São Gregório o Iluminador, Confessor

Amplamente tido como responsável  pela reconversão da Armênia ao Cristianismo, país  do qual, além de padroeiro, teria sido o primeiro bispo, sua festa litúrgica é celebrada no dia 30 de setembro.

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Estátua de São Gregório o Iluminador, na Brasílica de São Pedro, Vaticano
  • Plinio Maria Solimeo

Ao contrário do que se pensa, São Gregório não foi o primeiro a introduzir o cristianismo na Armênia. Segundo antiga tradição local, vários dos Apóstolos lá pregaram, e alguns deles, como São Bartolomeu e São Judas Tadeu, morreram no país. O primeiro teria sido martirizado em Albanópolis sendo, de acordo com alguns, decapitado, e segundo outros, esfolado vivo e crucificado de cabeça para baixo, por ordem de Astíages, por ter convertido seu irmão, Polírio, rei da Armênia. Quanto a São Judas, é-lhe atribuído a evangelização daquela terra.

Essa legenda é tão persistente que até hoje a Igreja Armênia alega estar ocupando o “Trono de São Tadeu”. Embora lendária, esta tradição testemunha que o cristianismo, em data bastante antiga, passou da Síria para a Armênia.

Seja como for, é certo que houve cristãos no país, mesmo bispos, antes de São Gregório. De acordo com Eusébio de Cesareia, em sua História Eclesiástica, um bispo de Alexandria, Dionísio (248-265), teria escrito uma carta sobre a penitência aos bispos armênios.

Entretanto, esta igreja primitiva teria sido destruída na invasão dos persas, e o país recaído no paganismo.

Filho de um homicida

São Gregório batiza o povo armênio – Ivan Alvazovsky (1892). Galeria Nacional de Arte Alvazovsky, em Teodósia, Crimeia (Ucrânia)

A vida de São Gregório foi recontada pela primeira vez em biografia datada de cerca do ano 460, sendo mais ou menos contemporânea da história dos armênios por Agathangelos.

O nome do santo, segundo essa biografia, era Grigor Lusavorich, tendo nascido ele na Capadócia entre os anos 239 e 257. Era filho de Anak Partev, o Parta, príncipe que se dizia relacionado aos reis arsácidas da Armênia. Sua família era rica e influente. Anak, sendo pago pelo rival Império Sasaniano, da Pérsia — que durou de 224 a 651 —, assassinou o rei armênio Khosrov de Kadj. Foi, entretanto, morto, com sua família, pelos vingativos parentes de Khosrov. Gregório, ainda pequeno, escapou da execução com a ajuda de Sopia e Yevtagh, seus aios, e levado para Cesareia de Capadócia, então província romana, onde foi criado como cristão.

Nada sabemos dos seus primeiros anos e estudos, a não ser que frequentou uma escola grega. Contudo, sua atuação depois como bispo, leva a deduzir que Gregório teve uma esmerada educação.

Ao chegar à idade adulta, o santo se casou com Miriam, uma devota cristã filha de um príncipe armênio da Capadócia. De sua união nasceram dois filhos, Vrtanes e Aristaces. O primogênito contraiu matrimônio, e dele São Gregório teve descendentes. Quanto a Aristaces, quando o pai se retirou, ele o sucedeu em sua Sé episcopal como Catholicos.

Volta à Armênia e prisão

Gregório deixou a Capadócia e voltou para a Armênia na esperança de reparar o crime de seu pai, evangelizando sua terra natal. Para isso ele, de comum consentimento com a esposa, dela se separara para que pudesse dedicar-se à vida monástica. Miriam também se consagrou a Deus.

Enquanto isso, na Armênia, um filho de Khosrov II, Trdat, que tinha conseguido fugir, fora treinado no exército romano, e voltou a seu país para expulsar os persas e restaurar o reino armênio. Vitorioso, ele se tornou Tiridates III — equivocadamente chamado por alguns de Tiriades IV —, ou “Tiridates, o Grande”, reinando de 298 a 330 de nossa era.

Ao voltar à Armênia, Gregório obtivera uma posição na corte. Entretanto, zeloso pela sua fé, começou a combater o culto pagão lá imperante, recusando-se a participar dos ritos diabólicos que ali se praticavam. Isso irritou o rei Tiridates que, levado também pelo fato de que Gregório era filho do assassino de seu pai, ordenou que ele fosse preso por 14 anos em uma cova na planície do Ararat, sob a igreja atual de Khor Virap, localizada perto da cidade histórica de Artashat.

Gregório foi então torturado e jogado na terrível prisão Khor Virap, conhecida como o poço do esquecimento, porque ninguém jamais dela tinha retornado.

Catedral de São Gregório o Iluminador, em Yerevan, capital da Armênia.

Liberdade, conversão do rei

O santo jazia por 13 anos nesse fosso, pelo que se supõe empregando seu isolamento forçado à oração e penitência, quando ocorreu um fato que iria mudar-lhe inteiramente a vida.

O rei Tiridates se sentiu traído pelo imperador Diocleciano, que invadira vastas áreas do território das províncias ocidentais da Grande Armênia, transformando-as em protetorados de Roma. O choque para ele foi tão violento que — muitos dizem ter havido nisso também ação diabólica — foi atacado de licantropia (distúrbio no qual o indivíduo pensa ser ou ter sido transformado em animal), perdendo o uso da razão.

