Ah! A gastronomia francesa! Quanto requinte no coq au vin, no Chateaubriand à la crême, filet Henry IV com sauce bearnaise, crevèttes à thermidor, como sobremesa profiteroles, etc. E assim, de prato em prato, iríamos abrindo página após página, quem sabe abrindo também o apetite do leitor ou da leitora.
Pois é, mas em nossos dias vemos esta realidade ameaçada por vários lados e inclusive pela retração de um elemento simples, mas essencial e evocativo, que é o pão.
Não é nosso intuito tratar o assunto sob o viés gastronômico. Queremos tratar do “ente” pão por assim dizer em sua singeleza, em sua “personalidade” histórica, em seu valor simbólico.
Assim foi com o pão francês, objeto do consumo insistente do povo talvez mais exigente em matéria de culinária do mundo.
Essa carga simbólica toca no sagrado quando Nosso Senhor no Padre Nosso fala no “pão nosso quotidiano” sem o qual ficaria algo incompleto no dia. E na última ceia Ele de maneira sagrada utilizou o pão e o vinho para operar a transubstanciação.
A ofensiva tão generalizada da decadência de tudo o que é bom também se abateu sobre o pão francês. O declínio na qualidade “começou em 1920 com a transição de um processo de panificação lento para um rápido. A mecanização nos anos 1960 contribuiu para um pão sem sabor ou aroma. Em 1993, o governo veio em socorro com um decreto que criou uma designação especial, ‘o pão de tradição francesa’. A ‘tradição’: como é chamada, é mais cara do que a baguete clássica. Essa última usa aditivos, um processo rápido de crescimento da massa e mecanização”.
Li, no “O Globo” (10-8.-2013), transcrito do The New York Times, que “os franceses, parece, estão perdendo o amor pelo pão. Hoje em dia o francês médio consome apenas meia baguete por dia. Nos anos 1970, ele comia uma baguete e, por volta de 1900, eram mais de três […]. O declínio é tão preocupante que o Observatoire du Pain, o lobby dos padeiros e dos moleiros, iniciou uma campanha em toda a França para divulgar o pão como promotor da saúde, de boa conversa e da civilização francesa.”
Naturalmente, pode-se ver o pão pelo aspecto meramente material como meio para mitigar a fome das multidões. É como ele frequentemente é visto. Não é verdade que na Revolução Francesa as massas exigiam pão? Já os romanos diziam que o povo queria pão e circo: panem et circiensis. Isto bastaria.
“O pão está cedendo seu lugar à mesa para rivais como os cereais, as massas e o arroz. A França ainda tem o maior número de padeiros independentes do mundo (são 32 mil), mas em 1950 eles eram 54 mil. De acordo com Steven L. Kaplan, o historiador americano que mesmo os franceses consideram a maior autoridade em pão francês, a panificação seguiu duas tendências no último século: um declínio na qualidade dos produtos e o surgimento de uma nova geração de produtores artesanais devotados à excelência e à tradição“.
E os outros pães da Europa, por exemplo os célebres alemães, ou os italianos – fatti propiocom amore (Feitos mesmo com amor) – o que dizer deles? “Um dia sem pão é um longo dia”, diz um provérbio espanhol. Cada país terá sua fórmula peculiar de pão. No Brasil, temos o pão de queijo. Mas com um reparo observado por Plinio Corrêa de Oliveira: “Os romanos da decadência se contentavam com pão e circo. Os brasileiros vão sendo adestrados para o mesmo programa. Mas com uma variante: cada vez menos pão e mais circo”. (in “Catolicismo, Nº 94, outubro/1958).
O pão tem inimigos, que são os inimigos dos sabores, das excelências, da ventura. Seus inimigos e falsos amigos são inimigos da civilização cristã – do que resta da civilização cristã…
Em resumo: o pão, em sua pobreza e riqueza, é um despretensioso ser, alimento do corpo e da alma em seu simbolismo.
Fraternalmente ligado ao pão, está o vinho. Mas talvez nenhum alimento sólido tenha a força simbólica do pão.
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(*) Leo Daniele é colaborador da Agência Boa Imprensa (ABIM)
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