
Dedicado desde pequeno às coisas de Deus, com fama de santidade já em vida, tornou-se um dos maiores taumaturgos da Igreja, pelo número de milagres que operou. Sua festa litúrgica é celebrada no dia 24 de dezembro.
- Plinio Maria Solimeo
Quando se ouve falar do Líbano, a ideia que vem à mente é a de um país legendário, bíblico. Realmente, ele o é. Citado mais de 70 vezes nas Sagradas Escrituras, quase sempre de modo poético, o próprio Nosso Senhor, que restringira sua vida pública às terras da Palestina, abriu uma honrosa exceção ao Líbano, indo até Tiro e Sidônia.
Com um povo muito religioso outrora majoritariamente católico, seu território está salpicado de igrejas e santuários, predominando entre os católicos os do rito oriental Maronita.
Para nós, ocidentais, nos situarmos melhor na vida de São Charbel, julgamos útil oferecer alguns dados de como viviam os maronitas em seu tempo. Esse rito tem a honra de ser o único, nas igrejas orientais, a sempre permanecer fiel à Igreja Católica Apostólica Romana, nunca tendo passado por cisma.
Conquanto fossem de raça síria, os libaneses até pelo menos fins do século XIX falavam o árabe, sob a forma de dialeto. Contudo, como o Líbano estava então sob o protetorado da França, com a qual mantinha cordiais relações desde o século XVI, a língua e a cultura francesa se disseminaram no país por meio dos missionários daquela nação. É por isso que muitos libaneses falavam e ainda falam essa língua.
A liturgia usada pelos maronitas talvez fosse, e ainda seja, a do rito siríaco, baseada na liturgia de São Tiago, mas com algumas adaptações inspiradas no rito latino, sendo celebrada em aramaico, a língua falada por Jesus Cristo. Contudo, para benefício do povo miúdo, o Evangelho era lido em árabe. As práticas devocionais da Igreja Latina eram mais costumeiras entre os maronitas do que entre as outras igrejas orientais.[1]
Sobre a devoção mariana dos católicos orientais, comenta o bispo maronita Dom Joseph Mahfouz : “A devoção à Mãe de Deus é, dizem, apanágio dos cristãos do Oriente; pode-se também afirmar que todo coração libanês, e em particular maronita, é um coração mariano. Todo ofício maronita deve conter hinos à Virgem Maria; e toda cerimônia religiosa deve incluir orações Àquela que foi a co-redentora da humanidade”.[2]
Assim era a vida da Igreja Católica no Líbano, em cujo solo nasceu um dos maiores taumaturgos dos tempos contemporâneos: São Charbel Makhlouf.

Dedicado desde pequeno às coisas de Deus
Charbel Makhlouf nasceu no dia 8 de maio de 1828 na aldeia de Bigah-Kafra, a mais alta do Líbano, situada a 1600 metros de altitude. Era o quinto filho do casal Antun Zarour Makhlouf e Brígida Al-Chidiac. Tinha dois irmãos e duas irmãs. Recebeu no Batismo o nome de Youssef (José).
De fé sólida e piedade sincera, sua família era modesta e vivia da agricultura, ambiente rural conscienciosamente religioso no qual Youssef cresceu. Aos três anos ele perdeu seu pai, passando a ser tutelado pelo seu tio paterno, Tanios.
Youssef frequentou a escola paroquial da aldeia. Desde pequeno demonstrou profundo sentimento religioso e propensão para a contemplação. De vez em quando deixava as brincadeiras e isolava-se numa gruta, para estar a sós com Deus. Os outros meninos passaram a chamar essa gruta, por ironia, de “a gruta do santo”.
Como em todas as famílias maronitas daquele tempo, à noite Youssef e seus irmãos se ajoelhavam ao redor da mãe e repetiam as preces que ela fazia, enquanto o incenso queimava num prato junto ao altarzinho suspenso à parede, dedicado a Nossa Senhora.
No inverno, com a neve cobrindo os campos e parte das casas —atingindo às vezes quatro metros —, Youssef ajudava a mãe nos afazeres domésticos. Na primavera, levava a vaca e os cordeiros da família para pastar, e ajudava o tio no cultivo do campo, sobretudo no das amoreiras para criar o bicho da seda, naquele tempo o principal meio de vida da montanha libanesa.
Enquanto trabalhava, com o pensamento sempre posto nas coisas divinas, Youssef rezava a Nossa Senhora, para que o ajudasse a tornar-se monge como seus dois tios maternos.

