
- Carlos Sodré Lanna
Em dezembro de 1996, São Luís, capital do Estado do Maranhão, foi incluída pela UNESCO no grupo de cidades que são patrimônio da humanidade, como já o fora, vários anos atrás, Ouro Preto — o imponente conjunto arquitetônico colonial, outrora denominado Vila Rica, antiga capital da Província de Minas Gerais.

Essa decisão deve facilitar a obtenção de verbas nacionais e internacionais para a restauração de uma relíquia arquitetônica e cultural de nossa história.
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O povoamento do Maranhão foi iniciado em 1612, quando 500 colonos franceses lá chegaram em três navios comandados por Daniel de la Touche. Estabeleceram eles então a chamada “França equinocial” na ilha a que deram o nome de São Luís, hoje capital maranhense.
Em 1614 os portugueses reagiram à ocupação, organizando um exército chefiado por Jerônimo de Albuquerque, que venceu e expulsou os franceses na batalha decisiva de Guaxenduba, travada em 19 de novembro daquele ano.

Nessa batalha deu-se um fato milagroso, digno de ser realçado no estudo de nossa história pátria.
No fragor da luta entre os soldados luso-brasileiros e os invasores franceses, uma Senhora diáfana e radiosa apareceu como por encanto entre as fileiras de nossos ancestrais. À medida que as percorria ia incentivando os combatentes à luta. Quando faltava munição, apanhava areia da praia e a oferecia aos soldados, já transformada em pólvora, para que recarregassem suas armas.
Era Nossa Senhora das Vitórias, que dessa maneira revigorava os luso-brasileiros com sua real presença e como verdadeira comandante da batalha. Em vista disso, foi proclamada Padroeira de São Luís. Na derrota em Guaxenduba terminou o domínio francês no Maranhão.

Com a expulsão dos franceses, a cidade passou às mãos dos brasileiros, tornando-se importante centro de comércio marítimo. Foi elevada a capital do Estado em 1621.
Em 1641 holandeses calvinistas invadiram São Luís a golpes de traição, ocorrendo por toda a parte saques às propriedades, atentados à vida e à honra das famílias, bem como sacrilégios praticados contra as igrejas. A reação foi imediata, e a luta prolongou-se até o início de 1644, quando, após intensos combates, os hereges holandeses foram derrotados e expulsos do território maranhense.
Influência européia
O Maranhão, no conjunto do País, é o oitavo Estado em superfície e o nono em população.

Notam-se em seu território aspectos físicos e econômicos de três regiões brasileiras: Amazônia, Centro-Oeste e Nordeste. É a terra das palmeiras, dos buritis, da carnaúba e do babaçu, onde quase não ocorrem secas ou enchentes.
São Luís, situada na entrada da baía de São Marcos, é o principal centro de atração turística do Estado. Quase metade da sua área urbana é tombada, sendo conservada e defendida contra alterações pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
O fato de ter sido fundada por franceses católicos constitui motivo de orgulho para os habitantes da capital, que invocam sempre com ênfase essa origem de sua cidade.
São Luís já esteve mais perto do continente europeu que do Rio de Janeiro. Da Europa vinha tudo aquilo que constituía o requinte material de suas elites sociais: pratarias do Oriente, porcelanas francesas, cerâmicas portuguesas, sedas, linho, casimira inglesa etc.
Por outro lado, o brilho da cultura européia — embora já sob a influência das toxinas de doutrinas revolucionárias anticatólicas — exerceu ponderável influência na capital maranhense.

São Luís foi sempre uma cidade onde se cultivou com esmero a arte literária em seus diversos estilos, como a oratória, a prosa e a poesia, notando-se uma inclinação especial pela arte de falar e de escrever bem. Não é por acaso que figuras relevantes de nossas letras durante os séculos XIX e XX tenham nascido naquele Estado.
Esse gosto pelas coisas do espírito é uma característica que vem de longe, tendo suas raízes na secular Universidade de Coimbra, Portugal, onde estudaram, no passado, muitas gerações de maranhenses.
Cidade dos azulejos
A cidade é sossegada. Não se agita no vai-e-vem de seus habitantes e veículos. As ruas e praças da capital maranhense não perderam ainda o traçado tradicional das antigas vias com alguns séculos de história.

