Luís Martin, o “rei querido” de Santa Teresinha

Luís Martin aos 58 anos

Luís e Zélia Martin, pais de Santa Teresinha do Menino Jesus, constituem o segundo casal a ser canonizado junto pela Santa Igreja. Viviam em plena conformidade com os ensinamentos divinos, e tiveram nove filhos, quatro deles falecidos em tenra idade.

  • Plinio Maria Solimeo

 Comemorando neste mês o segundo centenário do nascimento de Luís Martin, sobre ele nos deteremos, mencionando sua esposa e filhos apenas na medida em que for necessário para melhor conhecê-lo.

Luís José Aloísio Estanislau nasceu em Bordeaux no dia 22 de agosto de 1823, filho de Pedro Francisco Martin e de Maria Ana Fanie Bordeaux. A razão do local de seu nascimento se deveu ao fato de que seu pai, conscrito pelo Exército Francês em 1799, ali estivera acampado. Pedro Francisco chegou ao grau de capitão e foi agraciado com a Ordem Real e Militar de São Luís, dada aos oficiais de mérito excepcional. Mas não pôde assistir ao batizado privado do filho, por estar em campanha na Espanha.

Devido às mobilizações do pai, Luís passou a infância entre Avinhão, Estrasburgo e Alençon, onde a família se fixou a partir de 1830, ano em que o Capitão Martin se reformou. Luís passou a estudar no Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs.

Uma mulher que conheceu a família do capitão em Alençon disse às irmãs Martin sobre seu avô: “Ele conquistou nossa admiração por sua aparência imaculada; parecia muito bem em seu casaco, decorado com a fita vermelha [comenda de São Luís] que não se encontrava mais nas ruas naqueles dias. Que linhagem de santos vocês têm em sua família!” (Piat, História de uma família). Ela não poderia prever que essa linhagem continuaria com Luís, Zélia e Teresa.1

A relojoaria de Luís Martin no número 17 da rue du Pont-Neuf, em Alençon.

O atrativo dos Alpes

Pouco sabemos da infância e adolescência de Luís, a não ser que era muito piedoso e foi atraído pela relojoaria. Seu apreço por esse métier o levou a fazer um aprendizado em Estrasburgo, onde em uma de suas viagens visitou o Mosteiro dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho no Grande São Bernardo, nos Alpes Suíços. O heroísmo de seus monges no resgatar viajantes perdidos em meio à neve, fruto de profunda vida de piedade, impressionou vivamente Luís, que pensou em ser um deles. Para isso começou a se preparar, imerso em profunda oração e estudo.

Em setembro de 1843, quando julgou chegada a hora, foi bater na porta do mosteiro, solicitando a sua admissão. Como a vontade de Deus para ele não era essa, mas outra, o Superior lhe disse que seu conhecimento do latim era insuficiente para seguir os Ofícios da comunidade. Que fosse se aprofundar e depois voltasse para ser admitido.

Desapontado, Luís voltou para Alençon, de onde foi para Paris completar seus estudos na arte da relojoaria.

As tentações nas grandes cidades

Luís viveu três anos em Paris, cidade cheia de encantos e seduções para uma alma delicada como a sua. Durante o tempo em que lá esteve, recebeu inúmeros convites para se entregar à vida mundana e despreocupada da sociedade local; mas soube resistir, redobrando suas orações e confiando ainda mais na Santíssima Mãe de Deus.

No meio das tentações, diz Luís, “ouço a voz mansa e delicada de Deus dizendo: ‘Nunca esqueça que você foi feito para o Céu e não para o mundo. Não fique tentado a sacrificar seus valores por um pouco de conforto ou prazer temporário. Nunca, nunca vale a pena!’”

O pai de Santa Teresinha não se esqueceu de sua experiência em Paris, utilizando-a para alertar os jovens sobre os perigos para a virtude existentes nas grandes cidades.

Terminado o curso, voltou a Alençon em 1850 como mestre relojoeiro. Abriu uma loja e levou seus pais para viverem com ele.

Trabalhando com muito empenho, extrema afabilidade e encanto pessoal, Luís Martin começou a prosperar, atraindo muitos clientes, embora se recusasse a abrir a loja aos domingos, quando vinha mais gente das redondezas para fazer compras.

Zélia Maria Guérin

         Zélia Guérin, sua futura esposa, nasceu no dia 23 de dezembro de 1831, também ela filha de militar. Foi educada pelas Irmãs da Adoração Perpétua.

         Atraída pela vida religiosa, pediu admissão entre as Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo. Contudo, a Superiora, inspirada por Deus, a dissuadiu de realizar esse desejo.

