Em contraste com o neopaganismo desagregador de nossos dias, reluz o exemplo de combatividade católica e desassombro de São Leão I, Papa. Deteve o huno Átila às portas de Roma, defendeu intrepidamente os direitos da Sé Apostólica; incrementou e deu novo esplendor às cerimônias litúrgicas. Por tudo isso, recebeu da posteridade o título de Magno. Sua festividade litúrgica é celebrada neste dia 10 de novembro.
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 479, novembro/1990
Por toda parte, nos dias de hoje, ouvimos falar de um certo ecumenismo, cuja preocupação predominante parece ser a de confundir a verdade com o erro, o bem com o mal.
Diante desse fato, avassalador, nada melhor para termos uma ideia clara do que é um vir calholicus et totus apostolicus (um varão católico e todo apostólico) do que conhecermos alguns episódios da edificante vida de São Leão I Magno (Papa de 440 a 461).
De grande coragem, ele enfrentou bárbaros terríveis de sua época, como Átila e Genserico. E no campo da fé, foi um baluarte contra as heresias que então proliferavam, como por exemplo, o maniqueísmo, (a respeito do qual nossas edições de julho e agosto trouxeram elementos) e o eutiquianismo.
Como um leão…
Quem, em meados do século V, navegando pelas plácidas águas do rio Tibre, penetrasse no coração de Roma, deparar-se-ia com uma imponente cidade de um milhão e duzentos mil habitantes, dotada de 37 portas, 424 templos e 29 aquedutos, estes tão largos que facilmente por eles poderia transitar um barco. Era a capital do mundo civilizado de então, entretanto atolada na vida mole e de prazeres fáceis, desfibrada e em franco processo de desagregação moral.
Durante mais de 600 anos não vira ela diante de seus muros exército inimigo; contudo, no ano de 408, tornara-se presa fácil do visigodo Alarico.
Em 452, novamente seus habitantes tremeram diante da ameaça dos hunos, chefiados pelo temível Átila, que a si mesmo se chamava “flagelo de Deus”. Desta vez, porém, havia em Roma um homem de Deus que, pondo sua confiança no Altíssimo, nada temia. Era São Leão I, Papa.
“Como um leão que não conhece medo nem tardança — escreve seu biógrafo, Jordanes — este varão apresentou-se, perto de Mântua, ao rei dos hunos e moveu o vencedor a retirar-se” (J.B. Weiss, “História Universal”, Tipografia La Educación, Barcelona 1927 – Tomo IV, p. 303). Era tal a imponência do sucessor de São Pedro em seus trajes pontificais, que o huno, desafiador destemido dos mais poderosos exércitos de então, bateu em retirada atemorizado.
Três anos mais tarde, o imortal Pontífice haveria de sair ao encontro do chefe vândalo Genserico, obtendo dele um saque pacífico da Cidade Eterna, tendo sido poupadas muitas vidas.
Doutor da Igreja
Pela grandeza e valor com que conduziu o seu pontificado, São Leão foi cognominado “Magno”, isto é Grande.
Era ele originário da Toscana. Desde cedo aplicou-se aos estudos de humanidades e teologia, progredindo tanto no aprofundamento desta última ciência que, mesmo antes de ascender à Cátedra de Pedro, chegou a tornar-se um dos mais famosos Prelados da Igreja sob os Pontificados dos Papas Celestino e Sixto III.
No ano de 440, sucedeu ele a Sixto III no sólio pontifício. O timão de Pedro necessitava ser dirigido, naquela época, por mãos muito capazes. Além da debacle moral e material do Império Romano do Ocidente, várias heresias tentavam dilacerar a Igreja nesta fase de sua existência. E São Leão I socorreu tanto o Império quanto a Igreja, livrando o primeiro dos bárbaros e a segunda das heresias.
