
O terrorismo fundamentalista islâmico — em suas várias formas, como o Hamas ou o Hezbollah — inspira-se na “Seita dos Assassinos”, do tempo das Cruzadas.
- Luis Dufaur
O explorador veneziano Marco Polo a descreveu no seu Livro das Maravilhas: “Quando o Velho (o chefe da seita) quer matar um grande senhor, ele escolhe os jovens mais valentes […] e os convence […] que se o matem, o céu estava reservado para eles”…

A seita deu um grande golpe em 28 de abril de 1192 na cidade de Tiro, atual Líbano, quando Conrado de Monferrat ia ser coroado rei de Jerusalém. Chegaram dois mensageiros com uma carta para ele e enquanto a lia, os “Assassinos” o esfaquearam até a morte.
O terror que a seita causava foi condensado por um poderoso senhor local: “Eu não ouso mais lhe obedecer nem lhe desobedecer”. Um outro senhor, que o ‘Velho da Montanha’ intimou a se render, preferiu demolir seu castelo”.
“Saladino visou Masyaf (Síria), uma fortaleza dos Assassinos”, e a resposta foi imediata: em 1185 tentaram acabar com a sua vida.
“Infiltraram-se no acampamento de Saladino vestidos como os seus soldados […] e tentaram matá-lo na sua tenda, mas não conseguiram porque ele usava um casaco de malha, e por baixo do boné tinha um capacete de aço”, contou Ignacio Gutiérrez de Terán, professor de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Autônoma de Madrid.

O rei Eduardo I da Inglaterra, que participou da IX Cruzada, também escapou por pouco da morte por um desses fedayin — aqueles que se sacrificam pelos outros —, em 1272.
Em finais do século XII, o Velho da Montanha Rachid el-Din el-Sinan, negociava de igual a igual com Saladino. Nunca anunciavam a morte de algum chefe, dando a entender que o Velho era imortal.
Os “Assassinos” eram tão cruéis que onde estavam ativos, ninguém podia se considerar seguro. Tal foi o caso de um sultão hostil, que acordou com um punhal cravado na cabeceira da cama. Assim horrorizado, aceitou lhes pagar tributo e exonerou os “assassinos” de pedágios e impostos.
Quando o Velho da Montanha cavalgava, um arauto com um machado de cabo comprido recoberto de prata e eriçado de facas ia diante dele bradando: “Afastai-vos diante daquele que tem em suas mãos a morte dos reis”.
A imagem dos “assassinos” fascinou os islâmicos ao longo dos séculos e é replicada até hoje.
Origem dos terroristas

O grupo reunia iluminados e drogados do Islã xiita e sunita — explicou o professor de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Autônoma de Madrid, Ignácio Gutiérrez de Terán.1
No século IX, numa das tantas sociedades secretas que vicejam no islamismo, o sacerdote persa zoroastriano Hasan-i Sabbah, deu forma aos “Assassinos”, de início instalados no Cairo.
Depois se deslocaram para a Pérsia (atual Irã), fundindo suas crenças esotéricas com o Corão.
“Os ‘Assassinos’ só pensavam em se tornar um grupo terrorista”, explicou o professor de Estudos Islâmicos da Universidade de Sevilha (Espanha), Emilio González Ferrín.
Em 1090, os “Assassinos” tomaram a fortaleza de Alamut (o “refúgio dos abutres”), no Irã, na cordilheira de Elburz (100 quilômetros ao norte de Teerã), depois rebatizado o “refúgio da riqueza”.
Essa fortaleza dirigia uma rede de outras, inclusive nas regiões que hoje pertencem à Síria e ao Líbano. O líder conhecido como Velho da Montanha “influenciava decisivamente a política nos estados islâmicos”, explicou Gutiérrez de Terán.

Marco Polo descreve esse castelo: “Hasan-i Sabbah construiu entre duas montanhas, em um vale, o jardim mais lindo que já foi visto. […] Havia no centro do jardim uma fonte, por cujos canos passava o vinho, por outro o leite, por outro o mel e por outro a água” — escreveu o explorador veneziano.
“Ele havia levado para (o jardim) as donzelas mais lindas do mundo, que sabiam tocar todos os instrumentos e cantavam como anjos, e o Velho (da montanha) fez seus súditos acreditarem que aquilo era o Paraíso”, narra o Livro das Maravilhas.

Segundo Marco Polo [quadro ao lado], “nenhum homem entrou no jardim, exceto aqueles que se tornariam assassinos”. Os combatentes confinados eram treinados no pomar para que pudessem desfrutar dos prazeres e das mulheres ali existentes.
“Durante os treinos, instruíam os milicianos sobre o paraíso prometido por Alá e, como prova, intoxicavam-nos com narcóticos”, disse Gutiérrez de Terán. Após drogá-lo, tirava-o do “Paraíso”, e quando acordava, dizia-lhe que se quisesse regressar ao Paraíso prometido por Maomé, deveria praticar o crime que lhe era ordenado.
Os escolhidos cumpriam a tarefa porque “ninguém queria ficar fora do Paraíso onde tinha estado”, concluiu Marco Polo.

