Encontro de duas grandezas: Felipe II da Espanha e Santa Teresa d’Ávila

  • Plinio Maria Solimeo

O século XVI foi o “Século de Ouro” da Espanha, da Contra-Reforma Católica, e seus inúmeros e grandes santos como Santo Inácio de Loyola e Santa Teresa d’Ávila; das grandes descobertas e evangelização do Novo Mundo; do apogeu da literatura, da pintura, da música e de todas as artes, enfim, de tudo que tornaram a Espanha a primeira potência da época.

Muito concorreu para esse brilho o rei Felipe II (1527-1598), em cujo Império “o sol não se punha”.

Esse monarca era católico convicto, que ajudou muito a Religião verdadeira em seus domínios. Diante das investidas do protestantismo na Europa, ele dizia: “Antes de sofrer o menor dano à religião e o serviço de Deus, eu perderia todas as minhas propriedades e cem vidas, se as tivesse, porque não quero nem desejo ser o governante dos hereges”.

Neste artigo nos restringiremos a falar de algumas das relações desse grande rei com a já então famosa Madre Teresa d’Ávila.

Primeiro encontro

No Capítulo dos Carmelitas presidido por São Carlos Borromeu em 1554, o Pe. João Batista Rossi foi eleito Superior Geral da Ordem. Por esse tempo, o rei Felipe II pedira à Santa Sé para enviar alguém à Espanha para fazer com que os mosteiros do país cumprissem as disposições do Concílio de Trento, e São Pio V escolheu para a delicada missão o próprio Pe. Rossi.

O novo Superiorlogrou visitar na Espanha o convento de São José de Ávila [foto acima], ficando entusiasmado com tudo o que nele viu. Mas o que mais o impressionou a Fundadora, e sua cativante personalidade. Aproveitando-se da boa vontade demonstrada pelo Pe. Rossi, Teresa lhe pediu licença para fundar outros conventos de sua reforma. O que ele concedeu.

Terminada sua missão, o Pe. João Batista fez uma visita de cortesia ao monarca espanhol para lhe prestar contas de seu trabalho. Felipe o recebeu com muita amizade, congratulando-se com ele pelo sucesso obtido.

Vendo a boa disposição do rei, na conversa que com ele teve o Superior dos Carmelitas o entreteve narrando com pormenoresas maravilhas que tinha presenciado no convento de São José de Ávila. E lhe falou com muito calor sobretudo da Reformadora. Felipe II ficou tão edificado como que ouviu, que encarregou o Padre Rossi de o recomendar, a si, a seu reino e à sua família, às preces de Teresa e de sua comunidade.

Teresa leu às suas filhas a carta em que o Superior do Carmo lhe transmitiu o pedido do rei e, desde então, “sua Majestade Felipe II” teve cada dia grande parte dos sufrágios e das boas obras das religiosas do convento de São José.

Avisos privados ao Rei

Contudo, essa relação com o monarca iria tomar um rumo bem mais

sério.

Por volta de 1569, Teresa foi a Madrid (outros dizem Toledo), onde a princesa Joana, irmã de Felipe II, a queria ver.

Sobre essa estadia da santa na Corte, a Madre Isabel de Santo Agostinho declarou nas Informações para o processo de beatificação de Teresa que: “Indo para a fundação de Toledo em 1569, e passando pela Corte, a Santa fez chegar a Felipe II, por meio da princesa Dona Joana, alguns avisos que impressionaram vivamente o Rei, que mostrou desejos de conhecer pessoalmente a ‘célebre Fundadora’”.

A Histoire Générale des Carmes, por sua vez, narra que “A princesa Joana pediu à Santa que lhe desse por escrito alguns avisos para o Rei, seu irmão. Teresa consentiu, e Felipe II ficou tão tocado lendo-os, que quis agradecer-lhe pessoalmente; mas nossa Santa já tinha partido para Toledo”.

Já o renomado escritor católico americano William Thomas Walsh, escrevendo sobre esse fato ou outro análogo, dá a seguinte versão: Segundo a tradição carmelita, foi quando Santa Teresa se dirigia a Toledo que fez uma parada em Madrid (onde estaria a Corte).

“A Santa teve então, ‘enquanto orava’, uma revelação referente a Felipe II. […] Cristo lhe havia dito, em uma visão, que o Rei Felipe estava em grande risco de condenação eterna. ‘Filha’, dissera-lhe o Senhor, ‘quero que ele seja salvo’. Mandou-a, pois, entregar uma nota de advertência à Princesa Joana, irmã de Felipe, em Madrid. Teresa obedeceu, evidentemente. […] num dia de março de 1569. […] encontrou a Princesa, lhe entregou a nota e retirou-se. Da missiva resta apenas um pequeno fragmento: ‘Lembrai-vos, Senhor, de que Saul era ungido e, contudo foi rejeitado…’. Felipe ficou assombrado com esta e demais frases da carta. ‘Onde está essa mulher? Quero falar com ela’. Já, porém, Teresa seguia a caminho de Toledo.”

