DECLARAÇÃO FRANCISCO–KIRILL: ucranianos sentem-se “traídos” pelo Vaticano

Francisco e Kirill 01

1. Na sexta-feira, 12 de fevereiro 12 último, em Havana, o Papa Francisco e Kirill, o patriarca ortodoxo de Moscou, assinaram uma extensa declaração [foto acima] com pontos delicados e complexos concernentes à Ucrânia.

2. Numa afirmação muito do agrado do patriarca de Moscou, qualifica-se como “inaceitável” o uso de supostos “meios desleais” ou “incorretos” que, segundo os signatários, teriam sido utilizados na Ucrânia para incentivar os fiéis a mudarem da Igreja Ortodoxa dependente do Kremlin para a Igreja Católica dependente de Roma (cf. edições oficiais vaticanas em português, inglês e italiano; a edição oficial em espanhol usa a expressão “meios incorretos”).

3. A acusação de alegada “deslealdade” ou “incorreção” é de inusitada gravidade e inclusive injusta, porque censura os católicos ucranianos “uniatas” [unidos novamente a Roma] que durante décadas resistiram espiritualmente à influência pró-comunista do Patriarcado de Moscou e que aderiram ao Catolicismo após a queda do império soviético. Poucas linhas mais abaixo, a declaração conjunta repisa a dura e injusta censura, condenando com todas as letras o “método do ‘uniatismo’ do passado”.

No cento, Dom Sviatoslav Shevchuk, Arcebispo de Kiev, numa procissão do rito da Igreja Greco-católica da Ucrânia, unida a Roma
No centro, Dom Sviatoslav Shevchuk, Arcebispo de Kiev, numa procissão do rito da Igreja Greco-católica da Ucrânia, unida a Roma

4. Não é de estranhar que em muitos católicos ucranianos a declaração conjunta tenha causado comoção. É o que reconheceu Dom Sviatoslav Shevchuk [foto acima], Arcebispo de Kiev e Primaz da Igreja Greco-católica da Ucrânia, unida a Roma: “Sem dúvida, o texto da declaração conjunta causou uma profunda decepção em muitos fiéis da nossa Igreja e em cidadãos conceituados da Ucrânia”. O Arcebispo Shevchuk acrescentou que muitos desses ucranianos entraram em contato com ele para lhe manifestar que “se sentem traídos pelo Vaticano”, que ficaram decepcionados com o sistema de “meias verdades” do documento e até mesmo veem nesse texto conjunto “um respaldo indireto da Santa Sé à agressão russa contra a Ucrânia”.

5. “De acordo com nossa experiência, acumulada ao longo de muitos anos, pode-se dizer que quando o Vaticano e Moscou organizam encontros, ou assinam textos conjuntos, é difícil esperar algo de bom”, afirmou o Arcebispo católico de Kiev. E acrescentou, entre outros conceitos: “Desejaria fazer notar que, na minha condição de Primaz de nossa Igreja, eu sou membro oficial do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, nomeado por Bento XVI. Entretanto, ninguém me convidou para manifestar meu pensamento, com o qual, basicamente, como já ocorreu em outras ocasiões, eles falam sem nos representar, sem nos dar oportunidade de falar”.

6. A seguir, links para acessar o texto completo em inglês de duas entrevistas concedidas pelo Arcebispo católico Sviatoslav Shevchuk. A primeira delas foi concedida poucos dias antes da assinatura em Havana do documento conjunto, e a segunda, um dia depois. Devido à importância do tema, recomendamos vivamente a leitura de ambas as entrevistas.

* * *

“Two Parallel Worlds” – An Interview with His Beatitude Sviatoslav

Sunday, 14 February 2016, 16:58

http://www.cubdest.org/1606/c1602ucrarzpost.htm

 

“I do not expect that much will change” – His Beatitude Sviatoslav on the Meeting of Pope Francis with Patriarch Kirill

Saturday, 06 February 2016, 11:56

http://www.cubdest.org/1606/c1602ucrarzpre.htm

_______

(*) Notas de “Destaque Internacional” — uma visão “politicamente incorreta” feita a partir da América do Sul. Documento de trabalho (Segunda-Feira, 15 de fevereiro de 2016). Este texto, traduzido do original espanhol por Paulo Roberto Campos, pode ser divulgado livremente.

2 comentários para "DECLARAÇÃO FRANCISCO–KIRILL: ucranianos sentem-se “traídos” pelo Vaticano"

  1. Marcos Costa   16 de fevereiro de 2016 at 16:06

    VOZ DOS QUE SE CALAM ACABRUNHADOS…

    Essa frase veio-me à memória lendo o artigo de Gonzalo Guimaraens sobre esse encontro entre Francisco I e Kirill, este representando os ortodoxos de Moscou. Esclareço, a frase não é minha — é da pena do Prof Plinio Corrêa de Oliveira de que eu seguia os artigos na Folha de São Paulo

    Sim, esse artigo de Guimaraens acaba sendo a Voz dos que se Calam… perplexos, sim, católicos perplexos pelo mundo afora — vendo Franscisco I ir à Cuba (lugar “neutro”) para assinar uma declaração conjunta com o Patriarca Ortodoxo.
    Escolher uma Ilha_Prisão para um encontro? Como pode surgir semelhante idéia? Será que veio do Ortodoxo, ele mesmo, um assecla do regime russo? (ex- comunista?)

    Um culto membro da Hierarquia católica já me havia explicado que esse Patriarcado Ortodoxo Russo é muito mais fachada do que realidade: enquanto seguidores tem esse chefe ortodoxo uma pequena faixa de adeptos.

    A Igreja Católica, sim, essa é uma potência.
    Fazer um acordo com esse representante de uma pequena faixa de russos e ainda ofender os católicos ucranianos: qualifica-se como “inaceitável” o uso de supostos “meios desleais” ou “incorretos” que, segundo os signatários, teriam sido utilizados na Ucrânia para incentivar os fiéis a mudarem da Igreja Ortodoxa dependente do Kremlin para a Igreja Católica dependente de Roma (cf. edições oficiais vaticanas em português, inglês e italiano; a edição oficial em espanhol usa a expressão “meios incorretos”).

    Vamos dar VOZ AOS QUE SE CALAM ACABRUNHADOS.

    CostaMarques

  2. Edson Borges   17 de fevereiro de 2016 at 17:32

    – Trata-se aqui da unidade das diversas Igrejas Cristãs e não de unir Russia e Ucrânia, esta permanecem independentes, mas os Católicos e Ortodoxos, voltam lentamente à uma unidade sacramental, só isso!