Seminário de católicos progressistas manifesta desalento

O ministro Gilberto Carvalho, falando ao microfone. À esquerda, sentado, com a mão no rosto, Pedro Stédile líder do MST
O ministro Gilberto Carvalho, falando ao microfone. À esquerda, sentado, com a mão no rosto, Pedro Stédile líder do MST. [Fotos: Rafael Nogueira]

       Rafael Nogueira

Realizou-se nos dias 10 e 11 de dezembro último, no Hotel Nacional em Brasília, um seminário promovido principalmente pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), intitulado “Questão Agrária e Desigualdades”.

Foram dois dias de palestras e “debates”, denominados “painéis”. O público, constituído por cerca de 80 pessoas entre 30 e 50 anos, era preponderantemente formado por integrantes de movimentos de esquerda: MST, CPT, CUT, Via Campesina etc. Participaram também do evento alguns estudantes universitários, bem como funcionários públicos do INCRA e de ministérios.

Entre os participantes, uns eram de viés claramente esquerdista, enquanto outros, mais idosos, podiam ser qualificados como de tendência comunista clássica, ultrapassada.

O seminário refletiu os sintomas que se podem notar na opinião pública em âmbito universal: de um lado, a atual onda conservadora no País e no mundo; e, de outro, a dificuldade encontrada pelos movimentos esquerdistas para implantar a Reforma Agrária e as reformas de base em geral.

Um aspecto importante, e bastante frisado no seminário, foi o reconhecimento do papel exercido pelos prelados católicos como grandes impulsionadores da luta de classes no Brasil.

A nota geral do evento foi de que a esquerda está perdendo terreno, não está conseguindo implantar a Reforma Agrária, sendo-lhe necessário reacender o entusiasmo revolucionário. Todos os esquerdistas presentes manifestaram grande esperança na atuação do Papa Francisco.

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Seguem os aspectos essenciais do primeiro painel, o mais importante do simpósio. Os demais painéis repetiram, em essência, as doutrinas e as propostas de caráter prático enunciadas no primeiro.

 

Palavras de um prelado progressista

O ministro Gilberto Carvalho, falando ao microfone. À esquerda, sentado, com a mão no rosto, Pedro Stédile líder do MSTInicialmente falou, representando a CNBB, D. Guilherme Werlang [foto], bispo de Ipameri (GO). Ele discursou de forma tranquila, utilizando jargões esquerdistas batidos e muitas vezes desconexos. Censurou o fato de a Reforma Agrária ter estado fora dos debates durante a última campanha eleitoral.

A luta pela Reforma Agrária no Brasil, segundo ele, iniciou-se com o descobrimento do País pelos portugueses… Para D. Werlang, seria preciso então mudar “radicalmente o atual modelo” de Reforma Agrária.

Depois de lamentar o fracasso dessa luta até agora, afirmou que, para nossos dias, não basta uma Reforma Agrária cheia de remendos. É preciso impor uma que seja popular e radical.

Na visão de D. Guilherme, a questão agrária como está sendo conduzida é imoral e uma das principais causas da violência contra camponeses, índios, quilombolas, ribeirinhos etc.

Ele citou o Papa Francisco “em defesa dos pobres”, estabelecendo uma ligação com a defesa da natureza.

Na década de 1980, a CNBB deu a público um documento favorável à Reforma Agrária, intitulado “Igreja e Problema da Terra” (IPT), após o qual não se verificaram grandes progressos nesse sentido.(1)

Prosseguindo, D. Werlang disse que em maio de 2014 a CNBB deu um passo importantíssimo, publicando o documento “A Igreja e a questão agrária brasileira no início do Século XXI”. Mas ele não o tem como ideal, pois acha muito difícil a CNBB aprovar um documento dessa natureza, devido a discordâncias internas. Entretanto, foi o que conseguiu aprovar, sendo satisfatório em linhas gerais.

O prelado aproveitou para elogiar o recente encontro do Papa Francisco com os “movimentos sociais”, realizado em Roma em outubro passado, que teria sido “algo profético”.

Citou também o fato de a CNBB ter lançado recentemente, pela primeira vez, um documento sobre a questão quilombola.

 

Visão de um agitador social marxista

O segundo orador foi João Pedro Stédile, líder do MST. Sua oratória foi a que mais revelou candência revolucionário-comunista. Ele começou em tom tranquilo, mas foi depois se tornando virulento, causando vibração no pequeno auditório.

De início, lamentou o ambiente “burguês” do local da reunião, o Hotel Nacional. Teria preferido que o seminário se realizasse na sede da CNBB, ou num local “mais do povo”.

Seu discurso, de teor comunista, propugnou a luta de classes, vituperando o capitalismo e o “império”, e lamentando que os comunistas de hoje não são mais como os de tempos passados.

Enquanto classe, Stédile lamentou que os movimentos esquerdistas não conseguem mais atuar na sociedade. A última greve geral ocorreu em 1988. Segundo ele, a Reforma Agrária clássica é inviável em nossos dias. Atualmente, é necessário unir forças para impor uma Reforma Agrária “radical e popular”. E não ficar só no campo, mas partir para a cidade, com as reformas urbana e industrial; não se restringir aos camponeses, mas estender a atuação junto aos índios, quilombolas, pescadores etc.