         A jovem passou então algum tempo ajudando sua mãe na loja da família, e depois se especializou no “ponto de Alençon” — um tipo de renda muito em voga entre as famílias da aristocracia. Dominou tão bem essa arte, que pôde abrir sua própria fábrica, a qual aos poucos começou a prosperar, tendo como clientes damas da alta sociedade parisiense. Zélia conseguiu assim manter toda a sua família.

“É esse o homem que preparei para ti”

         O jovem Luís Martin seguia um regime quase ascético, dedicando-se à meditação, ao trabalho e à visita aos pobres — pois ingressara na Conferência de São Vicente de Paulo. Nos momentos de lazer, gostava de pescar.

         Sua mãe, Fannie Martin, vendo-o ainda solteiro aos trinta e dois anos, procurou com empenho uma noiva para ele. Sua atenção se voltou para Zélia Guérin, com a qual estava aprendendo o ponto de Alençon e em quem seu instinto materno via uma nora ideal. Contou então a Luís em prosa e verso as virtudes da donzela e fê-lo interessar-se em ter com ela um encontro. Este se deu em 1858, na Ponte São Leonardo. Quando Zélia viu o jovem de nobre fisionomia, semblante reservado e modos dignos, ouviu uma voz interior que lhe dizia: “Este é o homem que preparei para ti”.

         Os dois se compreenderam tão bem, que três meses depois, na noite entre o dia 12 e 13 de junho desse ano de 1858, conforme o costume da época, se casaram na Basílica de Nossa Senhora de Alençon.

Abençoada prole

Luís Martin e sua esposa Zélia Guérin com as filhas. No colo dela, Teresinha (Carvão de Pierre Léon Adolphe Annould, 1916)

Inicialmente decidiram viver como irmãos, em perpétua abstinência. Mas foram desencorajados pelo confessor e nos quase 19 anos de feliz casamento tiveram nove filhos. Perderam quatro deles em tenra infância, mas aceitaram com submissão esse infortúnio na esperança de vê-los novamente no Céu.

O casal vivia na mais perfeita harmonia, procurando um compreender as limitações e fraquezas do outro. Luís costumava tranquilizar Zélia, propensa desde a infância à ansiedade. Dizia-lhe continuamente: “Não te atormentes tanto”. No final da vida Zélia escreveu sobre o marido: “Ele foi sempre meu consolador e meu apoio”.

Um padre que os conhecia bem, disse deles: “Na vida familiar a união era notável, tanto entre marido e mulher, quanto entre pais e filhos”.

As recordações de Santa Teresinha na História de uma alma são uma fonte preciosa para se compreender a santidade dos pais.

         Por serem muito amorosos e amigos das filhas, Luís e Zélia procuravam educá-las incentivando seus lados bons e virtuosos, recompensando as boas ações com amor, mas corrigindo as faltas com severidade. A mãe lhes examinava cuidadosamente as falhas e os pontos fracos, procurando encorajá-las a lutar contra eles. Um dos meios era impor-lhes todos os dias pequenos sacrifícios para vencerem o egoísmo. Recomendava-lhes também que guardasse suas pequenas economias para socorrer os pobres.

         Em 1871, como o negócio da esposa estava prosperando muito, o Sr. Martin decidiu encarregar-se dele. Vendeu então a relojoaria a seu sobrinho e se mudou com a família para a casa pertencente à família de Zélia, na Rua São Brás.

Destemor na prática do bem

Zélia Guérin, mãe de Santa Teresinha.

         Desejando auxiliar a difusão da verdadeira religião entre os povos, o virtuoso casal reservava anualmente uma grande soma do lucro da empresa de rendas para enviar para a Obra da Propagação da Fé. Socorria também os necessitados, servindo-os com as próprias mãos.

         Dois exemplos nos mostram o destemor e a total falta de respeito humano com que Luís Martin fazia essa obra de misericórdia. Certo dia ele viu, estirado no chão de uma rua muito movimentada, um operário que se excedera na bebida. Não se importando com o que diriam os transeuntes, ajudou o infeliz a se reerguer, pegou sua caixa de ferramentas e, oferecendo-lhe o braço, reconduziu-o à sua casa, fazendo-lhe pelo caminho caridosa repreensão.

         Noutro dia ele encontrou em uma estação um pobre epiléptico que estava morrendo de fome, sem dinheiro para alimentar-se e retornar à sua cidade. Movido de compaixão, o Sr. Martin pegou o chapéu, colocou nele uma primeira moeda, e começou a esmolar junto aos viajantes. As moedas choveram na bolsa improvisada, enquanto o doente chorava de reconhecimento.2

         Se Luís e Zélia se apiedavam dos vivos em necessidade, faziam-no ainda com mais empenho pelas pobres almas do Purgatório. E quando sabiam que alguém estava para morrer, esforçavam-se para que recebesse os Sacramentos da Igreja e os últimos ritos.

