus ancestrais, revestidos com togas da cor apropriada à posição que ocupara na vida, para sublinhar a honra e o valor social do falecido e de sua família. Esse grupo de homens usava, portanto, uma toga com borda púrpura se o falecido tivesse sido cônsul, ou uma toga toda de púrpura, se fora censor, e bordada com ouro se tivesse obtido uma vitória militar ou feito uma conquista.
Além da manutenção da cor vermelha nas exéquias papais e nas exéquias de cardeais celebradas pelo Papa, esse costume do uso do vermelho permaneceu para alguns elementos da indumentária do Sumo Pontífice. Desde São Pio V, que era dominicano e continuou a usar o hábito de sua Ordem, o branco passou a predominar nas roupas papais. Porém, o chapéu papal (chamado saturno), o manto (chamado tabarro), a murça ou mozeta, a estola pontifícia e o camauro (um gorro de pele de camelo para o inverno) permaneceram sendo de cor vermelha, para realçar a posição suprema do Papa dentro da hierarquia eclesiástica.

Todos esses elementos vermelhos da indumentária papal acima mencionados são de uso esporádico, exceto os sapatos, de uso constante e que até Bento XVI eram vermelhos pelo mesmo motivo. Chamados “múleos” (de mulleus, de cor vermelha ou púrpura), eles foram usados na Antiguidade Clássica pelos patrícios e senadores romanos que tivessem exercido alguma magistratura curul, ou seja, de primeira ordem, tendo ulteriormente passado também a serem usados por generais em ocasiões especiais, como os triunfos. Além desse simbolismo de autoridade, os “múleos do Papa” relembram continuamente ao pontífice seu compromisso de seguir os passos de Cristo com os pés ensanguentados rumo ao Calvário.
O Papa Francisco desrespeitou o costume e continuou a usar seus sapatos ortopédicos pretos, o que muitos interpretaram como sinal de humildade. Na realidade, o que todos esses símbolos de cor vermelha relembram é que, após a elevação ao trono de Pedro, o ocupante deixa de ser um particular e passa a ser revestido da maior autoridade existente na Terra. Ora, sendo a autoridade uma realidade abstrata, ela precisa exprimir-se em sinais exteriores que garantam ao seu detentor o prestígio do cargo e a honra que lhe são devidos, não enquanto pessoa, mas enquanto Sucessor de Pedro e Vigário de Jesus Cristo na Terra.
Esperemos que no novo pontificado que se inicia seja restaurado o uso de todos esses belíssimos elementos simbólicos que contribuíram durante dois milênios para aumentar o prestígio moral do papado e o amor dos fiéis católicos ao “Doce Cristo na Terra”.