MOISÉS: GIGANTE DO ANTIGO TESTAMENTO

O extraordinário Profeta, escolhido por Deus para libertar da escravidão egípcia o povo eleito do Antigo Testamento, e ser seu legislador, foi glorificado pelo Redentor e esteve presente nos esplendores da Transfiguração

  • José Maria dos Santos

Entre os grandes personagens do Antigo Testamento, muitas figuras são dignas de realce, duas se nos apresentam muito salientes: Moisés e Elias. Além de seus prodigiosos feitos, foram eles os únicos que Nosso Senhor Jesus Cristo escolheu para aparecerem junto a Ele quando manifestou sua glória na Transfiguração do Monte Tabor.

Tendo de escolher um dos dois, escolhemos Moisés, cronologicamente anterior e segundo palavras lapidares de Bossuet, o famoso orador sacro, Moisés foi: “O mais antigo dos historiadores, o mais sublime dos filósofos e o mais sábio dos legisladores”.

Ademais, Catolicismo várias vezes tem abordado temas referentes ao Profeta Elias que – segundo a interpretação de abalizados exegetas – deverá voltar para concluir sua missão no fim do mundo. Também já tratamos de Elias enquanto o precursor dos devotos de Nossa Senhora e, segundo a Tradição, autêntico Fundador da Ordem do Carmo. Pois os discípulos desse grande profeta constituíram a semente dos Filhos da Virgem Santíssima que, nos primeiros tempos do Cristianismo, habitavam o Monte Carmelo.

Nascimento de Moisés em meio à opressão egípcia

José, um dos filhos de Jacó, invejado pelos irmãos devido à predileção que o pai lhe demonstrava, foi vendido como escravo a uma caravana que se dirigia ao Egito. Lá, interpretando acertadamente sonhos do Faraó, tornou-se seu homem de confiança e primeiro-ministro.

Ora, num dos sete anos de carestia que assolou Israel, seus irmãos foram exatamente ao Egito comprar trigo, ali armazenado devido à previdência do primeiro-ministro, que acumulara o cereal durante o período de fartura. José não só os perdoou pelo fato de o terem vendido, mas convidou-os, com o beneplácito do Faraó, a vir morar com ele em seu país de adoção.

Os 70 israelitas que então ingressaram no Egito multiplicaram-se enormemente. E, à morte de José e seus irmãos, já constituíam uma multidão forte, próspera e trabalhadora.

Posteriormente, um Faraó “que não conhecera José” alarmou-se, temendo a formação desse Estado dentro do Estado egípcio. Depois de subjugar os hebreus e escravizá-los, constatou que estes se multiplicavam enormemente. Diante dessa situação, ordenou que todos os recém-nascidos hebreus do sexo masculino fossem mortos.

Moisés salvo das águas

Que mãe não tentaria salvar seu rebento? Assim fez uma mulher “da casa de Levi”, casada com um homem da mesma casa, e que dera à luz um filho formoso e robusto. Depois de escondê-lo por três meses, temendo ser descoberta, colocou o bebê num cesto, fazendo-o flutuar no rio Nilo, permanecendo o cesto junto à folhagem próxima às margens. Indo a filha do Faraó banhar-se com suas donzelas, ouviu o choro do menino. Recolheu-o, adotou-o, e deu-lhe o nome de Moisés, criando-o como seu filho na corte do Faraó.

Crescendo, Moisés tinha tudo para estar satisfeito do ponto de vista natural. Era tratado como um príncipe, e recebia todas as homenagens. Entretanto, não suportava que maltratassem seus irmãos de raça. Certo dia, vendo um egípcio açoitar um judeu, entrou em luta com ele e matou-o. Em seguida, temendo o Faraó, fugiu para a terra de Madiã, situada além do deserto.

