O mártir chouan

Monarquia
Combatentes chouans aguardando para atacar as tropas de Napoleão

Guilherme Félix de Sousa Martins

Pierre Michelot retornava de uma longa jornada junto à tropa dos chouans1 de Ille-et-Vilaine.

Muito jovem ainda, e no vigor da idade, medira em toda a sua extensão, a maldade intrínseca da Revolução — a mesma que prometera a “liberdade” aos franceses. Como outrora os irmãos Macabeus, de sua alma partira o grito de indignação: “É preferível morrer no combate, a ver nosso povo perseguido e nosso santuário profanado”.2

Assassinado o Rei Luís XVI — pai de seu povo — e perseguidos os verdadeiros pastores, destruídos os templos onde se adorava o verdadeiro Deus, não lhe restava senão lutar sem tréguas contra os celerados que pretendiam arrancar do fundo da alma dos franceses a fé neles infundida por séculos de ação benfazeja da Igreja.

Monarquia
Toussaint du Breil, visconde de Pontbriand

Alistara-se na tropa de Monsieur de Pontbriand, senhor das terras de Princé, seu vilarejo natal. E depois de várias semanas de uma guerrilha sem quartel às forças revolucionárias, retornara furtivamente à casa paterna para rever os seus e curar-se das feridas da luta.

Entretanto, os bleus3, servidos por uma vasta rede de informantes — muitos deles, hélas, traidores da boa causa —, ao saberem de sua presença logo sitiaram a casa, apoderando-se não só dele, mas de toda a família e criadagem.

O jovem é, então, longamente torturado4, sendo seus pés assados sobre as brasas que ardiam na chaminé; tão logo ameaçava desfalecer, era reanimado para continuar a sofrer.

Para os carrascos a cena perderia todo o seu tétrico sabor, se o pai e a mãe do pobre rapaz, bem como todo o pessoal da casa, não fossem obrigados a assistir ao bárbaro espetáculo.

A defesa de Rochefort-enTerre - Alexandre Block, 1885. Museu de Belas Artes de Quimper, na Bretanha (França).
A defesa de Rochefort-enTerre – Alexandre Block, 1885. Museu de Belas Artes de Quimper, na Bretanha (França).

Durante as seis horas que durou o suplício, o jovem chouan não cessava de repetir: “Meu Deus, meu Deus, é por Vós que tenho lutado, é por minha religião! Meu Deus, tende piedade de mim! Jesus, Maria, José, eu Vos ofereço meus sofrimentos.”

Ao amanhecer, uma ideia sacrílega vem à mente dos verdugos. Não longe dali, no caminho de Dompierre-du-Chemin, elevava-se uma cruz que a sanha laicista da Revolução não tivera tempo de abater, e que fora certamente erguida pelo zelo apostólico de São Luís Maria Grignion de Montfort ou de algum de seus companheiros. Um soldado mais exaltado sugere, em tom sarcástico: “Este bandido5 nos fatigou a noite inteira repetindo que combatia por seu Deus. Que ele morra, então, como seu Deus! Crucifiquemo-lo!”.

O supliciado é então levado até o calvário, e logo começam os preparativos para cravá-lo na cruz, a despeito das súplicas dos parentes aí arrastados para presenciar a execução. Não fosse a chegada de um oficial republicano, que ordenou o imediato fuzilamento do chouan, tê-lo-iam crucificado.

Uma hora mais tarde, chegavam a toda pressa Monsieur de Pontbriand e sua tropa, encontrando o cadáver atado à cruz. Não podiam crer no que seus olhos viam…

Perderam assim um devotado e fiel companheiro de tantas batalhas. Mas, com seu martírio, patenteou-se ainda mais para eles a maldade daquela Revolução, mascarada sob a idílica trilogia Liberdade, Igualdade, Fraternidade. E cresceu a certeza da santidade da luta a que se tinham consagrado.

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Representação de um chouan
Representação de um chouan

Na atualidade, também vivemos sob o tacão de uma Revolução ateizante. Seus métodos não são — ao menos por ora… — principalmente os cruentos; sua maldade, entretanto, não é menor. Com o uso de possantes “anestésicos”, vem ela arrancando do Ocidente ex-cristão o que ainda lhe resta do seu mais precioso bem: a verdadeira Fé.

Que nosso mártir obtenha para os que resistem bravamente como ele ao cetro diabólico dessa Revolução, a convicção da santidade da causa que defendem e a certeza da vitória!

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Notas:

  1. Nome dado aos camponeses do noroeste da França que se levantaram em armas contra a Revolução Francesa.
  2. I Mc 3,59.
  3. Os soldados revolucionários eram assim denominados em alusão à cor azul predominante em seu uniforme. Os contra-revolucionários, dada a cor de seu estandarte, eram “les blancs”, os brancos.
  4. Fato narrado por Anne Bernet, em seu livro Histoire Générale de la Chouannerie (Paris: Éditions Perrin, 2016, p. 440-1). O nome atribuído aqui ao personagem é fictício; a história parece não ter registrado seu nome real.
  5. Os revolucionários chamavam os chouans de brigands (bandidos), para desprestigiá-los junto ao povinho. Por esta narração, vê-se quem é o verdadeiro merecedor de tal título…

 

Um comentário para "O mártir chouan"

  1. Luiz Guilherme Winther de Castro   22 de janeiro de 2018 at 16:21

    Infelizmente, o mundo parece não mudar. Certa vez, ainda mais jovem (ou menos velho), estava eu na fila em um ponto de ônibus no São Judas, em São Paulo, quando presenciei algo que não me agradou. Na verdade, uma falta de educação e respeito. Atrás de mim, um senhor, mais idoso. Comentei o fato com ele. Ele, com um sotaque de ser português “legítimo”, disse-me que o mundo era assim mesmo, era feito de montanhas, eram subidas e descidas. Com isso ele queria dizer, diante do que aconteceu ali, que os costumes, a educação, o bom e respeitoso convívio tinham fases, ora melhoravam, ora pioravam.
    O homem evoluiu muito em termos de progresso econômico e tecnológico em todas as áreas, mas, a essência do homem, o instinto maldoso, invejoso, a ganância, a arrogância, se para uns houve melhoras, para muitos, a “selvageria” permanece.