
- Marcos A. Machado Costa
- Fonte: Revista Catolicismo, Julho/2024
Hermínio, um negro de boa estatura, andava pelos seus 60 anos. Na fazenda, entre os colonos, escolheu para si e sua família um recanto onde o córrego dava uma volta e lhe fornecia água saudável.
Preferiu estar a certa distância dos outros moradores, gostava de observar a natureza, de refletir. Tinha até o luxo de um céu estrelado, naquele rincão não prejudicado pelo excesso de luzes das cidades.
Era trabalhador manual, sabia manejar bem a enxada, a foice, mas tinha também algumas habilidades no trato com as madeiras.
Meu primo e eu, voltando das férias escolares — andávamos pelos 12 ou 13 anos —, gostávamos de ouvir aqueles colonos, mais particularmente os que já tinham ultrapassado os 50. Eu estava habituado à vida no campo; e o meu primo, citadino carioca, mal sabia distinguir um bezerrinho de um carneirinho.
Certa noite, minha família, meu primo, eu e os colonos conversávamos à beira da fogueira (talvez fosse festa de São João). E o Hermínio, que assava a batata doce num conjunto de brasas, teve uma daquelas intuições que lhe eram peculiares. Perguntou ao meu primo se sabia por que o azeite fervente nos queima mais do que a água fervente.
Quase não entendemos do que ele falava, e ele então adiantou: — O azeite fervente queima muito mais a pele do que a água. Já pensou se o café passado na hora ficasse tão quente quanto o azeite fervente?
Ainda mostrávamos não compreender o alcance do que falava, por isso ele acrescentou: — É muito simples. Como é que iríamos saber quando o café recém-coado já pode ser tomado, sem queimar a nossa boca? Deus fez a água ferver em temperatura mais baixa, por isso podemos tomar o cafezinho em seguida. No caso do azeite, não.
Fomos depois procurar nosso avô, a quem contamos a explicação do negro sexagenário. Ele nos olhou, ao citadino e a mim, e esclareceu: — Isso se chama bom senso, sabedoria. Vocês são novos, vão aprendendo com os mais velhos, sobretudo com os que sabem observar a natureza e descobrir as relações entre as coisas na ordem que Deus pôs na Criação. Se Deus fez a água ferver quando ainda está menos quente do que o azeite fervente, é exatamente porque a temperatura muito alta nos queimaria a boca ao tomarmos o cafezinho.
Meu primo e eu tínhamos descoberto uma nova realidade, que nossos professores no colégio, o rádio, a televisão, os filmes não nos contavam. Era preciso observar as leis postas por Deus na natureza e tirar lições para a vida humana.
Seria isso a tal ecologia? Não, nada a ver com ecologia, que cultiva e endeusa a natureza por si mesma. Hermínio sabia contar coisas em que nossos mestres nem sequer pensavam.
Era a isso levado pelo bom senso, pela observação, e talvez até pela tradição familiar.
Novas conversas com o Hermínio, era o que mais procurávamos nas nossas férias. O meu primo sustentava com veemência que o Hermínio nos tornava mais inteligentes.

Na noite de São João, que se comemora em 24 de junho, havia fogueira. Troncos de lenha — naquele tempo não havia as leis socialistas que impediam o dono da fazenda de exercer o seu pleno domínio sobre a terra — eram colocados superpostos, formando uma pilha: os mais grossos embaixo, de modo a dar mais durabilidade, a sustentar por mais tempo de fogueira.
Céu estrelado, multidão de estrelas que as luzes das cidades embaçavam, eram para nós um grande atrativo. Realmente, não as conhecíamos. Cruzeiro do Sul — tinham nos ensinado sobre ele nas aulas de Geografia —, Via Láctea, e planetas, que o nosso bom Hermínio não distinguia da categoria de estrelas, mas que sabia nos dizer coisas muito interessantes: — Sabe por que essas estrelas são tantas e tão diferentes em tamanho, cores e brilho?
- Por que Deus criou assim, era nossa resposta.
— Observe a natureza, veja a variedade dos vegetais, das plantas, das árvores: gramas, trepadeiras, arbustos, pequenas e grandes árvores. A mesma coisa (ele não sabia dizer que era uma “regra”) Deus estabeleceu no céu.
- Isso é para nos ensinar que há grandes, médios e pequenos. Eu sou colono, seu pai é administrador, temos também o dono da fazenda.
- Os colonos não são iguais uns aos outros: temos o carpinteiro, o moedor, o carreiro, o lavrador, o oleiro e eles formam esse “Caminho de Santiago” no céu.
Tudo aquilo nos deslumbrava. Porém, não a todos os meus irmãos e primos. Éramos ainda muito jovens para perceber que essas belezas postas por Deus no Universo tinham uma íntima relação com os estados de alma de cada um, com sua inocência: os primos “práticos” se interessavam mais pela mecânica, pela produtividade e pelas coisas não inocentes.
Nossas agradáveis surpresas com as observações daquele colono não terminam aqui. Tivemos, é claro, outras férias, outras conversas e outras surpresas, que reservamos para compartilhar com o leitor em outra ocasião.