Deus se define: “Eu sou Aquele que é”

Em seu desterro, Moisés casou-se, teve dois filhos, e pastoreou o rebanho de seu sogro. Certo dia em que conduzia suas cabras e ovelhas para junto do monte Horeb, viu no cimo deste uma sarça (vegetação) que ardia sem se consumir. De seu interior ouviu uma voz, mais forte que o tropel de mil cavalos e o ribombar dos trovões: “Eu vi a aflição de meu povo que está no Egito”, disse-lhe “Aquele que é” (Ex. 3,6) . Por isso, Moisés deveria voltar para o Egito, encontrar-se com o Faraó e pedir-lhe a liberdade de seu povo, para levá-lo à terra onde “corria o leite e o mel”. Ante tal empresa ordenada por Deus, Moisés titubeou, gaguejou, mas o Senhor foi desfazendo suas objeções como um pai responde a um filho que teme fazer a lição. Moisés gagueja? Aarão seu irmão, falaria por ele: “Ele te servirá de boca, e tu lhe servirás de Deus” (Id. 4, 16). Se não cressem em Moisés, Deus faria milagres para que acreditassem. Moisés não devia temer, pois o Senhor lhe assegurou: “Eu serei contigo”(Id., 4, 12).

Punidas a dureza e a falsidade do Faraó

Os dois irmãos, querendo simplificar a coisa, pediram ao faraó que deixasse o povo hebreu sair para “uma festa no deserto”. O Faraó franziu o sobrolho. Não só não autorizou aquela pretendida festa, mas deixou de fornecer a palha para os tijolos que coziam os hebreus, o que lhes aumentava o trabalho; e reforçou sua vigilância.

 A vida piorou para os judeus, que foram se queixar a Moisés. Este comunicou a Deus as reclamações de seus compatriotas. E o Senhor não só reafirmou sua aliança com o povo, mas ordenou a Moisés que se apresentasse novamente ao irascível Faraó.

Moisés não teve alternativa. Começou então a operar diante do Faraó uma série de prodígios, que os magos da corte, com auxílio diabólico, tentavam imitar com certo êxito. Porém, como o Faraó não cedesse, começaram então a vir, como castigos sobre os egípcios, diversas pragas, umas após as outras.

A cada praga o Faraó concedia aos judeus a licença prometida, mas em seguida voltava atrás. Após a nona praga, Moisés anunciou ao Faraó que se finalmente ele não os deixasse sair, veria perecer os primogênitos de todo o país, desde o seu primogênito até o do último dos animais.

Deus mandou então a Moisés que instituísse a festa da Páscoa – que significa Passagem do Senhor – e enviou a décima praga predita. O Faraó, por fim, cedeu e deixou partir o povo hebreu. Mas após a partida deste, esqueceu-se o Faraó de todas as pragas e castigos sofridos, e considerando apenas que não mais teria a farta mão-de-obra gratuita de 600 mil obreiros judeus, mandou seu exército persegui-los. Este avistou-os já às margens do Mar Vermelho.

Os hebreus, assustados, começaram a bradar contra Moisés por tê-los exposto a tal situação. O Profeta apresentou a Deus a reclamação, e, por sua ordem, feriu o mar com seu bastão. As águas foram então se separando em dois campos e deixaram um corredor através do qual os fugitivos puderam passar a pé enxuto, reunindo-se novamente à passagem dos egípcios, que foram tragados por elas.

Peregrinação de 40 anos: bondade e castigo divinos

Começou então, para os israelitas, uma peregrinação através do deserto. Em virtude de seus pecados e contínuas infidelidades, tal peregrinação tornou-se um zig-zag que deveria durar 40 anos. Durante esse período, Deus operou em favor deles os maiores milagres, apesar de sua contínua insatisfação e murmuração contra Moisés.

Assim, para saciar-lhes a sede, o Senhor tornou potáveis as águas de Mara; faltando-lhes o que comer, deu-lhes codornizes e alimentou-os com o maná, que tinha o sabor de “flor da farinha com mel” (Id., 16, 31), e se tornou o símbolo da Eucaristia. Fez brotar água da rocha; e ouviu as preces de Moisés enquanto os hebreus lutavam contra os Amalecitas.

Moisés recebeu nesse tempo a visita do sogro, que lhe trouxe a mulher e seus dois filhos que ele deixara em Madiã. Iluminado por Deus, o sogro sugeriu-lhe que administrasse a justiça mediante representantes em cada grupo da nação judaica.

Ira santa: as Tábuas da Lei e o Bezerro de Ouro

Três meses após a saída do Egito, Moisés subiu o Monte Sinai, onde o Senhor o chamava. Deveria informar os israelitas que, se obedecessem à voz divina e guardassem sua aliança, “sereis o meu povo particular entre todos os povos” (Id. 19, 5).

