São Guilherme de Bourges, Bispo e Confessor

Vitral de São Guilherme de Bourges – Abadia de Notre-Dame, Fontgombault, na província de Berry, França.

Este santo de origem nobre foi monge cisterciense antes de ser arcebispo da cidade de Bourges, na França, no século XII. De grande humildade, doçura e alegria, combateu intrepidamente os hereges. Entregou sua alma a Deus quando preparava uma cruzada contra eles. Sua festividade é celebrada no dia 10 de janeiro.

Plinio Maria Solimeo

Guilherme de Donjeon, também conhecido como Guilherme de Bourges, nasceu por volta de 1140 no castelo de Arthel, perto de Nevers, na antiga família dos Condes de Nevers. Ele foi um dos oito filhos de Balduíno de Corbeil e Eustaquia de Châtillon.

Muito piedoso desde a infância, seu pai desejava que ele se tornasse soldado, como a maioria dos jovens da nobreza da época. No entanto, prevalecendo provavelmente o desejo da mãe, Guilherme foi educado pelo seu tio materno Pedro, arquidiácono de Soissons, aprendendo com ele a temer os perigos do mundo, a desprezar as riquezas e a conhecer as alegrias do estudo unido à piedade.

Alguns de seus biógrafos afirmam que ele tinha uma índole muito acomodatícia e pacífica, e embora herdasse o título do pai no condado de Nevers, resolveu optar pelo sacerdócio como o modo mais rico e tranquilo de praticar os Mandamentos e salvar sua alma[i].

Contudo, a maioria dos historiadores concorda que o futuro santo, além de ser de uma bondade extrema, era dotado de muita força de vontade e determinação, como veremos adiante.

Na vida monástica

Depois de ordenado, Guilherme foi cônego em Soissons e depois em Paris. Notabilizou-se por uma profunda e especial devoção ao Santíssimo Sacramento, passando horas inteiras aos pés do altar em profunda contemplação.

Desejoso de levar uma vida mais perfeita, resolveu deixar tudo e se dirigir à abadia de Grandmont, fundada por Santo Estêvão de Muret (1046-1124), então célebre por sua austeridade. Nela viveu com tanta regularidade, pureza e delicadeza de consciência, que foi citado como exemplo de monge ao Papa Inocêncio III durante o IV Concílio Geral de Latrão.

Neste Vale de Lágrimas, estamos sujeitos a toda sorte de percalços e vicissitudes. Com a morte do fundador, surgiram divisões entre os monges na Ordem de Grandmont, que muito desgostaram Guilherme. Em 1180 ele se mudou então para o mosteiro de Pontigny, na Borgonha, uma das quatro grandes filiais da abadia de Cister, fundada em 1114. Lá viveu por muitos anos até ser eleito Prior.

Tornou-se depois abade de Fontaine-Jean e de Chalis, onde continuou a ser um modelo de virtudes.

Guilherme de Bourges nasceu por volta de 1140 no castelo de Arthel

Arcebispo de Bourges

Tendo em 1200 falecido Dom Henrique de Sully, Arcebispo de Bourges, os cônegos de sua catedral não chegavam a um acordo sobre quem deveria lhe suceder, pois competia ao cabido nomear o sucessor, que seria depois aprovado pelo Papa.

Recorreram então ao Arcebispo de Paris, Dom Eudes de Sully, irmão do falecido, que havia sido cantor na igreja de Bourges, pedindo-lhe que sugerisse um nome para a Sé vacante que fosse aceito pelo rei Felipe Augusto. O Prelado lhes sugeriu então o do abade Guilherme, que foi aprovado pelo monarca.

Quando soube disso, o santo sentiu uma profunda dor e não quis de modo algum aceitar a nomeação. Foi preciso que seus superiores, inclusive o Papa Inocêncio III, o obrigassem a se curvar.

O abade Guilherme foi então investido da insígnia episcopal, mas continuou a praticar as virtudes do claustro com muita simplicidade, doçura e alegria contagiante, conquistando o coração de seus diocesanos.

Os pobres e os doentes passaram a receber toda a sua atenção, que se estendia também àqueles que gemiam nas prisões.

Grande pregador, os sermões e práticas do santo arcebispo sobre as verdades eternas obtinham muitas e duradouras conversões.

Catedral de Santo Estêvão

Coroação do rei da França Felipe II (British Library, Royal 16 G VI f. 331)

São Guilherme foi indispensável para dar andamento à construção da magnífica catedral gótica de Bourges, iniciada por seu predecessor em 1195. Quando pôs mãos à obra, somente a parte inferior do edifício havia sido completada. Mas em 1208, com o coro quase pronto, ele pôde celebrar ali a Missa de Natal.

Convém ressaltar que o concurso do santo nas obras da catedral não foi meramente passivo. Ele participou muito ativamente na sua iconografia e reuniu uma equipe de teólogos para o auxiliarem a planejar as esculturas e os vitrais, para que servissem de alimento à piedade dos fiéis.

O resultado foi tão compensador, que os historiadores afirmam que a catedral de Santo Estêvão tornou-se nesse aspecto um exemplo único de edifício sacro no início do século XIII.

Polêmica com Felipe Augusto

Todos os historiadores são unânimes em afirmar que São Guilherme possuía uma imensa bondade. Mas quando se tratava de questão de princípios, era muito firme. Assim agiu ele em defesa da doutrina da Igreja, enfrentando o todo-poderoso rei Felipe II.

Esse monarca, o primeiro da dinastia capetíngia a chamar-se Rei da França, era muito hábil. De pequeno Estado feudal, ele o transformou em um dos mais prósperos e poderosos reinos da Europa.

