ONTEM, HÁ 50 ANOS…

Salvador Allende e Fidel Castro em uma das sacadas do Palácio de la Moneda.
E Allende, no dia de seu suicídio, observa o ataque da Força Aérea Chilena contra o palácio de governo.
  • Juan Antonio Montes

O dia 11 de setembro marcará o 50º aniversário do último discurso de Salvador Allende, proferido pouco antes de os aviões Hawker Hunter da Força Aérea do Chile bombardearem o Palácio de la Moneda com precisão profissional.1

O evento na capital chilena produziu uma das mudanças mais decisivas na história nacional e internacional.

De fato, a queda do governo marxista de Allende representou o fim da esperança para muitos partidos socialistas na Europa, como os casos da Itália e da França, que viram seus planos de instauração do chamado comunismo com aparências de liberdade desmoronar.2

Assim, meio século depois do colapso daquele mito, conhecido como “socialismo com empadas e vinho tinto”, o fato é lembrado com dor e indignação pela esquerda mundial.

Contudo, ao contrário do que se poderia esperar, a campanha do atual governo chileno para condenar publicamente esta data está se revelando um verdadeiro bumerangue. Em vez de silenciar a voz dos anticomunistas, ela os está açulando.

“Não perdoe nem esqueça”

Os amigos de Allende: Cardeal Silva Henriquez, sem cujo apoio o governo do presidente marxista teria durado muito menos, e Fidel Castro, que durante 24 dias percorreu o Chile nos braços dele.

Normalmente, meio século é tempo suficiente para que as feridas sociais cicatrizem e a convivência nacional recupere a unidade. Poucos anos depois da guerra civil ocorrida no Chile em 1891, entre “parlamentares” e “presidencialistas”, com mais de cinco mil mortos em ambos os campos, foram promulgadas leis de anistia e divisões irreconciliáveis ​​deram origem a novos entendimentos, apagando da memória as crueldades praticadas pelos contendores.

O mesmo não aconteceu com a queda de Allende.

A palavra de ordem da esquerda: “não perdoe nem esqueça” tem sido a constante desde então, de modo que mesmo aqueles espíritos consensuais, que preferiram esquecer as divisões do passado, também não encontraram terreno psicológico propício para pregar o consenso.

Uma pesquisa organizada recentemente pelo CERC-MORI e apresentada pela Fundación Chile21, de centro-esquerda, produziu resultados surpreendentes. “Consultando uma amostra de 1.000 chilenos de diferentes gerações — os que viveram e os que não viveram durante o regime autoritário — [informa que] em 2023, 36% dos chilenos acreditam que os militares ‘estavam certos’ ao realizar o golpe, enquanto 41% indicaram que ‘eles nunca estiveram certos’, ou seja, apenas cinco pontos de diferença entre uma opinião e outra. Enquanto isso, 19% não responderam”.3

Derrubada de Allende evitou o desastre

Outro fato significativo ocorreu por ocasião das últimas eleições para o Conselho Constitucional, em 7 de maio do corrente ano. O partido mais votado foi justamente o único a não esconder as suas coincidências com o governo que assumiu após a queda de Allende.

Em recente comemoração da fundação do Partido Comunista Chileno, seu secretário-geral, Lautaro Carmona, declarou que o “Projeto Histórico de Unidade Popular está ‘inacabado, mas não derrotado’”.4

Como se vê, as posições não poderiam ser mais opostas e passionais. Parece que a queda de Allende aconteceu ontem.

Isso se deve a que todas as campanhas contra o regime anticomunista, organizadas após a queda de Allende, instalaram, sem exceção, um relato parcial dos fatos. Nenhum deles, até agora, quis analisar as causas que levaram à queda do presidente marxista.

Não se pode negar que, como em todos os confrontos, houve abusos injustificáveis ​​cometidos após o suicídio de Allende. No entanto, também não há como negar que muitos deles foram causados ​​pela odiosa luta de classe anterior, sistematicamente pregada pela esquerda.

Um olhar mais atento e profundo nos mostra que o acontecido em 11 de setembro de 1973 salvou o país de uma guerra civil que teria produzido um número incalculavelmente maior de vítimas em toda a população, ou a imposição definitiva de um sistema marxista que duraria décadas, como é o caso das nações irmãs Cuba e Nicarágua.

Nunca se esquecer dos tempos da opressão marxista

Para evitar essa amnésia, que tem procurado ignorar a situação de miséria e opressão produzida pelo governo Allende, poucas semanas após o 11 de setembro de 1973, quando o palácio presidencial La Moneda ainda fumegava, foi instaurado, por sugestão do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, uma comissão formada por dirigentes da TFP do Brasil, Argentina e Chile para fazer um relato ao vivo com os que sofreram suas consequências.

Sabendo que as nações esquecem rapidamente os momentos difíceis de sua história, o relatório foi exaustivo, entrevistando tanto pessoas físicas quanto profissionais importantes e líderes empresariais sobre o que aconteceu naqueles mil dias de opressão marxista.

A reportagem foi publicada e divulgada pela revista “TFP-Fiducia” e por todas as TFPs então existentes. A revista Catolicismo também a reproduziu (https://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0274-276/P01.html).

Seu objetivo era evitar que a memória da derrocada social e econômica produzida por Allende e seus “companheiros de viagem” se apagasse nos espíritos anticomunistas ao longo do tempo.5

A publicação já previa, com anos de antecedência, um fenômeno que décadas depois se confirmou: “Existe a possibilidade de que, em algum momento, o passado recente de nosso país — um passado triste e doloroso — seja esquecido. Ou seja, de que por um tácito consenso nacional de marchar rumo a um caminho futuro, a memória dos fatídicos dias vividos seja apagada”.6

Atual governo reativando a luta de classes

As campanhas publicitárias que atualmente são promovidas por ocasião deste 50º aniversário, apesar de afirmarem não pretender “polarizar”, caem, no entanto, no mesmo viés que todas as esquerdas têm cometido: a amnésia voluntária e persistente frente às causas que promoveram o 11 de setembro.

Aqueles que pretendem “canonizar” a figura do suicida Allende, bem sabem que teriam pesadas contas a pagar se lembrassem da adesão à via violenta que o Partido Socialista promoveu e praticou durante aqueles mil dias desastrosos.

Tampouco convém à esquerda católica lembrar o compromisso assumido em prol da expropriação em massa das lavouras e indústrias promovida pelo governo da Unidade Popular, que despertou um ódio de classe nunca visto antes, propiciando o confronto violento entre agitadores marxistas e patrões.

Até a própria Democracia Cristã, hoje reduzida à sua expressão mínima, teria dificuldade em explicar a preparação do terreno político realizada pelo presidente Frei Montalva, que passou para a História como o “Kerensky chileno”.

A campanha do atual governo de extrema-esquerda está tendo o mérito, obviamente indesejado, de ressuscitar memórias que pareciam mortas para sempre: os fatídicos mil dias da Unidade Popular e os conluios político-eclesiásticos que a prepararam.

Diante desta comemoração, e em grande parte por insistência da esquerda, a sociedade nacional apresenta as mesmas divisões irreconciliáveis ​​do 11 de setembro de 1973.

Ontem, há apenas 50 anos…

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Notas:

1. Quanto aos pilotos e à programação deste bombardeio, ainda há reservas. O general aposentado Eitel Von Mühlenbrock afirmou na época: “Achava-se que era melhor para quem participou viver em paz […]. É um segredo que foi guardado por quase 40 anos e continuará sendo então”. https://www.eldesconcierto.cl/nacional/2018/09/12/toda-la-verdad-estos-son-los-nombres-de-los-pilotos-que-bombardearon-la-moneda-hace-45-anos.html

2. Berlinguer E. Entrevista ao Stern Weekly, reproduzida em L’Unità, 17 de agosto de 1979: “Com uma DC rejeitada em uma linha de confronto, corremos o risco de uma situação chilena, ou seja, um ‘golpe’ da direita”.

Por sua vez, Mitterrand, durante sua visita ao Chile em 1971, declarou a respeito da experiência chilena: “Então, para um socialista francês, especialmente para o líder do Partido Socialista, há uma grande experiência a ser aproveitada. Em primeiro lugar, como socialistas e comunistas, para falar apenas disso, chegaram ao programa comum? Então, na prática, como, além de seus argumentos inevitáveis, eles conseguem manter uma disciplina de ação, sem que um transborde para o outro? Por último, e isto é, diria quase o principal, como conseguem manter as liberdades públicas? Mas após o golpe militar de 11 de setembro de 1973 e o suicídio de Salvador Allende, este se tornou um ‘herói’ para a esquerda socialista e esta viagem fez parte da mitologia chilena difundida pelo Partido Socialista Francês”. https://fresques.ina.fr/mitterrand/fiche-media/Mitter00005/francois-mitterrand-s-exprime-sur-l-unite-populaire-chilienne-menee-par-salvador-allende.html

3.https://elpais.com/chile/2023-05-30/un-36-de-los-chilenos-cree-que-los-militares-tuvieron-razon-en-dar-el-golpe-de-estado-who-pinochet-led.html

4.Emol.com-https://www.emol.com/noticias/Nacional/2023/06/05/1097123/partido-comunista-111-aniversario-up.html

5. Catolicismo, nº 274-276, outubro-dezembro de 1973; “Crusade for a Christian Civilization”, da TFP norte-americana, 1974; “Tradición, Familia y Propiedad”, da TFP Argentina, nº 19, fevereiro de 1974; “Lepanto” da TFP uruguaia, abril de 1974; “Cruzada” da TFP colombiana, nº 3, maio-junho de 1974; “Covadonga”, da TFP venezuelana, nº 8-9, setembro-dezembro de 1974. Jóvenes Bolivianos pro Civilización Cristiana reproduzem a revista “Lepanto” de maio de 1974. “Fiducia”, maio de 1974.

6 Ib. id.