SÃO JOÃO DE LATRÃO — Basílica Mater da Cristandade 17 séculos de História

No calendário litúrgico da Igreja Católica, a festa da “Dedicação da Basílica de São João de Latrão” é celebrada no dia 9 de novembro de cada ano. Nesse dia, em 324, a Basílica foi dedicada pelo Papa São Silvestre I ao Santíssimo Salvador.

Paulo Roberto Campos

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 887, novembro/2024

A Arquibasílica do Santíssimo Salvador e dos Santos João Batista e João Evangelista de Latrão —simplesmente chamada de Basílica de Latrão — é considerada a Catedral de Roma, e seu nome completo em latim é Archibasilica Sanctissimi Salvatoris et Sanctorum Ioannis Baptistae et Ioannis Evangelistae in Laterano.

Ela é a mais antiga igreja do Ocidente, a mais importante entre as seis basílicas papais do mundo e as quatro basílicas maiores da Cidade Eterna (a de São Pedro, Santa Maria Maior, São Paulo Fora dos Muros e São João de Latrão). Denomina-se Arquibasílica por estar acima de todas as demais, inclusive da Basílica de São Pedro.

Situada perto do Monte Célio (Collis Caelius), uma das Sete Colinas de Roma, a Arquibasílica tem o título de Mater et Caput — Mãe e Cabeça de Todas as Igrejas. É a Sé Episcopal oficial do Bispo de Roma, que é o Papa, também Catedral de todos os Bispos e de toda a Diocese da capital italiana.

Duas lápides, uma de cada lado do seu pórtico principal, registram a mesma inscrição em latim [foto acima] Sacrosancta Lateranensis Ecclesia omnium Urbis et Orbis Eecclesiarum Mater et Caput (“Santíssima Igreja de Latrão, Mãe e Cabeça de todas as Igrejas da Cidade e do Mundo”).

Conversão de Constantino I na origem da Arquibasílica

No extremo esquerdo do pórtico,
encontra-se uma estátua do
Imperador Constantino

Flávio Valério Constantino (272-337), conhecido como Constantino, o Grande, foi o primeiro Imperador convertido ao Cristianismo. Episódio histórico que se passou após ele ter vencido o usurpador Imperador Maxêncio em Saxa Rubra na Via Flamínia, na Batalha de Ponte Mílvia (perto de Roma), em 28 de outubro de 312.

Na véspera da batalha, Constantino, então politeísta, viu no céu um milagroso símbolo: um anjo com uma cruz e a inscrição In hoc signo vinces (com este sinal vencerás). Constantino prontamente mandou pintar esse sinal nos escudos de seus soldados. De fato, com o símbolo da cruz, ele saiu vitorioso e convertido ao Cristianismo.

Com sua conversão, o Imperador proclamou o Edito de Milão (313), concedendo liberdade de culto aos cristãos de todo o Império Romano. Logo que ele entrou triunfalmente em Roma, manifestou seu grande desejo de encontrar algum lugar para ser dedicado ao culto cristão da Igreja nascente. O que ele encontrou numa propriedade na região “dos Latrão” e a doou ao Papa Melquíades (311-314). Ali foi construída uma igreja primitiva com muitos traços semelhantes à atual.

A fachada lateral da Basílica, com a Loggia delle Benedizioni, construída em conjunto com o adjacente Palazzo del Laterano por Domenico Fontana [Foto PRC]

Construída sobre as ruínas do antigo quartel da Guarda Imperial de Cavalaria, seu nome deriva do Palácio Laterani, pertencente à família dos Lateranos, funcionários categorizados de vários imperadores. Um deles foi o cônsul Pláuxio Laterano, famoso por ter conspirado contra o imperador Nero (54-68). Condenado à morte, seus bens foram confiscados e passados para o Tesouro Imperial no ano de 65.

Posteriormente, dois séculos e meio depois, passou a ser propriedade de Flávia Máxima Fausta (289-326), filha do ex-imperador Maximiano, segunda esposa do Imperador Constantino. Foi por recomendação de sua mãe, a Imperatriz Santa Helena (246–330), que Constantino doou a propriedade à Igreja.

Entre diversos atos históricos, coroações de Papas e Imperadores

Na Basílica de Latrão,
a imagem de São João Batista [Foto PRC]

Em homenagem ao Santíssimo Salvador, a Basílica “constantiniana” foi consagrada e inaugurada pelo Papa São Silvestre I (314-335), na presença do Imperador, em 9 de novembro de 324. Desde então passou a ser residência dos Romanos Pontífices até 1304, quando houve a mudança para Avignon (um feudo papal na França). No retorno a Roma, em 1377, a Basílica encontrava-se muito abandonada e deteriorada, mas, após uma grande reforma e ampliação, voltou a ser residência dos Papas. Assim continuou até o século XIX, quando houve a mudança para o Palácio do Vaticano.

Neste mês, essa histórica Basílica de São João de Latrão — que remonta aos tempos finais da era das grandes perseguições aos cristãos, a “Era dos Mártires”— completa exatamente 1700 anos. Basílica tão provecta que quando o Brasil foi descoberto ela já tinha bem mais de 1000 anos…

Nave central da Basílica de São João Latrão [Foto PRC]

Dentro dos muros dessa Basílica “realizaram-se duzentos e cinquenta Concílios, cinco dos quais ecumênicos [1123, 1139, 1179, 1215, 1512], incluindo o IV de Latrão, em 1215, considerado pelos historiadores como o mais importante de toda a Idade Média, por ter como único objetivo garantir uma sociedade cristã universal”.1

Também entre aqueles sacrossantos muros transcorreram coroações de Papas e Imperadores; ali foi batizado o Imperador Carlos Magno, em 774; audiências com reis e rainhas; assinaturas de históricos documentos, como os Pactos de Latrão, em 11 de fevereiro de 1929, entre o Reino da Itália e a Santa Sé.