Vida de piedade

         Luís e Zélia assistiam diariamente à Missa e comungavam sempre que o costume permitia. Faziam a comunhão da Primeira Sexta-feira do mês e aos domingos iam com toda a família à Missa solene, voltando depois à tarde para as Vésperas. Luís tinha também muito empenho em fazer peregrinações e participar de vigílias noturnas em reparação pela perda da fé católica na França de sua época.3

Morte Zélia

Ela faleceu no dia 28 de agosto de 1877, aos 18 anos de casados, vítima de um doloroso câncer no seio.

Coube então às filhas mais velhas — Maria, com 17 anos, e Paulina, com 16 — o ônus de auxiliar o pai na administração da casa e de criar as meninas menores: Celina, com oito anos, e Teresinha, com quatro.

Na residência “Buissonnets”

Após a morte da esposa e atendendo ao pedido dela, o Sr. Martin, então com 54 anos, mudou-se com a família para Lisieux, a fim de estar mais próximo dos cunhados Isidoro e Celina Guérin, para que auxiliassem na educação das sobrinhas. Instalaram-se então no gracioso palacete dos Buissonnets.

         Entre os anos de 1882 e 1887, Luís Martin acompanhou suas duas filhas mais velhas ao Carmelo. Contudo, seu maior sacrifício, como se compreende facilmente, foi afastar-se de sua rainhazinha, que entrou para as carmelitas com apenas 15 anos em 1888. Leônia entrou e saiu de conventos várias vezes, até se fixar entre as Visitandinas em Caen, onde faleceu em odor de santidade.

O calvário do Sr. Martin

Luís Martin no seu leito de morte

Celina conta que um mês depois do ingresso de Teresa no Carmelo, seu pai rezou na Igreja de Nossa Senhora de Alençon esta oração: “Meu Deus, é demais! Estou muito feliz; não é possível ir para o Céu desta forma. Eu desejo sofrer algo por Vós, e me ofereço…”.4 Dois meses depois, começou a sofrer derrames paralisantes que enfraqueceram seu estado mental e imobilizaram temporariamente seu corpo. Sua demência chegou a tal ponto, que ele desapareceu durante vários dias, sendo encontrado no Havre e internado em um asilo administrado por religiosas para doentes mentais onde passou três anos. Quando perdeu o uso das pernas, foi morar com suas filhas Leônia e Celina em uma casa perto da de seu cunhado.

Em 28 de julho de 1894 ele sofreu outro ataque cardíaco e recebeu os últimos ritos e a extrema-unção. No dia seguinte, seis anos após o início de seu sofrimento, o “rei querido” de Santa Teresinha entregava sua bela alma a Deus com uma morte tranquila, no castelo da Musse (Eure), pertencente a seu cunhado.

Santa Teresinha não falará da doença do pai senão como “sua paixão”.

No dia seguinte à morte do pai, Celina escreveu às suas irmãs carmelitas: “Ontem à noite, em um sono cheio de angústia, de repente acordei. Vi no firmamento uma espécie de globo luminoso… E este globo mergulhou profundamente na imensidão do céu”.5 Era a alma bendita de seu pai que entrava no paraíso.

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Notas:

1. https://tinyurl.com/zr7t84s2

2. Cfr. Sainte Thérèse de l’Enfant-Jésus, Histoire d’une ame, Office Central de Ste. Thérèse de l’Enfant-Jésus, Lisieux, 1925p. xv

3. Cfr.https://www.ncregister.com/blog/the-holy-lives-and-passions-of-sts-louis-and-zelie-martin?amp&gclid=CjwKCAjw3POhBhBQEiwAqTCuBrH1Vj22MyFpv3mDFyeFTVLb1MOs67LTFaXBHZbEB5fHDvvw6IKJRRoCQTsQAvD_BwE

4. Céline Martin, O Pai da Florzinha, p. 84.

5. https://tinyurl.com/4jsx9wss

* Outras obras consultadas: Santa Teresa do Menino Jesus, Manuscritos autobiográficos, Carmelo do I.C. de Maria e Santa Teresinha, Cotia, SP. 1957.

https://tinyurl.com/2xaaa5vw

https://tinyurl.com/yt2kvezm

https://www.therese-de-lisieux.catholique.fr/pt/lhistoire/histoire-louis-zelie/