Frei Estêvão Röttger, apóstolo de Cimbres

Local das aparições no Sítio da Guarda, no distrito de Cimbres, em Pesqueira (PE)

Sacerdote franciscano, testemunha das aparições da Mãe de Deus, apesar de pouco conhecido, foi quem mais compreendeu e mais se empenhou na divulgação das mensagens marianas na pequena localidade nordestina.

Jorge Saidl

Tem sido publicada muita matéria sobre as aparições de Nossa Senhora das Graças no Sítio Guarda em Vila de Cimbres, Pesqueira estado de Pernambuco, graças em grande parte ao empenho notável de uma zelosa católica, Ana Lígia Lira, que tem se dedicado de corpo e alma a este apostolado, tendo escrito dois livros e dado numerosas entrevistas sobre o tema. Ela mantém um atencioso trabalho de acolhimento de peregrinos.

Como é bem conhecido, a Mãe de Deus apareceu em 1936 pedindo oração e penitência para que o perigo do comunismo fosse afastado do Brasil e previu três castigos para nosso País se os pedidos d´Ela não fossem atendidos.

As videntes foram as meninas Maria da Conceição e Maria da Luz. Entretanto, pode-se dizer que os verdadeiros videntes foram dois sacerdotes: Padre José Kehrle e Frei Estêvão Röttger O.F.M. [foto]

Videntes não no sentido exato, porque não viram nada das aparições, mas sim dialogaram com a Mãe do Céu, sendo as meninas meras intermediárias, não entendendo elas mesmas inteiramente as perguntas e respostas, porque os dois eclesiásticos faziam as perguntas em alemão ou latim e a resposta vinha através das jovenzinhas em português.

Ademais devem ser considerados protagonistas duas outras importantes personalidades que desde o início, à distância, deram inteiro endosso ao prodígio mariano. Desde a Alemanha o conceituado escritor alemão Friedrich Ritter von Lama e em Minas Gerais o Padre Júlio Maria Lombaerde, fundador e missionário católico belga, naturalizado brasileiro.

O bispo de Pesqueira, Dom Adalberto Accioly Sobral, não deu crédito às aparições, proibiu a divulgação, tomando, algumas vezes, atitudes ríspidas a respeito.

Local das aparições [Foto Sandra F. Leal]

A vidente Maria da Conceição apesar de ter sido a primeira a ver Nossa Senhora, embora guardando sempre de lembrança, com carinho uma imagem de Nossa Senhora das Graças e mantendo certo contacto com Maria da Luz, distanciou-se dos eventos, tendo levado uma vida comum.

Maria da Luz sentiu forte apelo pela vida religiosa e tornou-se freira com o nome de Irmã Adélia. Porém, para ser obediente à proibição do bispo passou a fazer total silêncio sobre o extraordinário fenômeno da qual tinha participado de forma marcante. Somente em 1985, que Irmã Adélia (Maria da Luz), após ter sido curada miraculosamente, começou a divulgar todos os fatos das aparições que outrora foram ocultados.

Com o silêncio das duas videntes, Padre Kehrle e Frei Estêvão procuraram convencer respeitosamente o bispo local a reconhecer as aparições e, sem violar as diretrizes episcopais, mantinham correspondência a respeito com pessoas de confiança. Ademais Frei Estêvão teve que lidar com muita oposição dentro da sua ordem franciscana.

Foi assim que a primeira publicação séria sobre os acontecimentos marianos saiu do outro lado do Oceano, na Alemanha.

Primeira pagina do relato de Frei Estêvão

Padre Kehrle trocava cartas com Ritter von Lama, acima citado, e este publicou um relato muito bem feito no seu anuário Konnersreuther Jahrbuch 1936, embora sem citar nomes devido às restrições impostas pela autoridade episcopal. Padre Júlio Maria Lombaerde traduziu palavra por palavra tal relato no seu livro “O Fim do Mundo está próximo”, lançado no Brasil.

Os dois sacerdotes alemães, muito sérios e metódicos, deixaram cada um deles uma crônica da manifestação mariana e procuraram guardar toda a documentação.

Esta documentação toda foi guardada com a congregação “Religiosas da Instrução Cristã”, comumente conhecidas como “Irmãs Damas” em Recife.

Assim, graças aos depoimentos do Padre Kehrle e do Frei Estêvão podemos ter hoje um conhecimento claro e seguro de tudo o que se passou na aldeia de Cimbres.