Claustro medieval anexado à Basílica de Latrão [Foto PRC] 

Homenagem aos Santos João Batista e João Evangelista

Foi somente no século IX, no Pontificado de Sérgio III, que a Basílica foi dedicada a São João Batista (nome do antigo batistério), e, finalmente, no século XII, o Papa Lúcio II incluiu também o nome de São João Evangelista. Donde ser mais conhecida como São João de Latrão — em italiano, San Giovanni in Laterano.

Gravada no alto de sua imponente fachada, lemos a inscrição em latim: “CLEMENS XII PONT MAX ANNO V CHRISTO SALVATORI IN HON SS IOAN BAPT ET EVANG” [foto acima]. O texto, muito abreviado, pode ser traduzido como “Papa Clemente XII, no quinto ano de seu pontificado [1735], dedicou este edifício a Cristo, o Salvador, em homenagem aos Santos João Batista e João Evangelista”.2

         Na mesma fachada, na laje entre o primeiro e o segundo pavimento, também está gravada outra inscrição latina:

Parte superior da fachada

“DOGMATE PAPALI DATVR AC SIMVL IMPERIALI QVOD SIM CVNCTARVM MATER CAPVT ECCLESIARUM HINC SALVATORIS CQELESTIA REGNA DATORIS NOMINE SANCXERVNT CVM CVNCTA PERACTA FVERVNT SIC NOS EX TOTO CONVERSI SVPPLICE VOTO NOSTRA QVOD HEC AEDES TIBI XPiCte SIT INCLITA SEDES” (“Por decreto papal e também por decreto imperial é concedido que eu seja a mãe e cabeça de todas as igrejas. Doravante, depois que tudo foi concluído, eles consagraram este reino celestial com o nome do Salvador e Criador. Assim, nós fomos persuadidos totalmente pela humilde oração de que este nosso célebre templo seja seu lar, Cristo.”

Relicário com fragmento da Mesa da Última Ceia de Jesus com os Apóstolos [Foto PRC] 

Imenso e precioso relicário de sacrossantas relíquias

A Basílica é também um preciosíssimo escrínio para várias relíquias sagradas, como um pedaço da Mesa da Última Ceia de Jesus com os Apóstolos [foto acima]; os relicários de prata com as cabeças de São Pedro e São Paulo [foto ao lado]; um fragmento do manto de Jesus que fora disputado pelos soldados de Pôncio Pilatos; uma lasca de um altar de madeira no qual São Pedro celebrou, e o copo utilizado por São João Evangelista com o veneno que ele bebeu, mas milagrosamente não lhe causou mal algum. Ela é também o lugar onde 22 Papas foram sepultados.

O altar-mor e o cibório gótico do século XIV.
A relíquia do altar-mor de madeira original
usado por São Pedro [Foto PRC]

Ao longo dos séculos, a Basílica foi algumas vezes saqueada, muitas de suas obras de arte e outros bens preciosos roubados, como fizeram os visigodos de Alarico no saque de Roma (410), e os vândalos de Genserico (455), quando despojaram a Basílica de todos os seus tesouros.

Parcialmente destruída por terremotos, sofreu danos também devido a alguns incêndios. Mas para suas diversas reformas, restaurações e ampliações, recebera tantas doações que foi chamada de “Basílica Dourada”. Foi durante o pontificado do Papa Clemente XII (1730-1740) que se conclui sua última restauração. O que corresponde à esplendorosa Basílica que hoje contemplamos em Roma. Vale uma viagem só para visitá-la…

Bento XIII preside o Sínodo Romano de 1725 na Basílica de São João de Latrão – Pier Leone Ghezzi (1674 – 1755). Museu de Arte de Carolina do Norte, EUA.

Com essas semi-destruições e grandes restaurações na Basílica, passando por períodos de abandono e outros de glória, por perseguições e esplendores, ora atravessando os vales da miséria, ora no mais alto das montanhas da glória, essa Basílica constantiniana, sagrada e fabulosa joia da Cristandade, é bem o símbolo do triunfo final da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Ela nasceu do sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, sofreu em seus primórdios terríveis perseguições, mas venceu o mundo pagão. Quando tudo parecia perdido, a Providência converte um Imperador Romano e tudo começa a florescer. A Cristandade atingiu seu apogeu nos esplendores sacrais da Idade Média, com seus grandes santos e magníficos monumentos góticos, mas hoje parece ter voltado aos “vales da miséria”. Entretanto sabemos que, assim como Nosso Senhor foi morto, mas ressuscitou, a Santa Igreja triunfará com o Reinado do Imaculado Coração de Maria!

A basílica numa gravura publicada em 1864

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Notas:

1.https://www.ilmessaggero.it/vaticano/anniversari_2024_news_basilica_laterano_storia_cristianita_occidente_papa_francesco_costantino-7736935.html

2.https://it.wikipedia.org/wiki/Basilica_di_San_Giovanni_in_Laterano

Referências: