
- John Horvat II
Independentemente de como se considere a Guerra na Ucrânia, certos fatos contradizem a atual narrativa da mídia de uma luta entre o globalismo liberal e um regime teocrático. Vários desses fatos se tornaram especialmente evidentes no discurso de Putin à Assembleia da Federação, a respeito da guerra em seu primeiro aniversário e o futuro da nação. Outros fatos podem ser obtidos a partir das notícias.

Tais fatos são:
- O projeto de Putin segue a “quarta teoria política” de Alexander Dugin, seu ideólogo, contra o globalismo. Dentro dessa teoria, os diferentes povos criam civilizações, formando grandes espaços e blocos civilizatórios. Dugin acredita que os estados-nação menores desfrutam da aparência de soberania sob a égide de “centros civilizacionais politicamente organizados e militarmente capazes que representam os polos de um mundo multipolar”. [Tradução: A Ucrânia não tem o direito de ser uma nação livre, independente e soberana.]
- A guerra na Ucrânia procura forçar a relutante nação ucraniana a se colocar sob este guarda-chuva. O conflito desencadeou rupturas políticas e econômicas irrevogáveis com o mundo globalizado que facilitam a formação de um mundo multipolar.
- Tanto a Rússia quanto o Ocidente são frutos da modernidade. Os dois sistemas compartilham raízes filosóficas que remontam à Revolução Francesa. O Ocidente adotou o modelo liberal suave, hoje em processo de decadência. A Rússia agora segue o modelo nacionalista nietzschiano linha-dura, fortemente influenciado por pensadores alemães como Martin Heidegger. Ambos os lados também são influenciados pelos efeitos nocivos dos pensadores existencialistas e pós-modernos.
- Até 2022, a Rússia fazia parte de todo o coração da sociedade globalista que agora ela afirma odiar. Sua economia foi totalmente integrada à rede global. Seus produtos, especialmente o petróleo, o gás natural e os grãos, eram vendidos nos mercados mundiais de commodities delineados em dólares. Antes da mudança abrupta dos acontecimentos, suas cidades recebiam as multinacionais do varejo espalhadas por todo o seu vasto território. As sucessivas ondas de sanções testemunham a enorme extensão dessa integração e a dificuldade de se desemaranhar dela.
- A Rússia, infelizmente, compartilha da decadência moral do mundo moderno. O estado de sua decadência é comparável ao dos países ocidentais. A nação sofre com a maior taxa de aborto do mundo, baixas taxas de natalidade, baixa prática religiosa e declínio nos casamentos. Ao contrário dos relatos da mídia, Putin não tem objeções à presença LGBT na Rússia (exceto para crianças). Em seu discurso de 21 de fevereiro, ele fez questão de dizer: “Os adultos podem fazer o que quiserem. Nós, na Rússia, sempre vimos dessa forma e sempre veremos: ninguém vai se intrometer na vida privada de outras pessoas, e nós também não vamos fazer isso”.
- Ambos os sistemas depositam muita fé no poder do Estado. Os estabelecimentos políticos ocidentais de há muito promovem programas, regulamentos e redes massivos. O discurso de Putin delineou principalmente uma montanha de programas e iniciativas governamentais de trilhões de rublos para atender às necessidades dos cidadãos em uma sociedade dirigida pelo Estado.
- Fiéis às suas origens modernas, ambos os sistemas são seculares em sua expressão. O liberalismo, por sua natureza, sempre afirmou —falsamente — ser neutro em questões de religião. No entanto, o discurso principal de quase 40 páginas de Putin surpreendentemente não menciona o Deus cristão, nem trata de temas religiosos que poderiam ser esperados nestes tempos de provação.

Os sete fatos ilustram que o retrato da mídia é falho. A verdadeira luta não é entre um mundo globalizado ultraliberal decadente e um Oriente teocrático e autocrático. Ela envolve um mundo inteiro moralmente podre, filosoficamente falho, financeiramente comprometido e politicamente desordenado. Ambos os sistemas representam dois lados da mesma moeda corrompida da modernidade.

De um lado estão os que defendem a ordem do pós-guerra com todos os seus erros. Do outro lado está o eixo Rússia-China-Irã, que quer quebrar essa ordem e estabelecer seu enigmático mundo antiocidental multipolar.
A Ucrânia é o palco relutante para o drama que visa destruir a ordem do pós-guerra e desencadear a próxima e pior fase de um processo revolucionário determinado a demolir o que resta do Ocidente cristão. Porém, a invasão da Ucrânia não saiu conforme o planejado. A inesperada defesa ucraniana de sua soberania perturbou a narrativa.

Isso dá origem a um oitavo fato, que deve ser considerado para avaliar as duas causas.
- A humanidade não deu ouvidos à Mensagem de Fátima. Em 1917, em Fátima, Portugal, Nossa Senhora alertou o mundo sobre a necessidade de oração, especificamente a recitação do Rosário, a penitência e a emenda de vida, para escapar do castigo divino. Se a Rússia lhe fosse consagrada, Nossa Senhora prometeu que se converteria à Fé.
Assim, aqueles que procuram soluções políticas dentro dos dois quadros seculares, ficarão desapontados. A reforma fundamental necessária é moral. A solução final será sobrenatural. No entanto, as pessoas se recusam a considerar o sobrenatural ou moral.
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* O articulista é colaborador de Catolicismo, vice-presidente da TFP norte-americana e autor do best-seller Return to Order.