“Abriu-lhe a boca no meio da Igreja, e o Senhor o encheu com o espírito de sabedoria e de inteligência, e o vestiu com um manto de glórias” (Ecles. 15-5) são as palavras empregadas pela Santa Igreja para qualificá-lo no Introito de sua Missa. Com efeito, São Leão Magno não só convocou Concílios, promulgou leis, escreveu livros, sermões e epístolas, mas também combateu todas as heresias que surgiram em seu tempo.
Entre elas, a mais perniciosa, talvez, tenha sido a difundida por um monge de Constantinopla chamado Eutiques (ver quadro no final).
Encontrando apoio entre cortesãos de Teodósio II, Imperador do Oriente, a heresia parecia triunfante. São Flaviano, Patriarca de Constantinopla, que o condenou, foi martirizado por partidários de Eutiques.
No auge da celeuma, com o falecimento do débil Teodósio, sua irmã, Santa Pulquéria — que já possuía o título de Imperatriz — enfeixou em suas mãos todo o poder imperial. Foi um golpe decisivo para a heresia, uma vez que Pulquéria sempre fora filha obedientíssima da Sé Apostólica. E nessa Sé, felizmente, São Leão I condenava com força e sabedoria todos os erros.
O exemplo de São Leão I, que de modo inflexível combateu as heresias de seu tempo, é um possante estímulo para todos os autênticos católicos, que hoje se defrontam com tantos erros, especialmente de caráter teológico e sócio-político. Estes, infelizmente, grassam de modo velado ou aberto em ambientes católicos, veiculados por ”progressistas” de todos os matizes, dentre os quais sobressaem os adeptos da Teologia da Libertação.
Firmeza de um santo em face da heresia
São Leão Magno destacou-se, durante o seu Pontificado, pelo combate contra numerosas heresias que então agitavam a Igreja, principalmente o eutiquianismo.
Em um célebre sermão contra a heresia de Eutiques,* pronunciado em Roma na Basílica de Santa Anastácia, São Leão I exortava os fiéis a não darem nenhum sinal de aceitação e nenhuma manifestação de afeto à heresia, pois, como ensinou São PauIo Apóstolo: “o homem herege, depois da primeira e segunda admoestação, evita-o, porque tal sujeito é um transviado, um delinquente que por seu próprio juízo se condenou” Tim. III, 10-11).
Após salientar que “é obrigação do oficio pastoral tomar as devidas providências para que a malvadez da heresia não faça dano à grei do Senhor, e indicar as convenientes cautelas contra a voracidade dos lobos e a perversidade dos ladrões, o Pontífice continua:
“Ora, estes de que falamos, diletíssimos irmãos, fugi deles como de veneno mortal, execrai-os, desviai-vos deles, e, se repreendidos por vós, se não quiserem emendar, deixai de lhes falar; pois, como está escrito, “a palavra deles estragada como a gangrena”. (II Tm. 2,17). Os que por justo juízo foram expelidos da unidade eclesiástica, não se lhes deve dar nenhuma .comunhão, pois esta não a perderam por ódio nosso, mas por crimes seus” (São Leão Magno. – Sermões para o Natal – Editora Verbo, Lisboa, 1974).
Nota: (*) Eutiques, superior de um convento perto de Constantinopla, embora admitindo que em Jesus Cristo existe uma só pessoa, pretendia também que não houvesse n’Ele mais do que uma natureza, a divina; negava, pois, que Nosso Senhor fosse também verdadeiro homem, além de verdadeiro Deus. Apontou-lhe o erro São Flaviano, Bispo de Constantinopla. Eutiques, porém, em lugar de reconhecer a heresia e de se submeter, obstinou-se ainda mais, reunindo um conciliábulo para propagar sua doutrina, conhecido sob o nome de Latrocínio de Éfeso. Logo que tomou conhecimento desses fatos, Leão I convocou um Concilio, que reuniu 600 Bispos na cidade de Calcedônia, no ano 451. Esse Concílio condenou Eutiques e definiu que há em Jesus Cristo duas naturezas, uma divina e outra humana, distintas entre si, e unidas hipostaticamente em uma mesma pessoa.