Outros pedidos de ajuda da Santa a Felipe II

Caravaca, onde Santa Teresa pretendia fundar um mosteiro, estava sob a jurisdição dos Comendadores de Santiago, que queriam sujeitar a si o novo convento.

 A Santa recorreu então ao Rei:

“Fez-me tanta mercê o Rei que, em lhe escrevendo, mandou que a dessem [licença para a fundação]. É D. Felipe tão amigo de favorecer os religiosos que procuram guardar a sua profissão que, tendo sabido a maneira de proceder destes mosteiros, e que são da Regra Primitiva, tem-nos favorecido em tudo. Por isso, filhas, muito vos rogo eu que sempre se faça particular oração por Sua Majestade, como agora fazemos” (Fundações, XXVII, 6)

Santa Teresa escreveu outra vez em julho de 1575 ao monarca para pedir sua intervenção para obter da Santa Sé a separação entre os frades carmelitas calçados em os descalços, com duas diferentes províncias.

Isso realmente ocorrerá. Com a intervenção do Rei e do Núncio, o Papa Gregório XIII, em julho de 1580 ratificou definitivamente a divisão entre Calçados e Descalços, com duas províncias separadas.

Em setembro de 1577, diante de uma campanha orquestrada de calúnias contra o Padre Graciano, Superior dos Descalços, que se espalhavam na Corte, a Madre escreveu ao rei pedindo-lhe que fizesse um inquérito para apurar a verdade e ver quem eram os difamadores que estavam semeando o joio entre o trigo. Isso Felipe fez, e se descobriu que os difamadores eram dois frades calçados. Desmascarados, o monarca os obrigou a se retratarem publicamente.

Carta e possível encontro com o Rei

Antes que houvesse a separação entre carmelitas Calçados e Descalços, os primeiros perseguiam de maneira tão violenta os segundos, que chegaram a aprisionar Frei João da Cruz e um frade que com ele estava, em um lugar secreto. Santa Teresa mexeu céus e terra até descobrir o paradeiro dos dois.

Quando soube que estavam presos em Toledo, escreveu ao Rei Felipe no dia 4 de dezembro de 1577, mostrando muitas das arbitrariedades dos Calçados, e pedindo-lhe que os fizesse soltar o Santo.

Fernando Álvarez de Toledo y Pimentel, 3.º Duque de Alba, por Ticiano

William Thomas Walsh acrescenta:

“Ao que parece, Felipe a mandou chamar e ela fez a viagem até o Escorial, não obstante o inverno e a idade, nos meados de dezembro de 1577. O grande Duque de Alba [quadro acima], que regressara à pátria para descansar e refazer a saúde abalada por tantos anos de trabalhos heroicos nos Países Baixos, teve provavelmente alguma coisa que ver com a preparação dessa visita, pois a descrição fragmentária que dela fez Teresa é dirigida à esposa do secretário do Duque, Albornoz. […] Como não existe outra descrição deste memorável encontro além da carta de Teresa à qual, de resto, falta a primeira página, a cena não pode ser reconstituída com precisão. […] Felipe contava então 50 anos, e tinha sofrido muito; a gota começava a ser crônica, o cabelo louro escurecia, e uns tons grisalhos surgiam na barba que lhe cobria o queixo saliente. […] Segundo uma tradição do Escorial [foto abaixo], conforme texto de carta publicado pela Abadia de Stanbrook, (Letters, III, p. 17, n. 2), [Teresa], teria começado por citar a descrição que [o Núncio, inteiramente contrário à Santa e à sua reforma] Sega fizera a seu respeito: ‘Senhor, estais a pensar: Tenho diante de mim essa mulher irrequieta e vadia, que anda de terra em terra para se divertir a pretexto da religião’. […] Então lhe narrou sua história, implorando que a protegesse. — ‘É tudo o que desejais?’. — ‘Pedi uma grande mercê’. — ‘Então, ide em paz’, disse Felipe, ‘pois tudo se fará conforme os vossos desejos’”.

 A Santa conclui:

“Quando ia sair do outro edifício, onde estava o Duque, veio ao meu encontro o vosso amável marido [Albornoz], a quem tanto devo, e disse-me que o Rei nosso Senhor lhe ordenara que escrevesse todas as minhas petições, de modo que os meus desejos pudessem ser satisfeitos sem demora. E assim se fez: eu ditei-os, e o Senhor Albornoz tomou nota das minhas palavras”.

Para concluir com Felipe II: como Nosso Senhor disse à Santa Teresa que queria salvá-lo, deu-lhe uma longa e dolorosa doença no fim da vida, em que ficou de coberto de chagas e vermes e em grande sofrimento. Ele suportou tudo com espírito sobrenatural e, quando estava próximo da morte, chamou seu filho e sucessor, também Felipe e, abrindo a blusa, mostrou-lhe o estado de verdadeira putrefação em que estava, para lhe dar uma ideia de como terminavam as glórias do mundo.