Sobrevivente de Nagasaki morreu em odor de santidade

Plinio Maria Solimeo

Conhecido como “o Santo de Urakami”, o Dr. Takashi Nagai dedicou sua vida de médico radiologista para curar física e espiritualmente uma população destroçada pela bomba atômica, apesar de isso lhe provocar a morte por leucemia.

No dia 6 de agosto de 1945, quase no fim da II Guerra Mundial, os americanos lançaram uma bomba atômica em Hiroshima, que resultou na morte imediata de 80 mil pessoas. E, no dia 9, lançaram outra no distrito de Urakami, em Nagasaki, que reduziu a cinzas a cidade e matou cerca de 72 mil pessoas. É de se notar que essas duas cidades eram as que tinham o maior número de católicos no Japão.

         Ora, nesse mesmo dia, exatamente às 10h30, o Conselho Supremo de Guerra do Japão decidia se deveriam capitular ou continuar a guerra. E à meia-noite o Imperador deu a conhecer sua decisão de pôr fim à guerra[i]. Mas já era tarde…

“Ateísmo convencido”

         O Servo de Deus Dr. Takashi Paulo Nagai [foto] nasceu no dia 3 de fevereiro de 1908. Seu pai era médico, e sua mãe descendia de antiga família de samurais.   

Nagai fez seus estudos secundários no internato Matsue High School, e depois seguiu a carreira de medicina na Universidade de Nagasaki.

Sua família tinha profundas raízes xintoístas, mas ele, em sua adolescência e juventude, praticava um “ateísmo convencido” — amálgama de agnosticismo e ateísmo com raízes xintoístas —, influenciado pela mentalidade racionalista vigente na faculdade de medicina durante seus anos de estudos. Por causa disso, afirmava que a existência da alma era “um fantasma inventado por uns impostores para enganar as pessoas simples”.

Morte da mãe leva-o a cogitar sobre a vida futura

         Contudo, em 1930, com o falecimento de sua mãe, Takashi chegou à conclusão de que deveria haver algo depois da morte: “Os olhos de minha mãe me fizeram ver que o espírito do homem continua vivendo depois da morte.”

         Esse episódio o motivou a investigar o que diziam os filósofos sobre a existência da alma, como escreveu em sua autobiografia: “Não podia suportar uma vida sem sentido. Tinha que encontrar o que não perece. Tinha que aferrar-me ao que não morre nunca — título que deu à sua autobiografia.

Médico radiologista – Primeiro contato com a fé católica

Takashi Nagai formou-se em medicina em 1932. Contudo, uma inflamação no ouvido direito deixou-o parcialmente surdo. Como isso persistia, ele foi impedido de exercer a medicina, e passou a se dedicar então à radiologia.

Na véspera do Natal de 1931, quando Takashi tinha 24 anos, Sadakichi, o dono da casa onde ele se alojava em Nagasaki, o convidou a ir à Missa da meia-noite. O rapaz alegou que não era cristão. Ao que lhe respondeu Sadakichi: “Os pastores que acudiram ao portal tampouco o eram, mas ao vê-Lo [ao Menino], foram capazes de crer”.

         Nagai acabou indo à Missa, sendo esse seu primeiro contato com a fé católica de forma viva. No momento do Glória in excelsis Deo, escreve ele em terceira pessoa, “ouviu uma voz que procedia de Quem sabe de onde é e que o chamava”, e que lhe dizia: “Eleva o olhar aos céus; a salvação de Deus está próxima”. Isso causounele uma repentina e firme “convicção”: “Na Igreja está o corpo vivo do Onipotente”.

Na madrugada do dia seguinte, Midori, a filha adolescente de seus hospedeiros, foi acometida de apendicite aguda. Nagai fez um rápido diagnóstico, telefonou para o cirurgião no hospital, e carregou Midori nas costas pelos campos em neve. Como a operação foi bem-sucedida, a jovem sobreviveu.

Na guerra da Manchúria

         Em 1933 Nagaifoi recrutado como médico para a guerra da Manchúria. Ele cuidava dos feridos e atuava no serviço sanitário. Como desejava instruir-se mais na fé católica, Midori lhe enviou um catecismo ao front, que ele começou a estudar e meditar.

