
De família nobre de Gubbio, grande reformador, notável pela santidade, mansidão e fortaleza, seu corpo permanece incorrupto. Sua festividade litúrgica é comemorada no dia 19 de maio.
- Plinio Maria Solimeo
Temos exposto a vida de alguns santos do período medieval. Trataremos de outros dessa mesma época, oriundos da cidade de Gubbio, na Itália, quase todos contemporâneos e pertencentes à nobreza italiana. Entre eles, Santo Ubaldo, cuja vida celebramos no dia 19 deste mês.
Muitos poderiam nos perguntar por que insistimos em dizer de alguns santos que eles pertenciam à nobreza, sobretudo na Idade Média. Leva-nos a isso o princípio inaciano do “agere contra”, ou seja, de agir contra a tendência da nossa época, que é a de exaltar plebeus com menosprezo dos nobres.
Além disso, desejamos ressaltar o espírito de fé que predominava naquela época em que “a virtude do Evangelho governava os estados” (Papa Leão XIII), de modo a levar tantos jovens da mais alta nobreza a abraçar a vida religiosa. Pois a riqueza e a nobre nascença, quando bem utilizadas, não são impedimentos, mas incentivos à prática da virtude.
Ubaldo nasceu por volta do ano de 1084 em Gubbio, uma das cidades-estado mais poderosas da Úmbria na Idade Média. Era filho de Rovaldo Baldassinin e pertencia a uma família nobre originária da Alemanha. Batizado na igreja de São João, recebeu o nome de seu tio, bispo de Gubbio. Ubaldo vem do alemão e significa “espírito ousado”, o que descreve bem muitos atos de sua vida. Ele tinha uma irmã chamada Esperança, que mais tarde foi abadessa de um mosteiro camaldulense em Cingoli.
Perdendo os pais quando era ainda muito novo, foi educado na catedral de Gubbio por seu tio. Mais tarde estudou com os cônegos do mosteiro de São Segundo, de sua cidade. Depois na igreja de São Mariano, onde infelizmente não se sentiu bem, devido à corrupção de muitos elementos do clero local, que viviam em concubinato.

Reformando os cônegos da catedral de Gubbio
Ordenado sacerdote em 1114, seu tio o nomeou cônego e depois prior da catedral de Gubbio, para que se empenhasse em reformar vários abusos no comportamento dos cônegos, muitos dos quais levavam vida indecorosa.
Ubaldo soube então que o futuro Beato Pedro de Honestis havia estabelecido alguns anos antes uma comunidade de cônegos regulares no mosteiro de Santa Maria, em Portofuori, Ravena, dando-lhes uns estatutos que haviam sido aprovados pelo Papa Pascoal II.
Esse beato foi também o fundador das Pias Uniões dos Filhos e das Filhas de Maria. Santo Ubaldo permaneceu por três meses com ele para aprender os detalhes e a prática de suas regras, desejando introduzi-las entre seus próprios cônegos de Gubbio. O que fez ao retornar à sua cidade.
Mas não foi coisa fácil. O santo teve de fazer uso de habilidade, persuasão, e do poder de sua personalidade. Primeiro, convenceu três dos cônegos mais generosos a se juntarem a ele na aceitação de uma regra de vida como a das ordens religiosas. O plano funcionou bem, de modo que aos poucos, influenciados pelo bom exemplo, os outros cônegos adotaram a mesma regra e todo o capítulo começou a dar um exemplo melhor.
Ubaldo voltou então para São Segundo. Nessa colegiada ele se encontrou com o futuro São João de Lodi, que fora durante 40 anos monge em Fonte-Avelana e bispo de Gubbio por apenas um ano, o último de sua vida.
Tentação para a vida religiosa

O santo voltara para a sua catedral quando, por volta de 1125, um pavoroso incêndio destruiu muitas casas em Gubbio e a própria catedral, tendo seus cônegos que se dispersarem por outras igrejas.
Desanimado, Ubaldo pensou então em se tornar eremita. Com isso em mente, ele seguiu para o mosteiro de Fonte-Avelana, onde comunicou ao superior, Pedro de Rimini, seu projeto de abandonar o mundo. Pedro se opôs, dizendo-lhe tratar-se de uma tentação perigosa, e o exortou a retornar à sua antiga vocação, na qual Deus o havia fixado para o bem dos outros. O santo então voltou a Gubbio para trabalhar na reconstrução da catedral.
Bispo a contragosto
Foi então que a fama e as virtudes de Ubaldo se difundiram para além de sua cidade. Isso levou os habitantes de Perugia a aclamarem-no bispo em 1126. Porém, não querendo por humildade tal honra, ele se dirigiu ao Papa Honório II (1124-1130), de quem obteve dispensa dessa função. Mas, três anos depois (em 1129), o Pontífice o obrigou a aceitar o bispado de Gubbio.
Como bispo, Dom Ubaldo tinha muitos problemas a resolver. Além dos cônegos casados de San Mariano, havia amargas divisões entre as famílias importantes que ele tinha de enfrentar, além de confrontos com o clero e atos de indisciplina. As oposições ao bispo não se limitaram a ofensas pessoais, mas chegaram mesmo às físicas. Ao que ele respondia com inalterável mansidão, mas nunca com medo ou raiva. E quando surgiram disputas armadas na cidade, ele estava pronto para colocar até a sua vida em risco para detê-las.
Destemor ante os adversários de sua cidade

Como bispo, Dom Ubaldo se distinguiu por sua grande paciência e frugalidade de vida. Ao contrário de outros bispos da época, evitava os excessos de pompas cerimoniosas, grande luxo nas viagens, vestimentas ricas e anéis. Também não abusava de seu cargo para favorecer sua família.
Entretanto, quando era necessário, ele sabia empregar toda a sua energia para defender seus diocesanos. Assim, quando uma coligação de onze cidades rivais cercou Gubbio, ele liderou vitoriosamente sua defesa.
E quando, em 1155, o imperador Frederico Barbarossa, que já havia arrasado Spoleto, avançou ameaçadoramente em direção a Gubbio, o destemido bispo foi falar com ele e o convenceu a poupar sua cidade.
Os habitantes de Gubbio, temendo que algo muito ruim acontecesse com Ubaldo, ficaram muito preocupados. E quando depois de ter salvado a cidade de ser incendiada ele voltou indene, consideraram isso um de seus primeiros milagres.
Para enfrentar todas estas crises, Dom Ubaldo conclamava os cidadãos à oração, fazia-os se sentirem como um só, e os tranquilizava face ao pânico.
Mas ele mesmo não estava isento de perigos. Conta-se que certa vez ele não hesitou em se jogar no meio de uma briga furiosa, colocando sua vida em risco. Tal foi o tumulto, que seus diocesanos temeram por sua vida, ao encontrarem-no caído no chão, atordoado.
Em outra ocasião, pedreiros que consertavam os muros da cidade invadiram seu jardim e pisotearam suas videiras. O bispo educadamente chamou-lhes a atenção para o problema, mas o capataz levou a repreensão para o lado pessoal, começou a gritar e gesticular, e finalmente deu um forte empurrão em Ubaldo.
Perdendo o equilíbrio, o santo bispo caiu numa poça de argamassa molhada. Quando se levantou, estava inteiramente coberto de areia e cal. No entanto, ele não disse nada, simplesmente voltou para casa a fim de se limpar. Mas testemunhas prontamente denunciaram o capataz, que foi preso e levado perante o tribunal da cidade.
Ao saber disso, o Prelado correu ao tribunal e disse ao magistrado: “Este caso, como envolve um ataque a um clérigo, é da alçada da Igreja”. Então abraçou o capataz como sinal de reconciliação, e rezou para que Deus o perdoasse por suas ofensas, obtendo assim sua liberdade.

Últimos e dolorosos anos
Dom Ubaldo governou a diocese de Gubbio durante 31 anos, durante os quais venceu com alegria as adversidades e os obstáculos. Conseguiu subjugar os seus inimigos com gentileza e apaziguar os seus adversários com mansidão de espírito.
No fim da vida ele foi acometido por uma doença incomum e repulsiva. Segundo análises realizadas em sua múmia em 2017, revelou-se tratar-se de penfigóide bolhoso, uma doença cutânea auto-imune que causa grandes lesões pruriginosas generalizadas no corpo, cobrindo-o de pústulas dolorosas que emitem continuamente um líquido seroso, esbranquiçado e mal cheiroso.
Nesse estado, o santo bispo celebrou sua última missa na Páscoa de 1160, para não deixar de exercer até o fim seus deveres episcopais.
No domingo, 15 de maio, pediu a extrema-unção e faleceu na madrugada de 16 de maio de 1160. Devido ao grande afluxo de fiéis que iam venerar seu corpo, o funeral foi celebrado apenas no quarto dia após sua morte. Ele deixou todos os seus bens para os pobres, sendo-lhe atribuídos profecias e milagres ainda em vida. Entre estes está a cura de uma menina surda-muda e de um cego.
Os habitantes de Gubbio o escolheram para seu santo padroeiro, pois o santo bispo se tornara para eles um modelo perfeito de todas as virtudes cristãs e um poderoso protetor em todas as necessidades espirituais e temporais. Sua vida foi escrita por Teobaldo, seu sucessor imediato na Sé episcopal de Gubbio.
O corpo de Santo Ubaldo encontrava-se incorrupto no momento de sua canonização pelo Papa Celestino III em 1192. Ele foi trasladado para uma pequena igreja no cume da montanha sobre sua cidade, onde passou a ser objeto da veneração de muitos peregrinos.
Até hoje o corpo de Santo Ubaldo permanece incorrupto, embora a carne esteja escura e mumificada. Mas a incorruptibilidade não foi o que motivou sua canonização; ele foi declarado santo particularmente por causa de sua gentileza heroica. Ubaldo tinha bem em mente a admoestação de Nosso Senhor: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29).*
Uma relíquia de Santo Ubaldo é venerada na igreja colegiada de Saint-Thiébaut em Thann, na Alsácia. Dante o cita em sua famosa Divina Comédia (Paraíso, Canto IX).
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* Pe. Robert F. McNamara, https://saints-alive.siministries.org/saints-alive/saint/st-ubald-of-gubbio/
– Outras obras consultadas: