
- Plinio Maria Solimeo
A vida de um católico em país muçulmano não é nada fácil, pois as restrições à prática da religião que não a islâmica é muito severa. Em alguns deles, como a Arábia Saudita, todas as religiões que não o islamismo são proibidas sob pena de prisão ou deportação. Inclusive em países mais liberais, como os Emirados Árabes Unidos, as medidas anticristãs são muito restritivas.
Em seu livro Bispo da Arábia: experiências com o Islã, o bispo capuchinho suíço Dom Paul Hinder [foto acima], Vigário Apostólico na Arábia do Sul e no Yemen, descreve suas experiências naquela região, sobretudo nos Estados Árabes Unidos e no Sultanato de Omã. O site Portail Catholique Suisse trouxe uma substanciosa entrevista com o religioso, na qual nos baseamos para o presente artigo[i]. Para situar o leitor, seguem alguns dados sobre esses dois países.
Com uma área de 67.341 km2, os Emirados Árabes Unidos é formado por sete emirados, os mais importantes dos quais são Abu Dhabi e Dubai. Em 2018 eles tinham uma população estimada em 9,6 milhões de habitantes, dos quais apenas 13% eram considerados cidadãos nativos, sendo o restante formado por “expatriados” ou imigrantes.
Com relação ao Sultanato de Oman a situação não é muito diferente, embora as restrições sejam menores, pelo fato de o turismo constituir uma parte significativa de sua economia.
Dom Paul Hinder chegou a Dubai em 2003, como bispo auxiliar. Dois anos depois foi designado para a Sé que agora ocupa em Abu Dhabi, tendo como catedral a igreja de São José. Ele cuida também outros países da região, tendo sob sua administração um território de 3 milhões de quilômetros quadrados. Em toda essa região ele conta com 2.5 milhões de católicos, praticamente todos estrangeiros.
Essas comunidades vão aumentando à medida que o desenvolvimento econômico na zona atrai novos trabalhadores.
Liberdade religiosa com restrições
Dom Hinder explica que embora nos Emirados e no sultanato de Omã haja severas restrições à liberdade religiosa, pode-se dizer que ela existe em alguma medida, ao contrário da Arábia Saudita.
Nos Emirados há somente oito paróquias para mais de um milhão de fiéis e suas igrejas não podem ter cruzes nem sinos. “Se alguém se comportar de forma ‘inapropriada’– por exemplo, distribuindo Bíblias ou tentando converter algum muçulmano –, é imediatamente expulso do país”.
Dos 85% de estrangeiros que trabalham nos Emirados, 10% são cristãos, a maioria católicos. Esses imigrantes estão lá para trabalhar por um tempo limitado, sendo-lhes concedido um visto para um período máximo de três anos, renováveis.
Mesmo assim, essas religiões não muçulmanas só podem ser exercidas dentro dos recintos aprovados pelo governo. Portanto, não podem ser praticadas em qualquer lugar.
Além disso, os não muçulmanos devem também obedecer e seguir alguns dos costumes do país. Por exemplo, durante o mês de Ramadam — uma espécie de Quaresma islamita — todos os não muçulmanos, sejam locais ou estrangeiros, são proibidos de comer, beber ou fumar entre a alvorada e o pôr do sol. A não observância acarreta em prisão ou deportação.
Severas condições de trabalho
Por outro lado, os trabalhadores estrangeiros não têm nenhuma proteção das leis de trabalho, não podendo filiar-se a sindicatos nem fazer greve, sob pena de prisão ou deportação.
Mesmo no sultanato de Oman, mais liberal, a situação dos imigrantes é tão penosa, que no ano de 2012 um imigrante indiano cometia suicídio em cada seis dias. Queremos crer que isso diz respeito à maioria hindu, por serem pagãos e fatalistas. Em 2014 constava que havia lá 26 mil trabalhadores vivendo em condições iguais às de escravos, sem direitos nenhum que os protegesse.
Boa parte desses imigrantes trabalha na construção civil ou em lojas. Alguns chegam a ter pequenas lojas ou empresas, mas nesse caso precisam de um patrocinador que seja cidadão local, ou que alguma empresa dos Emirados tenha ao menos 51% de participação no negócio.
Os trabalhadores nessa área são oriundos sobretudo das Filipinas, Índia, Sri Lanka e Paquistão, além de católicos orientais, como libaneses, palestinos, iraquianos ou egípcios do rito copta. Por isso, nas igrejas da região, há Missas nos vários ritos católicos, como o siro-malabar e o siro-malankara para os indianos de Kerala, e para os católicos do rito greco-melquita, maronitas, caldeus etc.
A maioria desses trabalhadores vive nos arrabaldes das cidades, “amontoados em campos de trabalho, longe do luxo e dos palácios, não falando o árabe, e não estando, na vida quotidiana, em contato nem se misturando com a população local. Assim, as amizades entre eles e os autóctones é muito rara”. Os muçulmanos evitam ter amizade com esses trabalhadores, porque se se deixarem influenciar por eles e se converterem a outra religião, serão considerados apóstatas do Islã e estarão sujeitos à pena de morte.
O semelhante busca o semelhante
Por todas essas razões, esses trabalhadores procuram, quanto podem, o convívio com seus patrícios, o que o mais das vezes se dá nas igrejas. Com isso, eles as frequentam com mais assiduidade do que o fazem em seus países de origem. Pois elas lhes oferecem um local não só para praticar livremente sua religião, mas lhes permitem encontrar-se com seus compatriotas para conversar sobre suas famílias e suas pátrias.
“‘O bispo da Arábia’, como é conhecido Dom Hinder, rejubila-se com o extraordinário engajamento e a forte prática religiosa de seus fiéis, todos eles imigrantes. ‘Os bispos dos países de origem de nossos fiéis me dizem que as pessoas são mais ativas aqui do que em seu próprio país. A fé é para eles como um pouco de suas casas’. Ele ressalta que a permanência enquanto diáspora em um país muçulmano reativa algo neles. Eles talvez não seriam tão fervorosos em seus países. Assim, seus paroquianos estão fortemente implicados na instrução religiosa, na preparação das cerimônias, mesmo para ordenar as milhares de cadeiras após uma cerimônia religiosa”.
Um exemplo: em 2015 foi inaugurada uma igreja em Abu Dhabi, dedicada a São Paulo Apóstolo. Ela foi edificada num terreno cedido pelos dirigentes dos Emirados e tem 1.400 lugares. No primeiro aniversário de sua consagração, em 2016, estava tão cheia que 500 fiéis tiveram que ficar fora.
Tudo isso nos faz rezar por esses
irmãos da fé que, apesar de tantas dificuldades, nos dão exemplo de uma
religiosidade séria e profunda.
[i] https://www.cath.ch/newsf/pour-leveque-darabie-le-probleme-nest-pas-la-force-de-lislam/ As citações sem mencionar a fonte são desse site. Ver também http://www.religionenlibertad.com/problema-fuerza-del-islam-sino-debilidad-51405.htm