Meditação sobre a “infinita misericórdia de Deus”

  • Plinio Maria Solimeo

Fala-se pouco da misericórdia de Deus para com os pecadores. Ou melhor, dela se fala de maneira deturpada, como se o Todo-Poderoso estivesse sempre pronto a recebê-los como são, isto é, com todos os seus vícios e sem uma verdadeira conversão de coração e consequente prática dos Mandamentos.

         Isso realmente é muito difícil e penoso, pois nesta Terra temos que sofrer muito e verter lágrimas amargas para adquirir a vida eterna. Por isso, rezamos na Salve Rainha: “a Vós suspiramos, gemendo e chorando, neste Vale de Lágrimas”.

         Contudo, se é verdade que temos de sofrer porque a Terra é um lugar de merecimento, quem vive na graça de Deus e busca sua glória encontrará alegria mesmo nas provações. É o que nos diz o Divino Salvador: “Vinde a mim todos os que estais fatigados e carregados, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós meu jugo, e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para vossas almas” (Mt 11, 28-29).

         Pois, como diz o Profeta Jeremias 2, 11-13, 21: “Considerai, filhos, as gerações humanas, e sabei que ninguém que esperou no Senhor foi confundido. Quem permaneceu firme nos seus mandamentos e foi desamparado? Ou quem O invocou, e foi por Ele desprezado? Porque Deus é bom e misericordioso, e perdoará os pecados no dia da tribulação; Ele é o protetor de todos os que O buscam em verdade”.

O grande Doutor da Igreja, Santo Afonso Maria de Ligório, comentando a parábola da ovelha desgarrada e aplicando-a à misericórdia de Deus acolhendo o pecador arrependido, diz: “Com que amor e ternura abraça Jesus Cristo o pecador que volta para Si! É isso exatamente o que nos quis dar a entender pela parábola da ovelha desgarrada em que o pastor, achando-a, põe aos ombros, e convida os amigos a que tomem parte em seu regozijo: Congratulai-vos comigo, porque achei a ovelha que estava perdida. E conclui com estas palavras: ‘Haverá mais júbilo no céu por um pecador que fizer penitência, do que por noventa e nove justos a quem não é necessária a penitência’. Numa palavra, pelo excesso de sua misericórdia, Deus chega a dizer que quando o pecador se arrepende, quer mesmo [como que] se esquecer dos seus pecados, como se ele nunca O tivesse ofendido”.

No mesmo sentido o inesquecível arcebispo de São Paulo, D. Duarte Leopoldo e Silva, falando na sua erudita Concordância dos Santos Evangelhos de uma das suas mais belas páginas que é a narração da parábola do Filho Pródigo, diz: “Quem tiver o coração bastante endurecido para ler a parábola do Filho Pródigo sem uma emoção profunda, não merece ter lágrimas nos olhos. Neste poema de amor paterno vê-se, em traços rápidos e largos, porém firmes, toda a longa história do coração do homem e seus desvarios, do coração de Deus e sua bondade. Que pecador, se não está de todo corrompido, poderá pensar na misericórdia de Deus, sem se mover ao arrependimento que conduz ao perdão?”

Sim, Deus perdoa, é certo. Mas é necessário que haja arrependimento. Pelo que o Profeta Ezequiel 18, 22, 30, emprestando sua voz ao Onipotente, afirma: “Porventura é da minha vontade a morte do ímpio, diz o Senhor Deus, e não quero eu antes que ele se retire dos seus caminhos e viva?”. Por isso, acrescenta Convertei-vos e fazei penitência de todas as vossas iniquidades; e a iniquidade não causará a vossa ruína. Lançai para longe de vós todas as prevaricações de que vos tornastes culpados, fazei-vos um coração novo. Por que hás de morrer, ó casa de Israel? Porque eu não quero a morte do que morre, diz o Senhor Deus; convertei-vos e vivei”.

