“Deixai vir a Mim as criancinhas”

  • Plinio Maria Solimeo

Uma das mais admiráveis virtudes que atraem o coração reto é a inocência infantil. Não há pessoa que, por mais corrompida que seja, que não se comova ao contemplar uma criancinha nos seus verdes anos.

Por isso, não há nada que encante mais que o sorriso de uma criança no esplendor de sua inocência batismal! Ele reflete a louçania e a candura da alma infantil, ainda não conspurcada pelas mazelas da vida. Para ela, tudo é belo, tudo é encanto, tudo é alegria, como canta com tanta poesia Casimiro de Abreu:

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!

A recordação dos dias felizes da infância perdura a vida toda, e provoca um sentimento de suave nostalgia dos tempos passados, que leva o mesmo poeta a suspirar:

Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!

No sacrário religioso da família bem unida, a criança mantém esse frescor de alma infância adentro, deleitando-se com os prazeres miúdos que a vida despreocupada e alegre lhe proporciona, como afirma ainda Casimiro:

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Outra singela poesia que demonstra o empenho consciencioso de um pai de família em que a filha conserve pura e virtuosa essa inocência até a adolescência, foi escrita por um homem famoso no tempo do Brasil Império, e diz:

Põe na virtude, filha querida,

de tua vida todo o primor.

Não dês à sorte, que tanto ilude

Sem a virtude, algum valor.

Tudo perece: murcha a beleza,

Foge a riqueza, esfria o amor;

Mas a virtude, zomba da sorte,

Até da morte, disfarça o horror.

Brilha a virtude na vida pura

Qual na espessura do lírio a cor.

Cultiva atenta, Filha mimosa,

Sempre viçosa tão linda flor.

O autor dessa bonita peça que transuda espírito religioso, foi o primeiro e único Barão e Visconde de Pedra Branca, Domingos Borges de Barros, nascido na Bahia em 1780 e nela falecido em 1855. Conhecido advogado, escritor, diplomata, político, e sobretudo senhor de engenho, formado em Direito pela famosa Universidade de Coimbra, deputado às Cortes de Lisboa, senador do Brasil Império, e pai da famosa Condessa de Barral, preceptora da Princesa Isabel. Foi à essa filha única, Luíza, que ele escreveu esse belo poema no qual transpira todo o amor paterno.

*   *   *

Nessa época feliz que retratamos, a criança se deleita com as menores coisas da vida, seja uma bola de meia, ou uma boneca de palha de milho. É ávida dos contos infantis, que a transportam para um mundo maravilhoso pontilhado de anjos e fadas. “Daí — diz o grande pensador católico e homem de ação, Prof. Plínio Corrêa de Oliveira — a importância capital para uma civilização católica, o fato de proporcionar às crianças uma literatura profunda e sadiamente formativa, que as ajude a manter-se fiéis à inocência, e a empreender o caminho da admiração pelo maravilhoso, que poderá constituir o verdadeiro timão de suas vidas”.

O contrário disso é o que tem feito a revolução gnóstica e satânica que domina o mundo, e que tanto tem feito para corromper a infância. Todos os meios são empregados por ela para pôr ao seu alcance a erotização mais crua dos programas de televisão e da Internet, a avassaladora propaganda do homossexualismo, teoria de gênero e de toda forma de perversão, com profusão de palavras chulas e de baixo calão. Tudo o oposto do mundo maravilhoso dos contos de fada.

Essa investida contra a inocência das crianças chega a um paroxismo ao apresentar a elas, como opção, o culto ao demônio. Pois é o que está sucedendo. Segundo a Associação Internacional de Exorcistas foi publicado nos Estados Unidos um novo livro (quer dizer, portanto já há vários) sobre demônios para crianças, com o título Livro infantil de demônios [foto ao lado] escrito por Aaron Leighton visando atingir crianças entre as idades de 5 a 10 anos! Ou seja, como afirma dita Associação, “um público particularmente desamparado e condicionável” a quem eles desejam apresentar “o Satanismo como uma alternativa normal entre outros cultos”.

Além disso, o livro “é mais uma contribuição para o nefasto projeto de normalizar o contato com o diabo, e apresentar a prática do satanismo como algo bom e positivo”.

Se isso fosse um caso isolado e raro, já seria condenável. Pelo contrário, insere-se num contexto em que o satanismo está encontrando cada vez mais adeptos, inclusive entre as crianças conforme escrevemos há pouco nesta coluna. Citamos então o caso de duas meninas adeptas do culto ao demônio, uma de 11 e outra de 12 anos, que planejaram um atentado em sua escola, visando matar pelo menos 15 coleguinhas, num ritual satânico.

Ora, escandalizar os pequeninos mereceu de nosso divino Mestre a mais severa censura.

Conta-nos a Sagrada Escritura que um dia pais pressurosos trouxeram seus filhinhos para que o Divino Salvador os abençoasse. Os discípulos, julgando que isso molestaria o Salvador, tentaram afastá-las. “Vendo isso, indignou-se Jesus, e chamando as crianças, disse aos seus discípulos: ‘Deixai vir a mim as crianças e não as embaraceis, porque o reino dos céus é dos que são semelhantes. Em verdade vos digo, quem não receber o reino de Deus como uma criança, não entrará nele’”. E acrescentou: “Qualquer um que escandalizar um destes pequeninos que creem em Mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha (uma grande pedra), e se submergisse na profundeza do mar.” (São Mateus 18, 6)

Quantas “mós de azenha” seriam necessárias hoje em dia para pendurar ao pescoço das inúmeras pessoas que trabalham sistematicamente para perverter os pequeninos!