Afirmou que hoje o “capital” domina tudo: escolas, mídia, judiciário. E, manifestando irritação, observou que agora até o PT é pelo agronegócio: o “capital compra até comunista”.

Insistiu em que a Reforma Agrária clássica está inviabilizada e que “só com os camponeses ela não vai”. É preciso uma Reforma Agrária “popular, sem a burguesia”, englobando também a questão ecológica.

Para Stédile, há diversas contradições no atual modelo do agronegócio: a ausência da preocupação ecológica, por exemplo. E, conforme “o velho Marx nos ensina”, sentenciou que as contradições vão gerar a próxima ruína do agronegócio.

Uma frase revela bem o seu desânimo: “Nosso time está fraco”.

Ele se referiu à Igreja (à sua ala progressista naturalmente, que distorce a sua doutrina tradicional em benefício do socialismo e do comunismo), falando que ela desempenha papel primordial na luta de classes, devendo para isso orientar e expor a doutrina, cabendo aos leigos colocá-la em prática.

Stédile disse ainda que a Igreja hoje tem-se recuperado, colocando-se na vanguarda da luta de classes no Brasil, sobretudo com o último documento da CNBB, de maio de 2014 (o mesmo citado por D. Werlang). “Leiam este documento para irem para o Céu!” – exortou em tom de gracejo.

Por fim, manifestou-se contentíssimo com o Papa Bergoglio: “O Papa Francisco é um homem revolucionário, corajoso, tem dignidade e está do lado dos pobres. Ele acabou com essa história de beijar a mão e coisas do gênero”.

 

Lamúrias de um político, católico progressista

O ministro Gilberto Carvalho, falando ao microfone. À esquerda, sentado, com a mão no rosto, Pedro Stédile líder do MSTPor último falou Gilberto Carvalho, ainda como ministro e, portanto, representante do governo federal. Com tom tranquilo de voz, no estilo característico dos políticos profissionais, ele tentou explicar a dificuldade da presidente Dilma em avançar rumo à esquerda, devido a contínuas pressões da direita e de setores conservadores. Constatou que a bancada ruralista está crescendo cada vez mais.

Em sua apreciação, o modelo do governo brasileiro é no fundo o da elite, a cultura estabelecida é a da elite. Por tudo isso, é muito difícil fazer valer as políticas que favoreçam o povo.

Carvalho observou que houve uma grande reação quando a presidente Dilma tentou aprovar a lei dos Conselhos Populares. E, entretanto, ele considera aquele projeto muito aquém do que a esquerda queria.

Bem enfronhado nos meios eclesiásticos, o ministro tentou demonstrar que o Papa Francisco seria “uma primavera nova”, sem proporções com o passado. Mas reconheceu que, infelizmente, as dioceses e paróquias ainda não o estão entendendo. Portanto, avaliava que ainda iria demorar um pouco para se obter o desejado.

Lembrou que houve no passado outra “primavera”: a da CPT, das CEBs etc. Os movimentos de base foram “fecundados” pela Hierarquia eclesiástica. Então, o Vaticano “nos enquadrou e depois nos sufocou”. Mas atualmente o Papa Francisco está voltando atrás.

Defendeu a reforma do Estado e observou que o governo Dilma só não a realizou devido à pressão da direita.

Insistiu na necessidade de união, como também de pressão sobre o governo. “Não se pode deixar só os conservadores avançarem”, enfatizou.

Carvalho explicou que outrora era uma vergonha ser de direita. Hoje, entretanto, a coisa se inverteu e ficou honroso ser conservador, ser de direita: é “moderno” e “chique”. Disse que é preciso colocar de lado as diferenças internas e mobilizar os movimentos sociais. Para ele, a Igreja, as comunidades etc. desempenham papel de grande importância nesse processo.

 

Patenteiam-se no debate atuais agruras da esquerda

O ministro Gilberto Carvalho, falando ao microfone. À esquerda, sentado, com a mão no rosto, Pedro Stédile líder do MSTApós essas três exposições houve um espaço para debates. Muitos participantes se levantaram para se queixar contra o governo do PT. Grande número dos presentes reclamou por não se falar mais da Reforma Agrária.

Significativa intervenção foi a de uma jovem de aproximadamente 25 anos. Ela afirmou que teve de se afastar de sua paróquia por causa da faculdade. Nesse período, ela se aproximou mais dos quilombolas e das “massas” etc. Mas quando voltou para a paróquia, percebeu ter havido um recuo conservador: “Na minha paróquia, as mulheres para fazerem as leituras, precisam estar de saia e véu!”, lamentou. E indagou então o que fazer para que as diretrizes do Papa Francisco cheguem às paróquias…

Em resposta, D. Guilherme reconheceu que realmente a situação está muito difícil. Afirmou pertencer à geração do Concílio Vaticano II e das CEBs, mas que hoje os padres são mais conservadores. Na diocese dele há dois padres que insistem em usar clergyman! Ele teve de proibir os seminaristas de usá-lo, mas declarou que não podia fazer o mesmo com os eclesiásticos mais graduados.