O relato do Padre José Kehrle é mais prático, enquanto os escritos do Frei Estêvão mais contemplativo. Vê-se que este compreendeu mais a fundo as mensagens da Mãe de Deus e as interpreta à luz dos ensinamentos do grande mariólogo São Luiz Maria Grignon de Montfort.

Daí o título do presente artigo. Entretanto é dos quatro protagonistas já mencionados, o menos conhecido de todos.

Talvez o único documento biográfico do piedoso sacerdote seja o necrológio publicado na revista “Santo Antônio” de Recife no número 1 de 1956. Deste artigo que não é longo vale a pena destacar alguns pontos:

De acordo com a revista, Frei Estêvão Röttger O.F.M. nasceu em 5 de janeiro de 1877 em Solingen-Wald na Alemanha, tendo entrado para o seminário em Harreveld, na Holanda, vindo ainda como seminarista para o Brasil em 1904 onde foi ordenado em 1906. Em 1907 começou sua intensa atividade pastoral por vários recantos do nordeste brasileiro. Não era uma pessoa superdotada, mas segundo a revista franciscana sua “palavra despretensiosa tinha o orvalho fecundante de uma vida de oração, o calor do zelo pelas almas e a eficácia da gratia superveniente Spiritus Sancti”. Grande devoto de Nossa Senhora escreveu dois opúsculos marianos, um sobre o Escapulário do Carmo e outro sobre o Mês de Maria.

Muito digno de nota é o final do artigo:

“Era o dia 23 [de setembro de 1955] por volta das duas da tarde. A enfermeira disse:  — São duas da tarde. Reparou Frei Estêvão:  — Bem, faltam duas horas. Retrucou a enfermeira: — Faltam duas horas para quê? — para eu morrer, foi a réplica calma do moribundo. Com efeito, às quatro horas da tarde Frei Estêvão adormeceu placidamente no Senhor. Realizara-se seu desejo de morrer num dia mariano. A festa de Nossa Senhora das Mercês começara às duas horas da tarde”.

Peçamos ao zeloso franciscano que, do Céu, continue seu apostolado de divulgação das mensagens marianas que foram finalmente reconhecidas em outubro de 2021 e sigamos seu exemplo atendendo plenamente aos veementes apelos da Mãe de Nosso Senhor.

O Padre Gabriel Vila Verde na introdução do livro “O Diário do Silêncio” de Ana Lígia Lira diz com muito cabimento:

“O apelo que a Santíssima Virgem fez à Irmã Adélia e Maria da Conceição é sempre atual. Oração, penitência, devoção aos Sagrados Corações. Apelo repetido em diversas aparições. Enquanto isso, nossa resposta é sempre tímida, mesquinha. Estamos surdos para Deus. Nosso coração se assemelha ao da parábola da semente que caiu em terreno pedregoso.”

Muitos acharão estas palavras exageradas, achando que já estão em dia com os pedidos da Mãe de Deus. Neste sentido vale a pena ler o livro “Confiteor” de Paulo Setúbal que diz que se converteu de “católico para o catolicismo”, ou seja ele se tinha em conta de bom católico, mas às tantas percebeu que estava longe de trilhar verdadeiramente no bom caminho e se converteu verdadeiramente. Um belo exemplo para nós.

Tendo em vista uma mudança de vida, convém ressaltar o depoimento do Frei Estêvão na sua crônica:

“No dia 15 de setembro [de 1937] Nossa Senhora pediu que não deixassem subir [ao local das aparições] pessoas da moda, com mangas curtas etc. E que avisassem ao povo que deixassem as danças porque assim perderiam a alma”.

Apelo semelhante já havia feito a Mãe de Deus através de Santa Jacinta de Fátima: — Virão umas modas que desagradarão muito a nosso Senhor”. “Muitos matrimônios não são bonsnão agradam a Nosso Senhor e não são de Deus”.

Isto em 1917 e 1936. O que Nossa Senhora diria hoje?…

Tumulo Frei Estêvão no Recife [Foto Ana Ligia Lira]

Segundo as duas videntes de Cimbres, Nossa Senhora nas aparições se retirava para dentro do nicho diante do qual aparecia sempre que surgiam no local pessoas de vida irregular.

Peçamos ao Frei Estêvão, ao Padre Kehrle, ao Padre Júlio Maria, ao zeloso e escritor von Lama, considerado mártir e às duas videntes do “Guarda” que obtenham de Nossa Senhora das Graças, sob cuja invocação Ela apareceu em Cimbres, que os raios emanados das Suas mãos virginais nos iluminem e toquem as almas levando-as à “penitência e oração” e à verdadeira devoção aos Sagrados Corações como Ela mesma pediu em Cimbres.