Tendo ficado viúvo de Isabel de Hainault (1170-1190), em 1193 ele se casou em segundas núpcias com Ingelburga (1174-1236), filha do rei Valdemar, da Dinamarca.

Ora, por motivos não muito claros, pouco depois das bodas o rei quis repudiar sua esposa, alegando que o casamento não havia sido consumado, o que a rainha contestava. E com a anuência de barões e bispos complacentes, ele aprisionou Ingelburga — que apelou ao Papa — e se casou com Inês de Méran.

Inocêncio III, recentemente eleito, exigiu que o monarca repudiasse Inês e voltasse a viver com Ingelburga. Diante da recusa de Felipe Augusto, o legado pontifício colocou o reino da França sob interdito.

A maioria dos bispos do reino se recusou a publicar a sentença. Contudo, São Guilherme de Bourges não foi deste número.Seguindo as normas canônicas, suspendeu o culto divino em sua diocese.

Evidentemente isso desgostou muito o rei e grande parte de seu clero, que não queriam se dobrar à rígida disciplina da Igreja.

Como terminou esse imbróglio? Inês, que já tinha dado um herdeiro ao rei, faleceu em 1198, ao dar à luz a uma filha, Maria de França.

Como Felipe já tinha a sucessão assegurada e precisava do auxílio do Papa e do rei da Dinamarca, em 1213 ele restaurou Ingelburga no trono, embora não convivesse com ela. Assim se encerrou esse ruidoso caso[ii].

Cruzada contra os albigenses

Durante os dez anos que governou a Arquidiocese de Bourges, São Guilherme notabilizou-se pelas missões que pregou contra os hereges, sobretudo os cátaros ou maniqueus, a pedido do Papa Inocêncio III.

Este santo Pontífice, que reinou de 1198 a 1216, havia mobilizado os bispos para tentar trazer os hereges de volta ao bom caminho, mas como isso falhou, lançou uma cruzada contra eles.

O Arcebispo de Bourges foi o primeiro a responder ao apelo do Papa. E, se a doença seguida de morte não o tivesse impedido, teria ido lutar contra os albigenses ao lado de Simão de Montfort.

De fato, ele estava se preparando para a cruzada, depois de uma visita pastoral que faria à sua diocese. Contudo, em dezembro de 1208, em pleno inverno, ele participou das celebrações do Natal em sua catedral inacabada, como vimos, embora não estivesse gozando de boa saúde.

Ilustração de um manuscrito medieval que mostra o Papa Inocêncio III e os cruzados da Cruzada contra os Albigenses no sul de França (1209-1229) [Crônicas de Saint-Denis, Biblioteca Britânica, Londres]

Últimos dias

Alguns dias depois, celebrou também a Epifania na catedral inconclusa. O frio era congelante. A nave ainda não tinha forro e através dela entrava uma corrente de ar particularmente forte. Segundo seu biógrafo, o prelado estava com a cabeça descoberta e isso piorou o seu estado já febril. Depois ele se ajoelhou em longa contemplação diante do altar do Santíssimo Sacramento. Acabada a Missa, dirigiu-se à sua casa, indo diretamente para o leito.

Percebendo que seus dias estavam contados, São Guilherme ditou seu testamento. Nele diz, entre outras coisas, que desejava ser sepultado sobre cinzas portando seu cilício de crina. Recebeu os últimos Sacramentos e entrou em agonia. Mas teve ainda forças para se ajoelhar e receber a Sagrada Comunhão.

Em seu leito de morte, fez seu capítulo jurar que entregaria seu corpo aos cistercienses.

Deitado no solo sobre cinzas, como havia pedido, entregou seu espírito ao Criador. Era o dia 10 de janeiro de 1209.

Seu corpo foi exposto à veneração dos fiéis no centro da catedral, onde foi sepultado. Mergulhado em profunda dor, o povo acorreu em massa para lamentar a morte de seu amado arcebispo.

         O corpo de São Guilherme foi posteriormente sepultado numa capela da cripta, mandada construir pela Sra. Donzy, Condessa de Nevers, sobrinha-neta do santo. Essa capela hoje abriga a representação do Santo Sepulcro de Jesus Cristo.

Vida post mortem

         Guilherme de Bourges tinha fama de santo já em vida, sendo-lhe então creditadas 18 curas milagrosas. Por isso, logo que faleceu, seus diocesanos começaram a recorrer a ele em suas necessidades.

Em pouco tempo foram reportados mais 18 milagres, obtidos por sua intercessão diante de seu túmulo. Pelo que o Papa Honório III promulgou sua bula de canonização em 17 de maio de 1218, apenas oito anos depois de seu falecimento, o que é bastante excepcional.

Após a canonização, seu corpo foi exumado e exposto atrás do altar-mor da catedral de Bourges, onde esteve até 1562.

São Guilherme de Bourges é considerado o santo padroeiro da Universidade de Paris[iii].


[i]https://www.la-croix.com/Saints/Saint-Guillaume

[ii]Cfr. Phillipe II The Catholic Encyclopedia, www.NewAdvent.org

[iii] Outras obras consultadas:

– https://fr.wikipedia.org/wiki/Guillaume_de_Bourges

https://nominis.cef.fr/contenus/saint/404/Saint-Guillaume-de-Bourges.html

– https://www.encyclopedie-bourges.com/saintguillaume.htm

https://www.larousse.fr/encyclopedie/personnage/saint_Guillaume_de_Bourges/179999