Ao retornar da Manchúria, o radiologista  continuou a estudar o catecismo, tendo Midori como sua guia. Ela o instruiu sobre os mandamentos e outros dogmas da doutrina cristã. Takashi se arrependeu profundamente da vida passada, afirmando: “Se há um Deus e um demônio, eu levava toda a vida cumprindo os mandamentos do segundo: orgulho, luxúria, cobiça, ira, gula…”.

Batismo, crisma e matrimônio

         No dia 9 de junho de 1934 Nagai teve a dita de se tornar filho de Deus pelo batismo, sentindo “uma felicidade infinita”, e que “o Espírito Santo regenerava completamente sua alma”. No batismo ele escolheu o nome de Paulo Miki, um dos 26 mártires crucificados em Nagasaki em 1597, que ainda não fora canonizado. Recebeu depois a confirmação, e “se converteu então em um verdadeiro soldado espiritual com Cristo, disposto a combater a satanás”.

         Em agosto desse mesmo ano de 1934 ele se unia em matrimônio com Minoro. O casal teve quatro filhos: um menino, Makoto, nascido em 1935, e três meninas, duas delas falecidas em tenra idade, e Kayano, nascida em 1941.

         À medida em que se aprofundava em sua formação católica, Nagai começou a se dedicar aos mais necessitados de ajuda médica, material e espiritual. Para os socorrer mais eficazmente, entrou para a Sociedade de São Vicente de Paulo.

Outra vez na guerra

Em 7 de julho de 1937 Takashi foi mobilizado como cirurgião na guerra contra a China, sofrendo muito no inverno rigoroso daquele país.

No início de 1939 ele recebeu a notícia da morte do pai e de sua filha Ikuko. Nagai permaneceu na China até 1940. Após seu retorno, continuou seus estudos na faculdade para doutorar-se, o que ocorreu em 1944.

Vítima da leucemia

Como radiologista, sua exposição aos raios X trazia sérios riscos para a sua saúde, pois atendia de 50 a 100 pessoas por dia. O que tornava o perigo de radiação ainda maior era que durante os exames ele estava sujeito à exposição contínua e direta dos raios X, uma vez que os filmes não estavam disponíveis no período de guerra.

No ano de 1945, Takashi Paulo começou a sentir os primeiros sintomas da leucemia nas mãos, com um cansaço extremo e fortes tremores ao subir uma escada. Em junho desse ano foi diagnosticado com leucemia, com uma expectativa de vida de três anos de morte lenta e dolorosa.

Muito preocupado com o futuro, ele conversou com a esposa sobre sua doença e a perspectiva de morte próxima. Midori, embora afetada profundamente, resignou-se e se limitou a dizer: “Se se vive para a glória de Deus, tanto nossa vida como nossa morte têm valor. Tu destes tudo o que tinhas por um trabalho importantíssimo, e o fizeste para a Sua glória”.

Na noite de 6 de agosto, quando soube da bomba em Hiroshima, Takashi decidiu levar seus filhos para Matsuyama, a seis quilômetros de distância, no interior, acompanhados de sua sogra.

Os efeitos da bomba

         No fatídico 9 de agosto de 1945, Midori estava em casa, a um quilômetro da universidade onde Nagai dava aula a estudantes e atendia pacientes.

         De repente, às 11h da manhã, ao cair a bomba, ele foi lançado a mais de seis metros de distância, tendo muitos cortes e uma chaga profunda no lado direito do corpo, que cortou sua artéria temporal direita. Apesar disso, juntou-se ao restante da equipe médica para atender às vítimas da bomba. Esta tudo destruíra: “Bairros, fábricas, escolas, igrejas, bosques, campos, muros de pedra… tudo o que existia havia desaparecido”, relatou Takashi em sua autobiografia.

Naturalmente, ele pensou logo em sua esposa. Contudo, só no dia 11 de agosto, quando pôde visitar sua casa, a encontrou em escombros. E tudo o que restava de Midori eram alguns ossos junto com um Rosário, que ela provavelmente rezava na hora, e cuja cruz permaneceu intacta.

