
Foi em Cesareia de Filipe, cidade edificada pelos dominadores romanos, que Nosso Senhor se recolheu com seus Apóstolos, pouco depois do admirável milagre, que consistiu na segunda multiplicação dos pães, junto ao mar da Galileia.
— Que dizem os homens quem é o Filho do Homem? — foi a pergunta que o Divino Mestre dirigiu aos seus diletos Apóstolos.
Dentre as várias respostas, sobressai-se, inspirada, a de São Pedro: “Tu és o Cristo, Filho de Deus Vivo!”
Simão Pedro confessava assim que o próprio Verbo de Deus, o Criador do Universo, se tinha encarnado e ali estava diante deles na Pessoa de Jesus Cristo, o prometido Salvador de Israel e do mundo.
— Bem-aventurado és Simão, filho de João! disse-lhe Jesus. Porque não foi a carne e o sangue que revelou, mas Meu Pai que está nos céus. E eu digo-te que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela! (Mt 16, 13-18).
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Que terrível contraste apresenta essa cena, com aquela outra em que o próprio Príncipe dos Apóstolos, amedrontado no pátio do palácio de Caifás, por três vezes negou haver conhecido o Divino Salvador, que no mesmo edifício estava sendo interrogado. Naquele momento o galo cantou…
Depois — conta o Evangelista São Lucas (22, 61) — “voltando-se o Senhor, olhou para Pedro. E Pedro lembrou-se da palavra que lhe tinha sido dita pelo Senhor: ‘Antes que o galo cante, me negarás três vezes”‘.
Para onde foi Pedro ou o que fez, ninguém jamais ficou sabendo, pois durante 48 horas ou mais desapareceu ele da história da Paixão.
Anos mais tarde, quando se viam profundos sulcos em suas faces, dizia-se que haviam sido cavados pelas lágrimas que ele jamais cessou de verter por aquele instante.

Salvador, Bahia, 1636. O monge beneditino Frei Agostinho da Piedade (1580 – 1661) entrega-se devotamente à oração, ao estudo, e à escultura.
Os estudiosos encontram nas crônicas do Mosteiro muito escassas referências a esse monge artista, que dedicou-se à escultura e restauração de imagens, profanadas ou destruídas pelos invasores calvinistas holandeses, alguns anos antes.
São numerosas as imagens e relicários de barro cozido de autoria de Frei Agostinho. A mais expressiva delas é, certamente, a que representa São Pedro arrependido [foto acima], conhecida obra-prima da escultura sacra brasileira.
Perdido em si mesmo, entre sentado e ajoelhado, sustentando a cabeça pensativa com o braço que se apoia sobre o joelho esquerdo, o robusto pescador da Galileia mostra-se dominado por profundíssimo arrependimento.
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Roma, provavelmente ano 64 da era cristã… Nero envia para as prisões centenas de cristãos, aos quais atribui a culpa de terem provocado terrível incêndio na capital do Império.
São Pedro, o primeiro Papa, o Apóstolo que, dominado por sincera compunção, chorou a sua negação do Mestre, foi conduzido ao cárcere Mamertino, e daí saiu para ser crucificado. Considerando-se indigno de morrer na Cruz do mesmo modo que o Filho de Deus, pediu a seus algozes que o crucificassem com a cabeça para baixo, no que foi atendido.
Por virtude dessa nova Cruz que se levanta, Roma se torna a cidade Santa, comenta Dom Prosper Guéranger, Abade de Solesmes (*).
(*) Dom Prosper Guéranger, “El Ano Litúrgico”, Editorial Aldecoa, Burgos, 1955.
Fonte: Revista Catolicismo, edição de agosto de 1988.