Observa-se nelas recolhimento e paz, que evocam seu passado histórico de requintes e tradições. A arquitetura da cidade, em seu conjunto, constitui uma jóia do estilo colonial brasileiro.
O que mais impressiona em São Luís são os casarões e sobrados construídos há mais de dois séculos pela chamada nobreza da terra — ricos fazendeiros, donos de engenhos — e por abastados comerciantes, todos em estreito e frequente contacto com centros europeus.
Tais edifícios são ricos em adornos, ostentando grande variedade de preciosos azulejos fixados nas paredes, provenientes de Portugal. Também merecem menção os beirais de porcelana nas janelas e varandas, obras de artesanato com ricos desenhos.
É considerável a variedade desses sobrados, que encantam pelo conjunto de suas linhas sóbrias, no estilo barroco adaptado ao Brasil.
São Luís é cidade típica de um Brasil onde se cultivaram dons do espírito, as artes e o bom uso da língua portuguesa. Expressão de um Brasil autêntico, com suas igrejas, conventos, sobrados, mirantes e fontes.
Enfim, uma cidade familiarizada com os centros europeus, mas profundamente afim com as tradições nacionais.
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Bibliografia
- Astulfo Serra, Guia histórico de São Luís do Maranhão, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965.
- Brasil, Histórias, costumes e lendas, Editora Três Ltda, São Paulo, 1993.
- Enciclopédia Delta Universal, Editora Delta, Rio de Janeiro, 1990.
muito interessane
Fatos históricos conhecidos comprovam que Daniel de la Touche comandante de 500 franceses que chegaram ao Maranhão em 1912 eram na realidade calvinistas misturados com alguns católicos em uma manobra para entrarem disfarçados no Brasil. Desejavam ser aceitos para evitar outra derrota como no Rio de Jane-
iro em 1557 por serem invasores calvinistas mas houve reação e foram expul-
sos. Em São Luis não conseguitram enganar aos portugueses e a Nossa Senhora das Vitórias na batalha de Guaxenduba em 1614 e foram novamente derrotados terminando assim o domínio francês no Maranhão.
Deixando à parte o episódio do inquestionável milagre colaborador da retirada dos franceses do Maranhão, conta a História, segundo os professores de História do Brasil Luís César Barretto Rodrigues (Anais Históricos do Estado do Maranhão) e Wanderley Scatolin que, em 1594, dois navios piratas franceses capitaneados por Jacques Riffault naufragaram no litoral do Maranhão, perto da Ilha de Sant’Ana. Charles de Vaux, um dos sobreviventes, passou anos convivendo com os índios antes de retornar à França, quando passou a difundir a idéia de estabelecer uma colônia francesa no Maranhão. O Senhor de La Ravardière, Daniel de La Touche, entusiasmado com a idéia, tentava convencer o então Rei de França, Henrique IV, a tomar posse dessas regiões, ainda não ocupadas pelos portugueses. O rei, no entanto, morreu antes de concluir tais planos, deixando como herdeiro o futuro Rei Luis XIII, ainda criança. Por isso Maria de Médici, a mãe, tornou-se regente de França (e de Navarra). Por ser católica, só concordou com a idéia do protestante La Touche depois de ele haver concordado que os navios – um deles inclusive se chamava Sant’Anna (os outros Règente e Charlotte) – seriam comandados por católicos e levariam frades da Ordem Menor dos Capuchinhos junto com a tripulação. O objetivo era, naturalmente, evangelizar os índios. A expedição recebeu inclusive auxílio financeiro da coroa de Paris (especialmente os senhores François de Rossily, Monsieur Almers e Nicolau de Herley) . Chegando ao Maranhão em 26 de Julho de 1612, encostaram os navios em uma ilha pequena, à qual batizaram de Sant’Anna, a santa do dia. iniciaram a construção de um forte, que foi batizado de Louisville (em homenagem ao futuro rei de França): a famosa tentativa de fundar aqui a França Equinocial. Em 08 de Setembro de 1612 (dia da Natividade de Nossa Senhora) franceses – católicos – e os índios tupinambás ergueram juntos uma cruz, os capuchinhos celebraram uma missa e organizaram uma procissão, com a presença do católico, referido Senhor François de Rossily, dando-se por fundada a cidade de São Luís, assim denominada depois por Jerônimo de Albuquerque, em homenagem a São Luiz IX, Rei de França. Jerônimo de Albuquerque fez questão de manter esse nome para que seus feitos fossem guardados na memória. De fato, a História passou a considerar Jerônimo de Albuquerque o legítimo fundador de São Luís, já que para o resto dos católicos, ou seja, espanhóis e portugueses, os franceses que ali estavam, não estavam senão na condição de invasores. De Vaux, por ser protestante, não participou da cerimônia de fundação. Entretanto a Corte de Espanha, católica por certo, não se agradou dessa intromissão e decidiu expulsar os franceses do Maranhão, contratando para tal empreitada o sobredito Jerônimo de Albuquerque que, juntamente com Diogo de Campos Moreno comandaram a primeira expedição, composta naturalmente de portugueses. Como a batalha não se resolvia, por falta de recursos bélicos de ambas as partes, foi sugerida entre eles uma trégua, que também não agradou aos espanhóis, que enviaram mais tropas, comandadas por mais um português, Alexandre de Moura, que acabou por expulsar os franceses em 1615, não sem muita negociação. A La Touche os portugueses prometeram uma indenização e o enviaram ao Pernambuco, onde ele ficou até 1619 e quando pediu um aumento da prometida indenização, foi enviado a Portugal e aprisionado na Torre de Belém durante três anos. De Vaux ficou no Maranhão, para ajudar a colonização portuguesa, por força de sua boa comunicação com os tupinambás. O fato é que o Maranhão, sua capital São Luís em específico, é uma jóia conjunta de França, Espanha e Portugal católicos, incrustada no Brasil, que só não brilha mais porque uma certa condição política contemporânea houve por bem empanar esse brilho. Mas essa é outra história, que não cabe aqui considerar, porque seria tirar a graça de tão fulgurante e maravilhoso episódio de nossa História, digno até de frequentar os melhores contos de capa e espada da literatura mundial.