“Deus me quer inteiramente para Si”

Apesar de seu afeto materno e da oposição do tio — que necessitava de braços para o campo —, aos 23 anos Youssef decidiu fugir de casa e apresentar-se no mosteiro de Nossa Senhora de Mayfouq, da Ordem Maronita, na região de Byblos. Aí começou o noviciado, escolhendo o nome religioso de Charbel, em honra do santo martirizado em Edessa no ano 107.
Descobrindo seu destino, a mãe e os parentes tentaram várias vezes demovê-lo de seu intento, ao que ele respondia peremptoriamente: “Deus me quer inteiramente para Si”.
Depois do primeiro ano de noviciado, o Irmão Charbel foi enviado para fazer o segundo ano — de provação — no mosteiro de São Maron, de Annaya, cujos monges se dedicavam a cantar o Ofício Divino em aramaico sete vezes por dia, a estudar a liturgia e a vida monástica, e a aperfeiçoar-se no caminho da perfeição. Além disso, cuidavam dos trabalhos domésticos, como fazer pão, cultivar a terra, ou mesmo ser sapateiro-remendão ou carpinteiro.
Em 1853, aos 25 anos, Charbel pronunciou seus votos solenes de pobreza, obediência e castidade. Foi então enviado ao mosteiro de São Cipriano, em Batroun, onde funcionava o Seminário Teológico da Ordem Libanesa Maronita de que foi aluno, tanto em teologia quanto em santidade, do Beato Pe. Nimatullah Kassab Al-Hardini. Sempre um dos primeiros da classe, após seis anos de estudos teológicos Charbel foi ordenado sacerdote em 23 de julho de 1859, em Bekerké, sede patriarcal maronita.
Tendo sua mãe ido visitá-lo — por amor à Regra e Àquele que o “queria inteiramente para Si” —, ele se limitou a falar com ela do interior da capela, sem que um pudesse ver o outro. E dizia que o monge que mantém contacto com seus parentes depois de professo deveria recomeçar o noviciado.

A fama de taumaturgo se propaga
O Pe. Charbel voltou então para o mosteiro de São Maron de Annaya, onde permaneceria até o fim de sua vida.
Exercendo o múnus sacerdotal com muita edificação, encarregando-se por humildade dos trabalhos manuais da comunidade, logo começaram rumores de milagres operados por ele.
Certo dia, por exemplo, os monges trabalhavam num campo, quando viram uma perigosa serpente. Quiseram espantá-la, sem sucesso. Chamaram então o Pe. Charbel, que ordenou à serpente que fosse embora sem molestar ninguém. Ela obedeceu. Outra vez, gafanhotos estavam devastando a região quando receberam ordem do Pe. Charbel para se afastarem. Eles o fizeram imediatamente.
Por ordem de seus superiores, o Pe. Charbel curou vários doentes desenganados pela medicina. Certa vez chegou acorrentado ao convento um louco furioso, agressivo e perigoso, chamado Jibrail Saba. O religioso ordenou-lhe pôr-se de joelhos, ao que ele obedeceu. Colocou então suas mãos sobre a cabeça do infeliz e rezou. Depois disso, entregou-o inteiramente curado aos seus parentes.
“Quero viver ignorando os prazeres deste mundo”

