- Luiz Sérgio Solimeo
“Há um só Deus, uma só fé, um só batismo” (Ef 4,5).
“Quem não está comigo é contra mim, e quem comigo não ajunta, espalha” (Lc 11,23).
“Sem dúvida, eles perecerão para sempre, a menos que mantenham a fé católica inteira e inviolada” (Símbolo Santo Atanásio).
Francisco aproveita as suas viagens a países de maioria pagã, muçulmana ou budista, para insistir na sua teoria de que Deus quer todas as religiões, de que todas as religiões são boas para levar os homens à salvação e ao “recíproco respeito e mútuo amor.”[1] Deixa, então, de lado a ambiguidade que de costume reveste as suas declarações.
Foi o que sucedeu de 3 a 5 de fevereiro de 2019 em sua viagem aos Emirados Árabes Unidos, quando assinou a Declaração de Abu Dhabi, na qual afirma que “[o] pluralismo e a diversidade de religiões […] são desejados por Deus em Sua sabedoria”.[2]
Se Deus quer todas as religiões, logicamente todas elas são boas, uma vez que procedem da vontade divina. Conclui-se, portanto, que por mais diferente que sejam, todas as religiões formam um todo procedendo de Deus.
Diferentes “senibilidades espirituais”
Francisco deixou mais clara essa ideia em sua recente viagem de 2 a 13 setembro de 2024 à Indonésia, Papua Nova Guiné, Timor Leste e Singapura.
Discursando na Istiqlal Mesquitae de Jakarta,[3] capital da Indonésia, ele se referiu à “coexistência entre religiões e diferentes sensibilidades espirituais”, acrescentando que essas experiências religiosas podem ser pontos de referência “para uma sociedade fraterna e pacífica e nunca motivos para mente fechada ou confronto”.
Falar em sensibilidades espirituais e em experiências religiosas neste contexto faz lembrar o linguajar da heresia Modernista.[4]
O “túnel da amizade”, a raiz comum única a todas as “sensibilidades religiosas”
Prosseguindo em seu discurso, refere-se ao “túnel subterrâneo […], ligando a Mesquita Istiqlal e a Catedral de Santa Maria da Assunção”, encorajando “todos nós, juntos, cada um cultivando sua própria espiritualidade e praticando sua religião, podemos caminhar em busca de Deus”. Mais adiante, afirma que assim como a Catedral e a Mesquita estão ligadas por um túnel, do mesmo modo, subjacente às diferentes práticas e ritos de cada religião,“o que está ‘por baixo’, o que corre no subsolo, como o ‘túnel da amizade’, é a única raiz comum a todas as sensibilidades religiosas”.
Todas as religiões são um caminho para Deus
Em descontraída conversa com jovens de diferentes religiões no Catholic Junior College (Singapura), na sexta-feira, 13 de setembro de 2024, Francisco deixou ainda mais claro seu pensamento ao dizer que todas as religiões são um caminho para se chegar a Deus:
“Todas as religiões são caminhos para Deus. Vou usar uma analogia, elas são como línguas diferentes que expressam o divino. Mas Deus é para todos e, portanto, somos todos filhos de Deus. ‘Mas meu Deus é mais importante que o seu!’. Isso é verdade? Existe apenas um Deus, e as religiões são como línguas, caminhos para chegar a Deus. Alguns são sikhs, alguns muçulmanos, alguns hindus, alguns cristãos. Entendeu?”
Na linha dos gestos, convém citar a bênção que Francisco deu, sem fazer a cruz e sem citar a Santíssima Trindade, dizendo que ela era “válida para todas as religiões.”[5]
Uma absurda teoria religiosa
Resumindo a teoria religiosa de Francisco, conforme vimos acima:
- Deus quer todas as religiões (Declaração de Abu Dhabi);
- Subjacente a todas as religiões há um “túnel da amizade” que liga todas elas;
- Nesse túnel está a raiz de todas as religiões;
- Não se deve dizer que uma é mais verdadeira ou melhor que a outra;
- Todas as religiões são caminhos que levam a Deus (“alguns são sikhs, outros muçulmanos, alguns são hinduístas, alguns cristãos”…)
Quando Francisco diz que Deus quer todas as religiões, ou que todas elas são um caminho que leva a Deus, ele não faz nenhuma restrição quanto à natureza da religião, da sua doutrina, da sua moral, das suas práticas etc. Assim levariam a Deus tanto a religião que crê num Deus Uno e Trino e adora a Santíssima Trindade, como outra que nega este dogma fundamental do Catolicismo, entre elas, o maometanismo; ou uma religião politeísta, como o hinduísmo popular,[6] ou um Deus não pessoal como no budismo; ou as religiões anímicas ou panteístas que cultuam as forças da natureza, a “terra mãe” (como no caso de Pachamama, que foi cultuada no Vaticano) etc.
Ora, além de ir contra a Revelação divina e todo o Magistério bimilenar da Igreja, esta teoria também vai contra um principio fundamental do pensamento humano, que é o da não-contradição, pelo qual não se pode dizer que algo é uma coisa e outra ao mesmo tempo, debaixo do mesmo ponto de vista.