Eis que Deus apareceu a Moisés e a seu povo “na obscuridade de uma nuvem”, ao estrondo de um trovão e de relâmpagos, e ao som de uma trombeta “que ecoava com força”. “Todo o monte fumegava porque o Senhor tinha descido sobre ele em meio a chamas… Moisés falava, e os trovões divinos respondiam-lhe” (Id. 19, 16 a 19 ). E neste cenário sublime, Deus comunicou-lhe as Tábuas da Lei contendo os 10 Mandamentos!

Voltou depois Moisés ao Monte Sinai, onde com Josué, durante 40 dias e 40 noites, Deus comunicou-lhe outra série de leis, usos e costumes.

Ora, o povo “de dura cerviz”, vendo que Moisés demorava a descer, pediu a Aarão que lhes fizesse “um deus que marche à nossa frente” (Id, 32, 1), injuriando assim todos os benefícios e aliança estabelecidos com eles pelo Deus verdadeiro. E o irmão de Moisés não só cedeu àquele blasfemo pedido, fundindo um bezerro de ouro (ídolo dos egípcios que o adoravam com o nome de Apis), mas até ofereceu-lhe sacrifícios.

Nesse momento, Moisés, alertado pelo Senhor, desceu da montanha tomado de santo furor. E o castigo foi terrível: “Sua cólera se inflamou, arrojou de suas mãos as tábuas e quebrou-as ao pé da montanha. Em seguida, tomando o bezerro que tinham feito, queimou-o e esmagou-o até reduzir a pó, que lançou na água e a fez beber aos israelitas” (Id., 32: 19-20). Depois, “pôs-se de pé à entrada do acampamento e exclamou: ‘Venham a mim todos aqueles que são pelo Senhor!’ Todos os filhos de Levi se ajuntaram em torno dele. Ele lhes disse: ‘Eis o que diz o Senhor de Israel: cada um de vós meta a espada sobre sua coxa. Passai e repassai através do acampamento, de uma porta à outra, e cada um de vós mate o seu irmão, seu amigo e seu parente’” (Ib. 26-27)que tivesse prevaricado adorando o ídolo. Foram mortos 3 mil.

Naquele tempo, em que nem a Sinagoga havia surgido, Deus falava pela boca dos Profetas. Por isso é que comunicou a Moisés a vasta legislação que deveria reger a conduta do povo eleito, bem como minuciosas prescrições litúrgicas. Hoje, tanto a autoridade quanto a profecia se encontram na Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana.

Enfim, esse homem repleto de obras e méritos diante de Deus, depois de tudo que fizera, não haveria de entrar na Terra Prometida!

Já em suas proximidades, como faltasse água, o povo, como sempre, começou a murmurar. Deus ordenou então a Moisés que batesse com a vara no rochedo. Moisés e Aarão, pressionados pelo povo, hesitaram e, por um momento, a fé fraquejou. Por isso, bateram duas vezes. O Senhor ofendeu-Se com essa falta de fé, vedando-lhes a entrada na Terra Prometida (Cfr. Num., 20, 9 a 12).

Apesar dos pedidos do Profeta para ao menos nela pisar, o Senhor, que até então havia atendido a todos os seus rogos, não lhe respondeu. Diante desse silêncio, Moisés compreendeu que seus dias chegavam ao termo. Contava 120 anos de idade. Subiu ao Monte Nebo, de onde contemplou a terra tão ardentemente desejada, na qual não entraria. E ali, na terra de Moab, aquele Profeta, aquele intrépido guerreiro, aquele amigo de Deus rendeu sua alma ao Criador, desconhecendo-se até hoje o lugar de seu túmulo (Cfr. Deut. 34, 1 a 7).

            Que o seu espírito – de fidelidade a Deus, de prontidão e radicalidade em cumprir a vontade e os desígnios divinos – sejam imitados por nós, numa época de apostasia e neopaganismo. Era histórica de relativismo, de rejeição dos Mandamentos do Decálogo e culto idolátrico de novos e modernos Bezerros de Ouro…

            Em meio à terrível crise que assola o mundo atual, seja Moisés nosso modelo e nosso sustentáculo, como o foi para o povo judeu de sua época. Santo Profeta Moisés, vinde em nosso auxílio!

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Nota – A fonte de referência para a elaboração do artigo acima é constituída pelos seguintes textos do Antigo Testamento: Livro do Gênesis, cap. 37 a 50 e dos Livros do Êxodos; Levítico, Números e Deuteronômio. As citações literais dos textos bíblicos são indicadas no corpo do artigo.