Como sentira desde cedo o chamado à solidão, o Pe. Charbel pediu várias vezes permissão para se retirar a um eremitério. Mas, por ser muito útil à comunidade, a permissão foi sendo adiada.
Finalmente, em 1875, após 16 anos de vida em comum, um fato miraculoso obter-lhe-ia a desejada permissão. Depois de mais uma insistência do Pe. Charbel, o Superior pediu-lhe que esperasse um pouco mais e lhe deu um processo urgente para estudar, dizendo-lhe que tinha licença para fazê-lo até mais tarde da noite.
O Pe. Charbel foi então à cozinha para que colocassem azeite em sua lamparina. Querendo zombar do sisudo monge, em vez de azeite, o servente colocou água. Absorto em seus profundos pensamentos, São Charbel nada percebeu e se retirou. Foi à cela e acendeu naturalmente a lamparina sem nada desconfiar, e pôs-se a rezar.
O servente, que estava à espreita, viu perplexo a lamparina acesa… Correu então ao padre superior para lhe contar o sucedido. Este foi imediatamente à cela de São Charbel e constatou o fato maravilhoso. No dia seguinte, avisado do milagre, o Geral da Ordem autorizou imediatamente o Pe. Charbel a ocupar, no eremitério de São Pedro e São Paulo, pertencente ao próprio mosteiro, a cela do Pe. Eliseo Kassab Al-Hardini, irmão do Beato Al-Hardini, então falecido.
O eremitério ficava situado a 1.400 metros de altitude. O eremita permanecia sob a jurisdição do superior do convento e fazendo parte da comunidade, apesar de sua vida retirada. Fazia uma só refeição por dia, composta de legumes verdes ou cozidos, cereais e azeitonas. Por penitência, nunca comeu frutas. A refeição era entregue pelo mosteiro.
Contrariamente à moderna “Teologia da Libertação” e à nova missiologia, ele dizia: “A pobreza favorece a salvação. A frugalidade fortalece a alma. Quero viver nas privações, ignorando os prazeres e as doçuras deste mundo. Quero ser o servidor de Cristo e de meus irmãos”.
Um de seus piores tormentos, na altitude em que vivia, era o frio do rigoroso inverno libanês. “O padre Charbel, malvestido, mas com vestes limpas, mal alimentado, mas com boa saúde, exposto sem defesa ao frio e ao calor, privado de qualquer conforto e qualquer ternura humana era, entretanto, o homem mais feliz do mundo, pois o Senhor tornara-se sua verdade, sua força, sua riqueza, sua alegria e a razão de sua vida”[3].
A vida post-mortem de São Charbel

Depois de 23 anos de vida eremítica — com sua legendária obediência e angélica castidade transparecendo em todo seu ser, sua pobreza e sua oração contínua pelas quais imitou os maiores Santos da Igreja —, Charbel Makhlouf morreu no dia 24 de dezembro, vigília de Natal do ano 1898.
Ao dar início ao seu processo de beatificação, em abril de 1954, Pio XII afirmou: “O Pe. Charbel já gozava, em vida, sem o querer, da honra de o chamarem santo, pois a sua existência era verdadeiramente santificada por sacrifícios, jejuns e abstinências. Foi vida digna de ser chamada cristã e, portanto, santa. Agora, após a sua morte, ocorre este extraordinário sinal deixado por Deus: seu corpo transpira sangue há já 79 anos, sempre que se lhe toca, e todos os que, doentes, tocam com um pedaço de pano suas vestes constantemente úmidas de sangue, alcançam alívio em suas doenças e não poucos até se veem curados.”[4]
Em 1952, quando foi feita a terceira exumação do corpo de São Charbel, “o corpo foi retirado do caixão e sentado numa cadeira, diz testemunha ocular. Os braços e as pernas dobrados, curvados. A cabeça inclinada, balançava dum lado para outro. As vestes sacerdotais e as roupas interiores estavam encharcadas de sangue”.[5]
O número de milagres operados por ele nessa ocasião foi tão grande, que Anaya, onde está seu mosteiro, foi chamada de “A Lourdes libanesa”. Somente entre 22 de abril de 1950 e 25 de junho de 1955 foram registradas nos anais do Convento São Maron 237 curas, muitas constatadas e confirmadas por médicos.[6]
Um último
fato: durante sua vida, São Charbel nunca foi fotografado. Entretanto, sua foto
que corre o mundo foi, segundo testemunhas fidedignas, produto de mais um de
seus estupendos milagres. Em 1950, o Pe. George Webby, sacerdote maronita de
Scranton, nos Estados Unidos, visitou o Líbano e tomou uma foto de monges do
lado de fora do mosteiro onde o santo vivera. Quando revelou a foto, viu que
São Charbel aparecia milagrosamente entre os monges, de acordo com informação
fornecida pela igreja de Santo Antônio.[7]
[1] J. Labourt, Maronites, The Catholic Encyclopedia, 1910, CD Room Edition.
[2] Dom Joseph Mahfouz, O.L.M., Os Santos Maronitas, Bispado Maronita do Brasil, São Paulo, p. 5.
[3] Dom Mahgouz, id., pp. 15-16.
[4] Pe. José Leite, S.J., Santos de cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, tomo III, pp. 480-481.
[5] Id., p. 481.
[6] Cfr. Mansour Challita, Charbel, Milagres no século XX, ACIGI, São Paulo, p. 53.
[7] https://www.linkedin.com/pulse/st-charbel-makhlouf-olm-saint-monk-priest-hermit-sandoval/