Portanto não se pode admitir, sem cair em contradição, um Deus que seja ao mesmo tempo trinitário e unitário; que haja um único Deus (monoteísmo) e que haja pluralidade de deuses (politeísmo); um Deus Pessoal e outro que se confunda com a natureza, com as forças naturais do universo. Um tal “deus” não seria a Suma Sabedoria, a Verdade subsistente, fonte de toda verdade. Não seria Santo e fonte da santidade. Em uma palavra, um tal “deus” contraditório não poderia existir.
O perverso indiferentismo
Na viagem à Ásia, Francisco, por suas palavras, atos e omissões, pregou o indiferentismo religioso, conforme foi condenado pelo Papa Gregório XVI (1831-1836), na Encíclica Mirari Vos, sobre o liberalismo e o indiferentismo religioso (1832):
“Consideramos outra fonte abundante dos males com os quais a Igreja é afligida atualmente: o indiferentismo. Essa opinião perversa é espalhada por todos os lados pela fraude dos ímpios que afirmam que é possível obter a salvação eterna da alma pela profissão de qualquer tipo de religião, desde que a moralidade seja mantida. Certamente, em um assunto tão claro, vós
[os bispos]
afastarão esse erro mortal das pessoas confiadas aos seus cuidados. Com a admoestação do apóstolo de que ‘há um só Deus, uma só fé, um só batismo’ (Ef 4, 5), temam aqueles que inventam a noção de que o porto seguro da salvação está aberto a pessoas de qualquer religião. Eles devem considerar o testemunho do próprio Cristo de que ‘aqueles que não estão com Cristo estão contra Ele’ (Lc 11,23) e que eles se dispersam infelizmente se não se reúnem com Ele. Portanto, “sem dúvida, eles perecerão para sempre, a menos que mantenham a fé católica inteira e inviolada” (Símbolo de Santo Atanásio).
Jesus, o único Salvador
Ao mesmo tempo em que diz que todas as religiões são “diferentes línguas que expressam o divino”, Francisco deixa de ressaltar o papel de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Igreja na salvação dos homens, que não estão presentes nos discursos e nos gestos de Francisco nessa viagem.
Foi o que ressaltaram alguns bispos, como por exemplo Dom Marian Eleganti, da Suíça, que escreveu em seu blog:
“O Papa Francisco fala do fato de que existe um só Deus, o Criador, e que, portanto, já somos por natureza como suas criaturas irmãos e filhos de Deus. Isso é verdade? Onde está Jesus Cristo neste relacionamento sem o qual, em Suas próprias palavras, não temos o Pai (o Criador)? Onde está a conversa de Jesus Cristo como a única porta para o Pai? Onde está o discurso de que Jesus Cristo nos deu o poder de nos tornarmos filhos de Deus? Para que não estejamos sem Ele. Onde há conversa que oramos em Seu Espírito, que Ele nos deu: Abba, Pai? O Papa Francisco esconde tudo isso e também evita a cruz na bênção, para não se apoderar de ninguém, para não alienar sentimentos ou para estimular um debate no sentido de uma crítica da religião e um impulso missionário para enfrentar a pretensão de absoluto de Jesus. Hoje entendemos a tolerância como uma renúncia às crenças e reivindicações da verdade.”
Dom Joseph Strickland, antigo bispo de Tyler, no Texas, foi mais direto ao ponto. Tomando por base o Documento da Congregação para a Doutrina da Fé (hoje Dicastério) Dominus Iesus, de 6 de agosto de 2000, publicou em 13 de setembro de 2024 o seguinte comentário nas redes sociais:
“Dominus Iesus, (O Senhor Jesus). Isso é o que a Igreja Católica ensina sobre a unicidade de Jesus Cristo. O único caminho para Deus Pai é por meio de Seu Filho Jesus Cristo. Negar isso é negar a fé católica, isso é chamado de heresia.”[7]
O referido documento Dominus Iesus, ao criticar os teólogos que apresentam todas as religiões como iguais, deixando de lado o papel de Cristo e da Igreja, diz o seguinte:
“Essas teses são contrárias à fé católica porque negam a unicidade da relação que Cristo e a Igreja têm com o reino de Deus.”
“Confirma teus irmãos”
Nosso Senhor, ao advertir o Apóstolo Pedro das tentações pelas quais ele iria passar durante a Paixão, disse-lhe: “Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça, e tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos.”[8]
Essa é a missão de todo sucessor de São Pedro: confirmar na fé seus irmãos, transmitir a verdadeira doutrina de Jesus Cristo e sua Igreja, e não se deixar levar pelas fantasias e erros do mundo. Quando ele não é fiel à missão recebida e às graças do Espírito Santo, o Papa abandona sua missão e, em vez de confirmar seus irmãos na fé, acaba por conduzi-los à perdição eterna.
Mas Nosso Senhor vela por sua Igreja. E todo fiel recebe as graças necessárias para se manter na verdadeira fé, ensinada pela Igreja em seus dois mil anos de existência.
