Necessidade dos recursos da Igreja para nossa “última viagem”

Morte de um herói – Nils Forsberg (1842–1934). Museu Nacional de Belas Artes, Estocolmo, Suécia.
  • Afonso de Souza

Em filosofia há um conhecido axioma que diz: “Todo homem é mortal. Ora, Sócrates é homem, logo Sócrates é mortal”.

         Não há certeza mais evidente e mais insofismável do que a de que todos morreremos um dia. Isso leva a considerar que, para os que temos fé, nossas últimas horas neste mundo poderão decidir nossa eterna salvação ou eterna perdição.

         Daí a necessidade de nos prepararmos bem para esta nossa última grande viagem para a eternidade, com os benefícios que a Santa Igreja põe à nossa disposição para esse momento.

Assim, quando o gongo já soou para nós e estamos no leito de morte, além de nos confessarmos e recebermos a Sagrada Comunhão, podemos ainda nos valer de um outro sacramento que a misericórdia de Deus instituiu para essa hora suprema, a Extrema Unção ou Unção dos Enfermos. Esse sacramento produz na alma, e mesmo no corpo do enfermo, admiráveis efeitos, como o de abrir mais facilmente as portas do Paraíso.

Extrema Unção – Rogier van der Weyden (1400- 1464). Museu Real de Belas Artes de Antuérpia, Bélgica

O sacramento da Unção dos Enfermos foi deduzido das palavras do evangelho de São Marcos: “E, tendo partido [os Doze Apóstolos], pregavam aos povos que fizessem penitência, e expeliam muitos demônios, e ungiam com óleo muitos enfermos e os curavam” (6, 12-13).

         Contudo, é na epístola de São Tiago que vem descrito mais explicitamente esse sacramento: “Está alguém entre vós enfermo? Chame os presbíteros da Igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o doente; o Senhor o levantará e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (5, 14-15).

         Desse modo o apóstolo só deu a conhecer um rito estabelecido pelo próprio Redentor e prescreveu seu uso, como diz o Concílio de Trento, citado pelo Catecismo da Igreja Católica[i]: “Esta santa unção dos enfermos foi instituída por Cristo nosso Senhor como sacramento do Novo Testamento, verdadeira e propriamente dito, insinuado por São Marcos (120 – Cf. Mc 6, 13.), mas recomendado aos fiéis e promulgado por São Tiago, apóstolo e irmão do Senhor”.

Das palavras de São Tiago vem a seguinte definição do Sacramento dos Enfermos: “Unção de óleo, acompanhada de súplica, feita sobre os doentes, pelos presbíteros, a fim de lhes procurar a saúde da alma — pela remissão dos pecados, quando necessária — e, querendo Deus, a saúde corporal”.

Sobre os benefícios sem nome ligados à Unção dos Enfermos, o Concílio de Trento definiu: “A realidade causada pelo Sacramento é a graça do Espírito Santo, cuja unção: a) apaga os pecados a serem perdoados, se ainda os há; b) apaga também os remanescentes dos pecados; c) alivia e fortifica a alma do doente, nele excitando grande confiança na misericórdia divina. Por ela sustentado, o enfermo suporta melhor os incômodos e trabalhos da doença; resiste mais facilmente às tentações do demônio que lhe arma insídias ao calcanhar (Gen 3,15); d) por vezes, quando convém à salvação da alma, recobra a saúde do corpo”[ii].

Como com a morte não se brinca — e muito menos com a salvação eterna —, dizem os teólogos ser muito conveniente que o enfermo receba a absolvição de seus pecados pela confissão, apenas iniciada a gravidade, mesmo se não existir perigo próximo de morte.

É por isso que se deve ministrar esse sacramento condicionalmente mesmo a quem está aparentemente (mas não certamente) morto. Pois a morte aparente prolonga-se até meia hora depois do último suspiro nos casos de doença prolongada ou de velhice, e por duas horas mais ou menos após a morte aparente nos de morte súbita ou violenta. O que levava a que, nos tempos em que ainda havia fé no povo, tão logo ocorresse um acidente, a ir-se imediatamente chamar um sacerdote para atender o sinistrado. E com isso quantas almas se salvavam!

Monsenhor Penido dá um exemplo para mostrar a eficácia desse sacramento: “Suponhamos um pecador inveterado, surpreendido por mal súbito. Perdeu a fala, e não mais pode confessar-se. Mas intimamente teme o inferno, quer reconciliar-se com Deus e sua Igreja, que tanto desprezou. Receba os santos óleos, e todos os pecados ser-lhe-ão perdoados sem tardança”, abrindo-lhe as portas do Paraíso!

         Sabemos, por experiência, quanto despedaça o coração propor a um enfermo mui estremecido que receba os últimos Sacramentos. Mas porventura não lhe proporíamos um tratamento penoso, por exemplo uma operação dolorosíssima, no afã de tudo tentar para lhe salvar o corpo? E para a alma, nada faríamos? Isso seria aterradora prova de materialismo prático, argumenta Mons. Penido.

         Afirmam, portanto, os teólogos, que não se deve esperar que o doente chegue à derradeira extremidade, quando já perdeu muito de sua lucidez, para chamar o sacerdote. Pois os santos óleos não são o Sacramento dos cadáveres, nem apenas dos agonizantes, mas o Sacramento dos enfermos, instituído para o reconforto espiritual e corporal dos doentes.

Mas não param aí os benefícios da Santa Madre Igreja em favor dos que nos precedem acompanhados do sinal da fé. Qualquer sacerdote que assista o enfermo pode conferir-lhe também uma bênção papal com indulgência plenária.

Por que, hoje em dia, se privam nossos caros doentes de todos esses celestes benefícios, negando-lhes o acesso aos últimos sacramentos? Pode-se ser mais cruel?


[i]Catecismo da Igreja Católica,

http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p2s2cap1_1420-1532_po.html

[ii]InMons. Dr. M. Teixeira-Leite Penido, Iniciação Teológica – Volume II,

O MISTÉRIO DOS SACRAMENTOS, Editora Vozes Limitada, Petrópolis, 1961, Capítulo V, O Sacramento dos Enfermos, pp. 391 e ss.