Por seis meses, o virtuoso radiologista observou luto por Midori, e deixou barba e cabelocrescer.

Curado pela intercessão do Pe. Maximiliano Kolbe

Alguns meses depois, Takashi ficou confinado na cama, pela piora do ferimento na cabeça, que provocou uma hemorragia que o pôs em perigo de morte por um mês. Um dia ele ouviu uma voz instando-o a pedir a intercessão do Pe. Maximiliano Kolbe [foto] para sua cura. Este futuro mártir vivera de 1931 a 1936 em um subúrbio de Nagasaki, onde Takashi o conheceu.

         Tendo sido testemunha das virtudes do Pe. Kolbe, o radiologista se recomendou a ele com fervor, pedindo-lhe ajuda. E esta logo veio. No outro dia, quando o médico o examinou, exclamou: “Deteve-se a hemorragia!” Milagre que Nagai atribuiu à intercessão do Pe. Kolbe.

         Em julho de 1946, Takashi desmaiou na plataforma de uma estação. Levado para casa, passou a ficar confinado na cama.

Combatido por comunistas e socialistas

         Esse lídimo católico deixou uma prodigiosa produção de ensaios, memórias, desenhos — para os quais ele também era muito dotado — e textos manuscritos sobre Deus, a guerra, a morte, a medicina e a orfandade, tornando-se um dos autores mais lidos no Japão. Foi condecorado pelo Ministério da Previdência Social em 1948, e o Ministério de Educação o recomendou a todas as escolas, e incluiu trechos de Takashi nos programas dos livros escolares.

         Em setembro de 1949 foi apresentado na Câmara dos Representantes do Parlamento japonês um projeto de lei que visava honrar dois Japoneses que haviam contribuído muito para restabelecer a nação desmoralizada: o primeiro Prêmio Nobel do Japão, o físico Hideki Yakawa, e o cientista e homem santo de Nagasaki, Takashi Nagai. Os parlamentares comunistas e socialistas opuseram-se ao projeto[ii].

Em 3 de dezembro de 1949, Nagai se tornou cidadão honorário da cidade de Nagasaki. Recebeu a visita de Helen Keller em outubro de 1948 e, em 1949, foi visitado pelo imperador Hirohito e pelo cardeal Gilroy, da Austrália, um emissário papal.

         Enquanto suas forças o permitiam, Takashi continuou a atender física e espiritualmente uma população destroçada pela guerra por meio de cartas e escritos piedosos. Pelo que passou a ser afetuosamente conhecido como “o Santo de Urakami”.

“Tal vida, tal morte”

         Chegou então o fim. Na noite de 1º. de maio de 1951, sentindo-se morrer, Takashi rezou: “Jesus, Maria e José, em vossas mãos confio minha alma”. Logo depois, como se estivesse enfrentando uma última batalha, gritou: “Por favor, orem!” Ele faleceu às 21h50, aos 43 anos de idade[iii].


[i]Cfr. Discurso feito por Takashi Nagai no dia 23 de novembro de 1945 diante dos destroços da catedral de Urakami, e que consta em seu livro “Os Sinos de Nagasaki”, apud https://www.sspxasia.com/Newsletters/2007/May-Sep/Funeral_Address.htm

[ii]Cfr. Hino a Nagasaki, Paul Glynn. Tradução : Pe. Lino Stahl, SJ. Edições Loyola. apud https://apologistasdafecatolica.wordpress.com/2018/05/16/os-comunistas-e-socialistas-se-opuseram-a-que-o-dr-catolico-takashi-nagai-fosse-aclamado-heroi-nacional-do-japao/#more-2410

[iii]Kataoka, Yakichi “The life of Nagai Takashi(永井隆の生涯). San Paolo, 1961” citado na inglês,https://en.wikipedia.org/wiki/Takashi_Nagai;

Outras obras consultadas:

https://www.religionenlibertad.com/cultura/857821024/converso-sobrevivio-nagasaki-murio-olor-santidad.html?eti=9484#%23STAT_CONTROL_CODE_3_857821024%23%23

https://www.religionenlibertad.com/personajes/925404474/ni-bomba-atomica-capaz-acallar-dios-nagai-converso-sobrevivio-nagasaki.html