O “sensus fidei” (o “sentido da fé”) é essa maravilhosa ajuda da graça que decorre da fidelidade à virtude da fé e que permite ao fiel distinguir entre o ensino verdadeiro e o falso ou confuso. Segundo a Comissão Teológica Internacional do Vaticano:[9]
“O sensus fidei fidelis surge, antes de tudo, da conaturalidade que a virtude da fé estabelece entre o sujeito crente e o autêntico objeto da fé, ou seja, a verdade de Deus revelada em Cristo Jesus.”
Continua a Comissão Teológica:
“Alertados pelo seu sensus fidei, os crentes individuais podem negar o assentimento até mesmo ao ensinamento de pastores legítimos, se não reconhecerem nesse ensinamento a voz de Cristo, o Bom Pastor. […] Para São Tomás, um crente, mesmo sem competência teológica, pode e deve resistir, em virtude do sensus fidei, ao seu bispo, se este pregar a heterodoxia. Em tal caso, o crente não se trata como o critério último da verdade da fé, mas, diante de uma pregação materialmente ‘autorizada’ que ele acha preocupante, sem ser capaz de explicar exatamente o porquê, adia o assentimento e apela interiormente à autoridade superior da Igreja universal”.
Confiança na promessa de Fátima
Por
mais difícil que seja vivermos em meio à confusão hoje reinante, e que muito
provavelmente é parte do castigo que Nossa Senhora previu em Fátima caso os
homens não se convertessem, temos a certeza da intervenção divina prometida
pela mesma Virgem em 1917: Por fim, o
meu Imaculado Coração Triunfará!
[1] Interreligious Meeting Address Of His Holiness, Istiqlal Mosque (Jakarta, Indonesia), Thursday, 5 September 2024, https://www.vatican.va/content/francesco/en/speeches/2024/september/documents/20240905-indonesia-incontro-interreligioso.html, 9/5/24
[2] “A Document on Human Fraternity for World Peace and Living Together,” Feb. 4, 2019, http://w2.vatican.va/content/francesco/en/travels/2019/outside/documents/papa-francesco_20190204_documento-fratellanza-umana.html; See also Luiz Sérgio Solimeo, Theological and Canonical Implications of the Declaration Signed by Pope Francis in Abu Dhabi, February 27, 2019, https://www.tfp.org/theological-and-canonical-implications-of-the-declaration-signed-by-pope-francis-in-abu-dhabi/ 9/16/24
[3] Interreligious Meeting Address Of His Holiness, Istiqlal Mosque (Jakarta, Indonesia), Thursday, 5 September 2024, https://www.vatican.va/content/francesco/en/speeches/2024/september/documents/20240905-indonesia-incontro-interreligioso.html, 9/5/24
[4] Escreve São Pio X na Encíclica Pascendi que, para os Modernistas, o homem “a primeira moção, por assim dizer, de todo fenômeno vital, deve sempre ser atribuída a uma necessidade; os primórdios, porém, falando mais especialmente da vida, devem ser atribuídos a um movimento do coração, que se chama sentimento. Por conseguinte, como o objeto da religião é Deus, devemos concluir que a fé, princípio e base de toda a religião, se deve fundar em um sentimento, nascido da necessidade da divindade..”
Ou seja, para os Modernistas, tanto a revelação como o dogma eram fruto de uma experiência religiosa individual e portanto variavam de acordo com as diferentes “experiências” e culturas de diferentes épocas. Por isso, para eles, não se pode falar em uma única fé, uma única religião verdadeira. (Enciclica Pascendi Dominici Gregis,8 de setembro de 1907, https://www.vatican.va/content/pius-x/pt/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_19070908_pascendi-domini .
[5]Michael Haynes, Pope Francis skips Sign of the Cross to impart blessing ‘valid for all religions’, https://www.lifesitenews.com/news/pope-francis-skips-sign-of-the-cross-to-impart-blessing-valid-for-all-religions/ 9/8/24.
[6] Cf. Aiken, Charles Francis. “Hinduism.” The Catholic Encyclopedia. Vol. 7. New York: Robert Appleton Company, 1910. http://www.newadvent.org/cathen/07358b.htm; Wendy Doniger, Are Hindus Monotheists or Polytheists?, https://academic.oup.com/book/11527/chapter-abstract/160293697?redirectedFrom=fulltext9/17/24
[7] Bishop J. Strickland https://x.com/BishStrickland/status/1834593957382095070?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1834593957382095070%7Ctwgr%5E5dda20cf71691778bb4ce2b5d071c8fc158429b7%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.lifesitenews.com%2Fnews%2Fbishop-strickland-to-deny-that-jesus-is-the-only-way-to-god-the-father-is-heresy%2F
[8] Luke 22:32.
[9] INTERNATIONAL THEOLOGICAL COMMISSION, SENSUS FIDEI IN THE LIFE OF THE CHURCH*
(2014), n. 50, https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20140610_sensus-fidei_en.html#2._Manifestations_of_the_sensus_fidei_in_the_personal_life_of_believers 9/18/24