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Que é necessário que o pecador antes se converta verdadeiramente, insiste o Deus Altíssimo pela boca do Profeta Ezequias 18, 22, 30: “Porventura é da minha vontade a morte do ímpio, diz o Senhor Deus, e não quero eu antes que ele se retire dos seus caminhos e viva?” E insiste: “Convertei-vos e fazei penitência de todas as vossas iniquidades; e a iniquidade não causará a vossa ruína. Lançai para longe de vós todas as prevaricações de que vos tornastes culpados, fazei-vos um coração novo. Por que hás de morrer, ó casa de Israel? Porque Eu não quero a morte do que morre, diz o Senhor Deus; convertei-vos e vivei”.

         O mesmo pensamento encontramos no Profeta Zacarias 1, 3: “Isto diz o Senhor dos exércitos: convertei-vos a mim, diz o Senhor dos exércitos, e Eu me voltarei para vós, diz o Senhor dos exércitos”. O resultado será que, segundo Isaías 30, 19 “O Senhor, compadecendo-se de ti, usará contigo de misericórdia; logo que ouvir a voz do teu clamor, te responderá”.

Pergunta Santo Afonso: “Quanto tempo demora assim Deus antes de perdoar? Perdoa logo, como está ainda em Isaías logo em seguida (30, 19): “O Senhor, compadecendo-se de ti, usará contigo de misericórdia; logo que ouvir a voz do teu clamor, te responderá”.

Assim, conclui o santo Doutor da Igreja, “Deus não faz conosco como nós fazemos com Ele. Deus nos chama, e nós nos fazemos de surdos. Deus não faz assim; no mesmo instante em que te arrependes e lhe pedes perdão, Ele responde e te perdoa”.

         De tal maneira isso se dará, que afirma Isaías 1, 18: “E então vinde, e argui-me, diz o Senhor: se os vossos pecados forem como o escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; e se forem vermelhos como o carmesim, ficarão brancos como a (mais) branca lã”.

         Tudo isso se dará a seu tempo. Porque antes, recomenda o livro do Eclesiástico (2. 2-4) àquele que pecou: “Humilha o teu coração, e tem paciência: humilha o teu ouvido e recebe as palavras da sabedoria, e não te apresses no tempo da prova. Sofre as demoras de Deus, e espera pacientemente, para teres vantagem na tua sorte final. Aceita o que te acontecer, e permanece em paz na tua dor, e no tempo da humilhação tem paciência; porque no fogo se prova o ouro e a prata, e os homens amados, no cadinho da tribulação”.

         Entretanto é também necessário, como recomenda o Real Profeta no Salmo 94, 8 não ser surdo à voz de Deus: Se hoje ouvirdes a sua voz, não queirais endurecer os vossos corações”.

         Para quem ouve essa voz divina e age em consequência, a recompensa será que “receberá o cêntuplo

[nesta vida]

e herdará a vida eterna”.

         Então poderá cantar com o Real Profeta (Sl 102, 2-3-17-18): “Bendize, ó minha alma, o Senhor, e não esqueças nenhum dos seus benefícios. É Ele que perdoa todas as tuas maldades, e que sara todas as tuas enfermidades. [Pois] a misericórdia do Senhor estende-se desde a eternidade, e até à eternidade sobre os que O temem. E a sua justiça (difunde-se) sobre os filhos dos filhos, para os que guardam sua aliança e se lembram dos seus mandamentos para os observar”.

         Não se poderia falar suficientemente da misericórdia de Deus sem mencionar a maior delas, aquela nos faz dando-nos a Santíssima Virgem como Mãe, Rainha, Corredentora, Advogada e Refúgio.

Tudo que ficou dito até aqui será muito mais eficaz se feito por intermédio d’Aquela que, por determinação de seu divino Filho, foi constituída Medianeira universal de todas as graças.

         Por isso, digamos sempre com a Igreja: “À vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus, não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades; mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita”.