Isso estava assim quando Khosrovidukht, irmã de Tiridates, teve uma visão na qual lhe era revelado que a única pessoa que poderia curar o rei de sua terrível doença seria exatamente Gregório. O que era especialmente irônico, pois a doença só ocorrera após as ordens do rei de matar um grupo de virgens cristãs que haviam fugido da perseguição em Roma.

Consequentemente o santo foi libertado e, segundo a tradição, mediante exorcismos, conseguiu fazer voltar a saúde ao rei, converteu-o, e o batizou em 301, a ele e a toda a sua corte. A aristocracia armênia rapidamente seguiu o exemplo da família real, e muitos nobres se converteram ao cristianismo. Tiridates emitiu então um decreto pelo qual concedia a Gregório plenos direitos para realizar a conversão de toda a nação à fé cristã.

Desse modo a Armênia se tornou o primeiro país no mundo a adotar o cristianismo como religião oficial do Estado. Como isso se deu quando Diocleciano era imperador (284-305), pode-se dizer que a Armênia tem o direito de reivindicar ser o primeiro Estado cristão.

Progresso do cristianismo

Consequentemente, os antigos templos pagãos foram demolidos, os centros dos zoroastrianos passaram para os cristãos, e toda a nação foi obrigada a abraçar a nova fé. Igrejas e mosteiros surgiram em toda parte, inclusive no Khor Virap, a prisão de Gregório por tanto tempo, que acabou sendo convertida em mosteiro.

A conversão da Armênia ao cristianismo foi provavelmente o passo mais crucial de sua história. Levou o país para longe de seu passado persa, e o rotulou, por séculos, com um caráter intrínseco cristão, tão claro para a população nativa, como para aqueles de fora de suas fronteiras.

Essa nação há muito vinha sendo disputada por Roma e pela Pérsia, estando entre os dois grandes impérios do período. Embora a adoção do cristianismo a tenha deslocado para mais perto da cultura religiosa romana, uma das consequências disso foi que, a perseguição da religião zoroastrista da Pérsia, a ajudou a criar um Estado mais ferozmente independente. Pois, como o império sassânida tentava impor o zoroastrismo aos seus vizinhos, o cristianismo transformou-se num meio de resistir ao imperialismo político e cultural persa. O que era bem-visto por Roma.

Sagração episcopal

Precioso relicário que guarda a mão direita do Santo

Entrementes, Gregório voltara para Cesareia a fim de receber a ordenação sacerdotal. Aconteceu então que o bispo Leôncio de Cesareia não só lhe conferiu a ordenação sacerdotal, mas o sagrou primeiro bispo dos armênios depois da restauração do cristianismo. A partir desse momento até o cisma monofisista, a Igreja da Armênia dependeu de Cesareia, e os primazes armênios (chamados Catholicoi, e depois, muito mais tarde, patriarcas) lá iam para serem ordenados.

Por sua vez, São Gregório sagrou outros bispos em toda a Armênia, e fixou sua residência em Ashtishat, na província de Taron, onde um antigo templo pagão foi transformado em sua catedral. Esta se transformou na “mãe de todas as igrejas armênias”. Ao seu lado foi construído um mosteiro, o Surb Karapet, com seu santuário em honra de São João Batista, que se transformaria em importante local de peregrinação por 16 séculos, até a sua destruição em 1915.

O santo pregava na língua nacional, e a usava também na liturgia. Isso ajudou a dar à Igreja Armênia o caráter marcadamente nacional que ainda tem, talvez mais do que qualquer outra na cristandade.

Morte e glorificação

No final de sua vida, São Gregório retirou-se para o isolamento da caverna de Mane, no noroeste da Armênia, onde viveu como asceta, preparando-se para a morte.

Esta chegou entre os anos 325 e 330, sendo ele enterrado em Tordan, às margens do rio Eufrates, na província ocidental de Daranaghik, embora mais tarde seus restos mortais tenham sido distribuídos como relíquias por várias igrejas em todo país. Um mosteiro foi construído perto de seu túmulo. Suas relíquias principais foram depois levadas para Constantinopla, mas aparentemente voltaram à Armênia. Parte delas teria sido levada para Nápoles durante os problemas dos Iconoclastas.

Infelizmente a Igreja Armênia, chamada “gregoriana”, não tardou a se afastar, tanto de Bizâncio, quanto de Roma, tornando-se cismática monofisita. Essa é a atualmente majoritária no país. A Igreja Uniata Armênia, unida à Roma, ficou reduzida em minoritária parte da nação, e hoje parte dos armênios católicos expatriados levam sua tradição às nações onde se radicam, ou seja, o rito, o Rito Armênio.

Tanto os católicos quanto os cismáticos, celebram São Gregório, o Iluminador, como seu grande santo.

Os descendentes de São Gregório continuaram seu trabalho, notavelmente seu filho mais novo, Aristaces que, conhecido por seu ascetismo, foi seu sucessor, sendo o cargo hereditário. Nessa qualidade participou do primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia, em 325. Quando morreu em 333, seu irmão, Vrtanes, tornou-se bispo, cargo que passou para seu filho Husik I por volta de 341. São Gregório nomeara seu neto do mesmo nome, um dos filhos de Vrtanes, encarregado das missões sagradas aos povos e tribos de todo o Cáucaso e da Albânia caucasiana. Esse santo foi martirizado por uma multidão fanática enquanto pregava na Albânia.