Proferiu em seguida uma frase muito significativa e constrangedora para os defensores do progressismo católico: “Se você vai num seminário ou convento conservador, está cheio de vocações. 70 a 80% das vocações provêm do conservadorismo”. Segundo o bispo, é necessário trabalhar na formação dos seminaristas, dos bispos, das comunidades etc.

Só agora, após 15 anos de bispado, de atividade episcopal, diz Dom Guilherme, é que ele começou a ter esperança com o Papa Francisco. “Essa não é a primeira crise da igreja. Ela já passou por piores”, acrescentou.

Um idoso barbudo e com chapeuzinho preto, membro do PC do B, tomou a palavra: “O anticomunismo é uma doença letal”. E mais adiante: “Hoje há manifestações anticomunistas brutais. Na rua, muitos dizem ‘fora comunista’. Como contra-atacar?”, perguntou.

Um “companheiro” da EMBRAPA levantou-se e procurou ressaltar a necessidade de união entre os conceitos de Reforma Agrária e Reforma Urbana.

Stédile, à guisa de resposta, defendeu uma formação comunista para a juventude, a realização de seminários marxistas, o fechamento de ruas, greves, marchas etc. E concluiu com a frase: “Bem-vindos à luta de classes!”, sendo ovacionado pela audiência.

O ministro Gilberto Carvalho reafirmou a ideia de que o Papa Francisco é “uma nova esperança, e um profeta”. E frisou: “A Igreja é inspiração para todos”.

 

Agitação social: ponto comum em meio a vivas oposições internas

Os outros painéis não tiveram tanta expressão quanto o primeiro. Eles continham, como dissemos, as mesmas notas principais acima referidas.

Merece menção o dito de um sacerdote participante: “O Papa Francisco está puxando sozinho uma carroça empacada”.

Percebia-se entre os participantes uma divisão generalizada. Uns reclamavam que a CPT ou movimento tal não fora convidado para compor a mesa. Outros elogiavam a função social da propriedade, enquanto alguns mais radicais diziam ser necessário eliminar a função social da propriedade e invadir tudo.

Todos concordavam num ponto: é necessário promover a agitação social.

 

Balanço dos dois dias de seminário

Ao final, um observador pouco atento pode ficar com impressões contraditórias, sem conseguir formar um quadro coerente dos dois dias de seminário.

Entretanto, uma análise cuidadosa revela certas linhas mestras, que põem em ordem essas impressões e conduzem a conclusões criteriosas.

A primeira linha, que perpassa todo o seminário, é o radicalismo esquerdista, em alguns casos chegando até a enunciados explicitamente marxistas, muito semelhante ao observado no último Encontro das CEBs realizado no Ceará, em janeiro de 2014.(2)

A segunda linha, muitíssimo mais presente neste seminário do que naquele Encontro das CEBs, refere-se a uma frustração generalizada nos participantes, pelo fato de que esse radicalismo não vem encontrando eco na população brasileira, sobretudo nas classes mais populares. Daí a procura de bodes expiatórios para justificar a rejeição das teses esquerdistas pelo povo em geral. Os culpados seriam o capitalismo, o “império”, o fato de que os comunistas de hoje não são como os de ontem, uma onda conservadora que invade tudo etc. De onde também um apelo, um tanto forçado, ao brio dos participantes, para que não esmoreçam, para que vão às ruas fazer manifestações, pressionar etc.

A terceira linha foi o reconhecimento praticamente unânime de que o pouco conseguido nestes últimos tempos se deveu à ação de eclesiásticos, que empenharam a fundo o prestígio da Igreja no processo de esquerdização do País, sobretudo forçando a aplicação das chamadas reformas de base, com destaque para a reforma agrária.

Por fim, a quarta e última linha é a que se refere ao futuro. O que esperam os participantes para o futuro? Curiosamente, eles parecem esperar pouco ou quase nada da atuação dos movimentos de esquerda. Sua confiança, reiteradamente, foi colocada no pontificado do Papa Francisco. Eles esperam que, sob a ação desse pontificado, a esquerda possa retomar ânimo, retomar fôlego e, sempre sob o impulso de eclesiásticos, conseguir impor suas metas ao Brasil.

Uma coisa é certa: não são seminários como esse que vão reativar o ânimo arrefecido das esquerdas ou conseguir dobrar as sadias resistências do povo brasileiro, especialmente dos católicos.

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1. É oportuno lembrar que na ocasião o mencionado documento foi cabalmente refutado pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em sua renomada obra Sou Católico. Posso ser contra a Reforma Agrária? Livro escrito em colaboração com o economista Carlos Patrício del Campo, São Paulo, Editora Vera Cruz – Fevereiro/1981, amplamente divulgado em todo o País.
2. Cfr. Um festival de marxismo, o Congresso das CEBs, in Catolicismo, nº 760, abril/2014.