Os mais perversos métodos
O Velho da Montanha formou uma milícia altamente treinada e fanatizada, que atentava contra pessoas escolhidas a dedo pelo chefe.
“Procuravam se impor através de operações cirúrgicas, assassinando pessoas-chave ainda que não conseguissem escapar” e perdessem a vida, acrescentou González Ferrín. Em suma, uma espécie de atentado suicida.
O historiador explicou que o movimento era “extremamente intelectual, com a inclinação religiosa que gerou o fundamentalismo”.
Os outros muçulmanos chamavam-nos “Assassinos”, mas eles se diziam fedayin, como fazem os atuais movimentos terroristas Hamas, Hezbollah, Estado Islâmico, Isis, e terroristas do gênero que partilham de uma mesma visão do “Paraíso” de Alá…
González Ferrín também indicou que existem outras etimologias possíveis para o termo Hassassin e que uma delas é “fundamentalista”.
O Velho da Montanha sequestrava crianças para formá-las na seita. Os novos membros eram instruídos no combate corpo a corpo, na língua, na cultura e nos costumes das vilas ou cidades onde iriam executar os seus golpes.
Gutiérrez de Terán os descreve como “pessoas muito versadas e cultas, que conheciam as tradições e até o modo de falar e de se comportar dos habitantes dos lugares onde iriam perpetrar os seus ataques”.
“Os ‘Assassinos’ têm sede de sangue humano, matam pessoas inocentes por um preço e não se importam com nada, nem mesmo com a salvação”, escreveu o historiador anglo-americano Bernard Lewis, no livro Os Assassinos: Uma Seita Radical de Islã.
O escritor cita um padre alemão de nome Brocardus, que no século XIV os descrevia assim:
“Como o diabo, transfiguram-se em anjos de luz, imitando os gestos, as vestimentas, as línguas, os costumes e os atos de diversas nações e povos. Assim, agem escondidos em peles de cordeiro, e assim morrem quando são reconhecidos”.
O Prof. González Ferrin não hesitou em qualificá-los de “os primeiros terroristas da história”.
Por quê? Porque muitas das suas ações foram realizadas em plena luz do dia e em público, com o propósito de incutir medo.
“Se um governador passasse por um mercado com sua escolta, surgia do nada um assassino, sacava uma faca e lhe cortava a garganta, independentemente de sair vivo ou não”, disse. A morte do assassino era até desejada pelo Velho, porque a sua base de operações permanecia secreta, acrescentou Gutiérrez de Terán.
A seita sobreviveu 166 anos, até ser exterminada pelos mongóis. “Os mongóis eram mais selvagens e vinham de um lugar mais próximo. Os ‘Assassinos’ tentaram chegar a algum tipo de acordo, mas não conseguiram”. O exército de Hulagu Khan, neto do temido Genghis Khan, tomou Alamut, até então inexpugnável, e arrasou-a, explicou Gutiérrez de Terán.
Recepção de São Luís
Quando São Luís IX desembarcou em São João de Acre, o Velho da Montanha aterrorizava um vasto território. E sabendo da derrota dos cruzados em Mansourah, em fevereiro de 1250, o misterioso chefe da seita enviou mensageiros para que o rei santo também lhe pagasse tributo.
O historiador Henri Wallon2 (1812-1904) cita as Memórias do príncipe de Joinville, maior cronista do santo rei:
“Os mensageiros se apresentaram nesta ordem: à testa, um emir ricamente vestido; atrás dele um assassino, que levava três facas […]. Símbolo de morte inevitável: o primeiro assassino deveria ser sucedido pelo segundo, e este pelo terceiro, até o cumprimento da sentença.
“Era sinal do destino que o rei teria em caso de recusa. Atrás vinha um outro, que trazia um lençol envolto em seu braço, como para enterrar aquele que o punhal de seu companheiro ia atingir.
“O rei convidou o emir a falar:
“— Se vós não quiserdes pagar, liberai-o ao menos do tributo ao Hospital e ao Templo.
“Os dois Mestres então lhe disseram que o Velho da Montanha tinha ousado demais fazendo o rei ouvir tais palavras.
“— Se não fosse pelo amor ao nosso rei, acrescentaram, nós teríamos feito afogar todos os três nas águas sujas do mar de Acre, a despeito de teu senhor. Nós te ordenamos que voltes junto a ele, e que, dentro de quinze dias, retornes, trazendo da parte de teu senhor cartas de fidelidade e joias tais que satisfaçam o rei.
“Na quinzena, os mensageiros voltaram, trazendo como presente a camisa do ‘Velho da Montanha’. Como a camisa é a veste mais perto do corpo, assim, disseram eles, o Velho quer ter o rei mais perto de seu amor, mais do que qualquer outro rei”.
O sheik também lhe enviava outros presentes símbolos de sua amizade: um anel de ouro muito fino no qual estava escrito seu nome, em sinal de seus desponsórios com o rei, com quem queria ser um só a partir de então; um elefante e uma girafa de cristal, maçãs em diversos tipos de cristais; jogos de xadrez e dominó de âmbar com belas filigranas de ouro fino.
São Luís se satisfez com esse ato de submissão e não quis ser superado em generosidade: enviou joias, panos de púrpura, taças de ouro e freios de prata ao “Velho da Montanha”.
Enviou também frei Yves, um bretão que conhecia a língua do país, pensando converter o chefe dos “Assassinos”. E tentou fazê-lo, mas, inutilmente. Na volta transmitiu uma imagem da corte do Velho própria a desencorajar quem for.
“A História é a mestra da vida”, disse Cícero. Quando o mundo discute como responder ao terrorismo islâmico, é esclarecedor o procedimento de São Luís com os enviados do chefe da seita dos “Assassinos”.
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Notas:
1.http://surl.li/pekyj
2.Henri-Alexandre Wallon, Saint Louis et son temps, Hachette, Paris 1878, capítulo XI, pp. 221-223.